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'Geladeiras' do século 17 viraram tavernas e maior símbolo de cidade suíça

Grotto San Michele hoje abriga o Ristorante Castelgrande: como o nome sugere, a caverna fica dentro de um castelo - Reprodução/Facebook
Grotto San Michele hoje abriga o Ristorante Castelgrande: como o nome sugere, a caverna fica dentro de um castelo Imagem: Reprodução/Facebook

De Nossa

10/06/2022 04h00

Ticino, na Suíça, guarda uma tradição curiosa. Grutas ou cavernas que, séculos atrás, serviam como geladeiras para famílias guardarem frios, carnes, vinhos, queijos e outros alimentos perecíveis, hoje são famosas tavernas.

Uma das casas mais tradicionais, a Grotto America existe desde 1849 e virou ponto de encontro para caravanas de emigrantes suíços que partiam rumo aos Estados Unidos naquela época

Segundo o site do próprio estabelecimento, cerca de 30 mil cidadãos de Ticino deixaram o país rumo a Gênova, na Itália, e dali então para "fazer a América" entre 1850 e 1918. Muitos pararam por ali antes para se despedir, comer e beber juntos antes de seguirem viagem.

Grotto America - fotoember/Getty Images - fotoember/Getty Images
Imagem: fotoember/Getty Images

Espaço descoberto por... cabras

A maior parte de casas como estas oferece área externa, com vista panorâmica para rios, lagos e montanhas, mas é seu interior que revela uma boa história. As grutas da região começaram a ser utilizadas para preservar alimentos — em tempos que geladeiras não existiam — no século 17.

"Centenas de anos atrás, cabras foram encontradas enfiando suas cabeças dentro de buracos nas paredes das cavernas nas montanhas. Logo, os fazendeiros perceberam que os animais faziam aquilo para sentir o ar frio que passava pelas paredes. Foi quando surgiu a ideia de usar as cavernas como refrigeradores naturais para guardar o queijo, a carne e o leite", contou Patricia Carminati, guia que organiza roteiros e degustações em Ticino, para a BBC.

As cavernas, aos poucos, foram adaptadas e ampliadas, ganharam verdadeiras adegas e estrutura de porão para comportarem mais produtos. Como a região foi predominantemente agrícola até a metade do século 20, o recurso natural era muito utilizado.

Grotto America em uma sala "romântica" interior - Reprodução - Reprodução
Grotto America em uma sala "romântica" interior
Imagem: Reprodução

Era mais do que natural, portanto, que quando acabasse algum alimento na casa de alguém, o morador procurasse quem tivesse uma gruta para conseguir mais mantimento. Logo, estes locais se tornaram pontos de comércio, de encontro e se converteram em casas com música, bebida e refeição: as tavernas.

No entanto, este primeiro momento de evolução explica a instalação das áreas externas das tavernas ao redor das cavernas.

A adaptação do interior das grutas acabou chegando depois, quando elas deixaram de ser estritamente necessárias para o armazenamento de produtos, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com a difusão da eletricidade e das geladeiras na região.

O castelo que abriga Grotto San Michele - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
O castelo que abriga Grotto San Michele
Imagem: Reprodução/Facebook

"Pouquíssimas delas mantiveram sua função original de preservar comida e vinho. Nos outros casos, os donos expandiram suas grutas instalando mesas de pedras, bancos e mais assentos na área externa", explicou ainda o guia Alessandro Rezzonico, que organizava tours de barco até as grutas ao redor do Lago Lugano, à emissora britânica.

Mezzo italiano, mezzo suíço

Região que carrega traços da cultura italiana — inclusive o idioma — dentro da Suíça, Ticino pode até não precisar mais de suas grutas para guardar suas delícias, mas elas preservam uma mistura única da gastronomia de origem na bota com elementos tipicamente suíços, daí pratos como a luganighetta, os escargôs grelhados com cebolas.

Grotto Descanso, em Gandria, na Suíça - Julien Viry/Getty Images - Julien Viry/Getty Images
Grotto Descanso, em Gandria, na Suíça
Imagem: Julien Viry/Getty Images

Por isso, ainda hoje, elas continuam atraindo locais e turistas. Enquanto alguns as elegem para receber grandes festas, como casamentos e batizados, há aqueles que apenas param para provar delícias, relaxar e encontrar amigos em um pedaço bem diferente do mundo — mas não tão distantes daqueles que partiram rumo à América no fim do século 19.