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De anarquistas a antifascistas: a arte política nos muros de vila italiana

Mural em homenagem ao ex-presidente chileno Salvador Allende, em Orgosolo, na Sardenha  - SOPA Images/LightRocket via Getty Images
Mural em homenagem ao ex-presidente chileno Salvador Allende, em Orgosolo, na Sardenha
Imagem: SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Annamaria Marchesini

Colaboração para Nossa, de Orgosolo, Itália

15/06/2022 04h00

Há lugares especiais na Sardenha que ficam longe de suas praias de areia branca, banhadas pelo mar cor de esmeralda e famosas no mundo todo. Um deles é Orgosolo (fala-se Orgósolo) onde a pegada é bem outra: o mergulho é na arte, na história e na cultura do povo sardo, representados em murais pintados nas paredes da cidade por artistas italianos e de outros países.

Numa colorida exposição a céu aberto, em diversos estilos, as pinturas cobrem muros e fachadas da vila erguida durante a Idade Média e cercada pela natureza exuberante do Supramonte, montanhas de calcáreo e vegetação na região centro-oriental da Sardenha.

Mural em Orgosolo: eles viraram atração nesta vila da Sardenha - Getty Images - Getty Images
Mural em Orgosolo: eles viraram atração nesta vila da Sardenha
Imagem: Getty Images

História dos murais

O primeiro mural da vila com cerca de 4500 habitantes foi pintado em 1969 pelo grupo teatral anarquista Diòniso, do continente. Nele, a Sardenha não aparecia no mapa da Itália, como uma crítica à sua insignificância no jogo político italiano, que sucumbia ao imperialismo norte-americano.

Mas foi só em 1975 que as pinturas começaram a colorir os muros de Orgosolo, quando o professor de educação artística Francesco Del Casino, da escola local, levou os alunos para as ruas, com tintas e pincéis, para criar painéis em comemoração ao trigésimo aniversário da Libertação do Nazifascismo e em homenagem à resistência italiana.

Mural em Orgosolo, na Sardenha - Getty Images - Getty Images
Mural em Orgosolo, na Sardenha
Imagem: Getty Images

A partir dali novos murais foram criados com manifestações sobre a história e a cultura do povo sardo e ampliando os temas para a política e os direitos humanos.

Com figuras e textos, os murais criticam governantes da Itália e do mundo, condenam o capitalismo e suas consequências, a ditadura, falam sobre a vida dos camponeses, das mulheres que produzem e tecem seda na região e a luta de seu povo, no passado, para defender as terras confiscadas pelo governo. Deslize a galeria e veja algumas das artes encontradas da vila:

Um tour pelos murais

Só um passeio pelo corso Repubblica, a rua principal de Orgosolo, já revela a força dos murais. Mas a curiosidade estende os passos às ruas transversais, às escadarias e às vielas.

Para onde se caminha há pinturas. Algumas exibem as cores fortes dos pigmentos usados, outras desbotam, desgastadas pela chuva, o vento e a neve. Há os que são recuperados, mas outros — como o primeiro mural, do grupo Diòniso — não existem mais por causa de demolições, obras ou por não terem resistido ao tempo.

Além dos muros: as artes também dominam fachadas de edifícios - Getty Images - Getty Images
Além dos muros: as artes também dominam fachadas de edifícios
Imagem: Getty Images

Um número grande de murais fala do passado, mas há manifestações sobre fatos atuais, como o protesto contra a prisão de Julian Assange, pintado na praça Caduti in Guerra.

Numa voltinha pelo centro é possível ver, na fachada de um prédio particular, a pintura que evoca o bombardeamento do palácio presidencial do Chile e a morte do presidente Salvador Allende.

Homenagem a Salvador Allende, em Orgosolo, na Sardenha - Annamaria Marchesini - Annamaria Marchesini
Homenagem a Salvador Allende, em Orgosolo, na Sardenha
Imagem: Annamaria Marchesini

Em outra parede o mural destaca a luta das mulheres pela igualdade na família e no trabalho. Outra, de 1978, mostra mulher e criança com expressão de terror para protestar contra a presença de bases americanas na Sardenha.

Mural em Orgosolo, na Sardenha - Annamaria Marchesini - Annamaria Marchesini
Mural em Orgosolo, na Sardenha
Imagem: Annamaria Marchesini

Há na cidade guias que orientam as visitas, mas comprar publicações sobre as pinturas nas lojinhas locais e passear sem rumo para identificá-las também pode ser uma boa opção.

Mas atenção: nos dias quentes é aconselhável levar uma garrafinha d'água na mochila ou na bolsa para enfrentar o sobe e desce nas vielas e escadarias.

Mural em Orgosolo, na Sardenha - Annamaria Marchesini - Annamaria Marchesini
Imagem: Annamaria Marchesini

O que ver na vila

Além dos murais, Orgosolo oferece mais atrações interessantes. Além de ótimas opções de trilhas em meio a rochas e desfiladeiros e a gastronomia, há muita história.

Sobre a criação de bichos-da-seda, por exemplo, para produção do Su lionzu, um lenço que tradicionalmente envolve o rosto das noivas nos casamentos. Ou sobre o "canto a tenore", estilo de canto folclórico polifônico que surgiu entre os pastores da Sardenha e é considerado patrimônio cultural intangível da humanidade pela Unesco.

Vista de Orgosolo, na Sardenha - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Vista de Orgosolo, na Sardenha
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Como chegar

Orgosolo fica a cerca de 200 quilômetros da capital Cagliari, a 150 quilômetros de Alghero e 120 quilômetros de Ólbia.

O transporte público da Sardenha não é grande coisa. São poucas as linhas de trem e elas não chegam à cidade. Os ônibus não têm muitos horários e o trajeto inclui, às vezes, trocas de veículos, o que pode mais que duplicar o tempo de estrada.

Apesar de ser mais caro, alugar um carro torna a viagem mais rápida e confortável. As estradas da Sardenha são boas e os únicos obstáculos são as obras que estão sendo realizadas e que confundem o GPS.