Frida Kahlo era cozinheira de mão cheia e aprendeu truques com ex do marido
Quando casou com o pintor Diego Rivera, em 1929 (ela aos 22 anos e ele aos 42), Frida Kahlo era, para os padrões da época, a típica noivinha despreparada, incapaz de pilotar um fogão. Logo percebeu que, para garfar definitivamente o coração do marido glutão, era preciso tornar-se grande cozinheira. O mau humor de Rivera magicamente dissipava-se caso lhe pusessem na frente algo apetitoso.
A primeira professora de culinária de Frida foi Lupe Marín, ex-mulher de Diego, graças a um arranjo não menos usual para aqueles tempos. Lupe reapaixonara-se pelo poeta Jorge Cuesta, um ex-namorado, deixando o caminho livre para que Diego investisse no romance com Frida, a garota que o havia procurado algum tempo atrás, a fim de que ele opinasse sobre suas telas.
Durante um período, os dois casais ocuparam andares diferentes da mesma casa e Frida teve a chance de absorver tudo o que Lupe sabia de cozinha.
Lupe contava que a aluna lhe superara em pouco tempo, inclusive no preparo do mole poblano, prato caudaloso, cheio de pimentas e especiarias, de dificílima execução.
Frida foi além: fuçava livros de cozinha mexicana tradicional que herdara da mãe, absorvia o que podia de cozinheiros, feirantes, confeiteiros.
Quando o casal mudou-se para a Casa Azul (de propriedade da família da artista, hoje um museu), equipada com uma vasta cozinha, Frida deu total amplitude à sua criatividade de quituteira, agora na companhia de uma nova mestra, a fiel cozinheira Eulália, que a chamava de "la niña Fridita".
Festa na cozinha
Quem lembra essas histórias é Guadalupe Rivera, filha do casamento de Diego e Lupe, que conviveu intensamente com Frida desde a adolescência, quando passou a viver com o pai. Em seu livro "Las Fiestas de Frida y Diego: Recuerdos y Recetas" (1994), Guadalupe nos fala de uma Frida festeira, bem-humorada, sensual, piadista, musical e comilona.
"Frida era entusiasmada, aproveitava tudo ao máximo. O mundo ao seu redor era suficiente para causar permanente regozijo. Celebrava os dias santos, os aniversários, os batismos e a maioria dos feriados religiosos e pagãos. Fazia com que todos estivessem envolvidos — amigos, familiares, estudantes, colegas — e adorava misturar-se às multidões nos mercados, nas praças, nas festas tradicionais", conta Guadalupe, apelidada de Pico ou Piquitos por Frida.
Visitar os mercados com Frida era um dos passeios prediletos de Guadalupe, que recorda o arrebatamento da madrasta com as cores das frutas.
Veja essa melancia, Piquitos! Do lado de fora, tem uma linda cor verde, mas por dentro há esse elegante vermelho e branco. (...) É uma maravilha! Frutas são como flores: falam conosco numa linguagem provocante e nos ensinam coisas que estão escondidas."
Frida ia do trivial ao fenomenal, sempre com capricho nos detalhes que compunham cada refeição. Sua mesa era um primor.
"Usava toalhas bordadas típicas, misturava louças simples customizadas com suas iniciais com potes e travessas de Talavera [artesanato em barro da região de Puebla], talheres de prata e copos azuis de vidro soprado à mão. Nunca faltavam flores no centro da mesa, quase sempre as que cultivava em seu jardim e com que também enfeitava seus cabelos", descreve Guadalupe, que compilou mais de cem receitas comuns nas comemorações e no cotidiano da família.
Boa de copo
Tanto os dias de festas quanto os corriqueiros eram regados com tequila em proporções industriais.
Bebo para afogar minhas mágoas, mas as malditas aprenderam a nadar", dizia Frida.
Tinham fôlego de campeão olímpico: na conta da biógrafa Hayden Herrera, autora de "Frida - A Biografia", a pintora mandava uma garrafa de tequila por dia. Às vezes dispensava o copo, ia direto no gargalo, o que fazia brotar o vulcão de anedotas apimentadas com que adorava brindar seus convidados, na casa onde não faltava festa, embora as mágoas que a anfitriã tentasse afogar fossem muitas.
Estão retratadas em suas telas as imagens de tanto sofrimento: a poliomielite diagnosticada na infância e o terrível acidente de bonde sofrido na adolescência, que a fizeram sofrer dores exasperantes por toda a vida; as várias cirurgias a que foi submetida; o drama de ter passado por seguidos abortos (as sequelas do desastre que lhe perfurou o útero não permitiam que os fetos se desenvolvessem); as tentativas de suicídio; a sina de amar loucamente um homem que não titubeava em traí-la com o primeiro rabo de saia que rodopiasse ali na esquina (inclusive com a própria irmã de Frida, com quem Diego teve um longo caso — e Frida também dava suas escapadas, com moços e moças).
"Não pinto sonhos ou pesadelos, pinto minha realidade", disse a artista em resposta à mania de enquadrarem sua obra na etiqueta surrealista.
Lanche para o amado
Das lembranças de Guadalupe, no entanto, o afeto com que Frida acolhia a todos que amava é o traço mais vivo. Uma dessas ternas recordações é a de quando observava Frida no preparo da lancheira de Diego.
Onde quer que estivesse trabalhando, ele recebia um farnel guarnecido com doçura, mimosamente envolto em guardanapos coloridos.
Não faltavam pimentões recheados ou algum outro petisco suculento, acompanhado de pão para raspar os molhos gostosos, frutas da estação e uma jarrinha de pulque, bebida fermentada do agave. Ela decorava a merenda com flores e a arrematava com um bilhete em letra miúda: "Felicidades, mi amor".
Prove as receitas favoritas
de Frida
Pan de Muerto (Pão dos Mortos)
A celebração do Día de Los Muertos na casa de Frida Kahlo começava no dia 31 de outubro, com os preparativos para a grande festa popular mexicana que reverencia os antepassados. O dia 1º de novembro era reservado à memória das crianças mortas e, no dia 2, era celebrado o Dia dos Mortos propriamente dito.
Na primeira etapa da cerimônia, muitos doces eram distribuídos às crianças. No dia seguinte, não podia faltar o Pan de Muerto (Pão dos Mortos), servido no café da manhã.
Ingredientes
- 500 gramas de farinha de trigo
- 1/4 xícara de chá de açúcar
- 1/2 colher de café de sal
- 1/2 xícara de chá de manteiga
- 1 colheres de sopa de fermento biológico em pó
- 3 ovos
- 1 xícara de chá de leite
- 1/2 colheres de café de anis em pó
- 1/2 colheres de sobremesa de canela em pó
- 3 colheres de sopa de infusão (chá) de flor-de-laranjeira
- 1 gema manteiga derretida a gosto
- Açúcar de confeiteiro a gosto
Modo de preparo
Forme um vulcão com a farinha, faça um buraco no meio e no centro coloque o açúcar, o sal, a manteiga, o fermento, os ovos e um pouco do leite (reserve o resto).
Misture pouco a pouco todos os ingredientes. Adicione o anis em pó, a canela e o chá de flor-de-laranjeira. Amasse até integrar todos os ingredientes e coloque o resto do leite.
Continue sovando até que a massa se desprenda por completo das mãos. Deixe descansar por cerca de uma hora ou até dobrar o tamanho.
Molde a massa em formato de montanha e deixe uma pequena parte para decorar. Com a sobra molde pedaços em formato de ossos e caveira. Acomode o pão em uma assadeira previamente untada e esmague as beiradinhas para dar forma de montanha.
Decore com os "ossos" e "caveira". Passe gema de ovo por cima da massa e leve ao forno médio pré-aquecido (180º) por cerca de 25 a 30 minutos. Quando o pão estiver frio, passe manteiga derretida por cima e espere cinco minutos para secar. Em seguida polvilhe o açúcar de confeiteiro.
Receita do restaurante La Mexicana
Enchiladas Tapatías
As enchiladas são uma espécie de panqueca feita com tortillas, muito populares no México. São preparadas com pimentas naturais do país, difíceis de serem encontradas no Brasil. Mas você pode substituí-las por pimentas brasileiras. Era uma das iguarias preferidas de Guadalupe Rivera, enteada de Frida Kahlo.
Ingredientes
Tortillas
- 1 e 1/2 xícara de farinha de trigo
- 1 e ½ xícara de fubá (ou farinha de milho)
- 1/2 colher de chá de sal
- 3 colher de sopa de manteiga
- 150 mililitro de água morna
Molho
- 8 a 10 pimentas ancho ou poblano (podem ser substituídas por pimenta malagueta ou dedo de moça, sem sementes e secas no forno)
- 2 xícaras de água fervendo
- 1/2 cebola grande
- 2 dentes de alho
- 2 colheres de sopa de óleo
Recheio e cobertura
- 1 e 1/2 peito de frango cozido e desfiado
- 1 xícaras de nata ou creme de leite
- 250 gramas de queijo parmesão ralado
Modo de preparo
Tortillas
Misture a farinha, o fubá e o sal. Junte a manteiga e misture. Acrescente água aos poucos, até conseguir formar uma bola de massa. Sove a massa por cerca de 5 minutos, até ela não grudar mais nas mãos (se necessário, acrescente mais um pouco de farinha de trigo ou fubá). Deixe a massa descansar enrolada em filme plástico ou coberta com um pano por 45 minutos. Abra a massa (não muito fina) e corte-a em círculos com ajuda de um prato de sobremesa ou um aro. Reserve-as.
Molho
Coloque as pimentas na água fervendo e deixe-as por cerca de 10 minutos. Processe-as no liquidificador ou no processador, obtendo a consistência de um purê. Passe o purê na peneira. Refogue a cebola picada e os dentes de alho picados em azeite até que fiquem translúcidos. Adicione o purê de pimentas, salgue e prove. Cozinhe por cerca de 10 minutos para pegar gosto.
Montagem
Frite as tortillas (cerca de 24) rapidamente em óleo bem quente, regue cada uma com o molho, com ajuda de uma colher (como quem passa molho de tomate numa pizza). Encha-as com o frango desfiado e enrole-as. Acomode-as em uma forma refratária e cubra com mais molho, com a nata e com o queijo parmesão ralado.
Se preferir, leve ao forno por alguns minutos para gratinar.
Receita extraída do livro "Las Fiestas de Frida y Diego: Recuerdos y Recetas", de Guadalupe Rivera e Marie-Pierre Colle.
Pimentões Recheados com Queijo
Este prato do dia a dia mexicano era um dos preferidos de Diego Rivera, marido de Frida Kahlo. Talvez seja difícil de encontrar no Brasil o ingrediente principal, as pimentas poblanomas é possível substituí-las por pimentões verdes ou vermelhos.
Embora o sabor das pimentas mexicanas não tenha equivalente no Brasil, você terá um prato visualmente parecido e apetitoso.
Ingredientes
Pimentão
- 16 pimentões (ou chiles poblanos) tostados sem pele, sem sementes e sem as veias
- 4 xícaras de queijo branco fresco
- Farinha de trigo o quanto baste
- 5 ovos, com as claras e as gemas separadas
- Óleo de milho
Molho de tomate
- 3 colheres de sopa de azeite de oliva
- 1 cebola finamente picada
- 2 cenouras sem pele e finamente picadas
- 1/2 xícara de vinagre
- 10 tomates médios, tostados, sem pele, sem sementes e picados
- 2 pitadas de açúcar
- 2 colheres de chá de orégano seco
- Sal e pimenta a gosto
Modo de preparo
Para tostar os pimentões ou as pimentas, você pode usar uma assadeira no forno convencional, o forno elétrico ou diretamente na chama do fogão. Coloque os pimentões na assadeira ou na chapa, espere que eles formem bolhas (isso leva de 8 a 10 minutos).
Vire-os e repita a operação até o outro lado ficar no mesmo ponto. Quando estiverem tostados, retire-os do fogo e espere que esfriem, até ser possível manuseá-los. Retire a pele dos pimentões. Uma dica é deixá-los dentro de saquinhos plásticos por cerca de 10 minutos — o vapor formado permitirá que a pele saia ainda mais facilmente.
Depois disso, faça cortes longitudinais nos pimentões (sem abri-los demais, apenas o suficiente para que possam ser recheados).
Tire as sementes e os veios brancos com ajuda de uma faca (com cuidado para não furá-los). Recheie-os com queijo e polvilhe-os com farinha de trigo por fora. Bata as claras até ficarem em ponto de neve. Bata as gemas com uma pitada de sal e misture-as com as claras, até formar uma massa líquida própria para empanar. Mergulhe os pimentões recheados na massa e frite-os em óleo abundante e bem quente, numa frigideira funda, até que dourem. Retire o excesso de óleo deixando que descansem sobre papel absorvente.
Para fazer o molho de tomate, aqueça o azeite de oliva e refogue a cebola e as cenouras até que a cebola fique translúcida. Adicione os tomates picados, o vinagre, o açúcar, o sal e a pimenta. Deixe-os em fogo baixo por cerca de 10 minutos ou até que os tomates estejam cozidos. Tempere com o orégano.
Sirva os pimentões com o molho de tomate.
Receita extraída do livro "Las Fiestas de Frida y Diego: Recuerdos y Recetas", de Guadalupe Rivera e Marie-Pierre Colle.
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