Bolo de macaxeira e especiarias é legado junino em família baiana; aprenda
"Eu nasci dentro do açúcar. A maior confeiteira da minha cidade, Jacobina, era minha mãe". É assim que a baiana Elíbia Portela, 74 anos, começa a falar da sua relação com a cozinha e o bolo de macaxeira (veja receita nesta reportagem) tratado como patrimônio afetivo por sua família.
Aprendi com minha mãe, que aprendeu com minha vó, que pegou a receita da bisa... E assim vai".
Presença garantida nas festas de São João do Nordeste, o bolo de macaxeira aqui ganha cor e sabor únicos graças ao uso de especiarias, como noz-moscada, cravo e canela, e da rapadura, que pode ser substituída por açúcar mascavo.
"É um bolo muito diferente na textura, na cor e no sabor. Cada fatia me leva direto para a cozinha da minha mãe, que faleceu vinte anos atrás, e para a minha infância rodeada de irmãos. É aquela saudade só", diz Elíbia.
Autora de dezoito livros e apresentadora do "Prato da Casa" há quase quatro décadas (desde 1995, o programa está na TV Band Bahia), Elíbia é da "segunda leva" de filhos de Josilia Carvalho Souza. "Mamãe casou-se aos 14 anos e seus primeiros oito filhos, que nasceram numa fazenda na Chapada Diamantina, morreram de icterícia. Eram tempos difíceis, médico só chegava uma vez por mês. Meus irmãos eram todos gordinhos, bem alimentados, mas não se sabia como proceder diante da doença".
A "segunda leva" a que Elíbia se refere e faz parte tem cinco homens e três mulheres. Nos anos seguintes, Josilia adotaria ainda outras oito crianças. "Ela nasceu para ser mãe".
Ainda antes de Elíbia nascer, quando o marido Vicente de Carvalho Motta foi trabalhar em Minas Gerais, Josilia trocou a roça pela cidade e se estabeleceu em Jacobina com os filhos ainda pequenos.
Localizado no extremo norte da Chapada Diamantina, o local ficou conhecido como a Cidade do Ouro por conta das minas de ouro e das pedras preciosas que atraíram garimpeiros e mineiros de todos os cantos. "Tinha muitos americanos por lá e mamãe era a responsável por todos os bolos de casamento e pela comida de todas as festas. Ela colocava todos os filhos para ajudar", recorda-se.
Os americanos abasteciam minha mãe com ingredientes que aqui no Brasil eram desconhecidos. Me lembro, pequena, de separar por cor aqueles confeitos coloridos que eles traziam para decorar os bolos de festa"
Uma vida dedicada a ensinar
Aos 18 anos, Elíbia seguiu para Salvador decidida a estudar e deixar a cozinha para trás. "Eu fui uma mocinha que nunca ia às festas, porque sempre tinha afazeres. Estava cansada e jurei que nunca mais queria aquela vida. Mas não teve jeito, a cozinha sempre me quis", diverte-se.
Ao lado do marido Constante Portela Carrera, então piloto de avião da antiga Vasp, Elíbia morou em São Paulo, passou temporadas com os sogros na Espanha, em Vigo e Pontevedra e, anos mais tarde, voltou a Salvador.
Começou, então, a trabalhar para empresas de eletrodomésticos que estavam lançando freezer e micro-ondas. Seu trabalho era ir até as lojas para ensinar os vendedores sobre o que aqueles equipamentos podiam fazer. Foi nessa época que ela se deu conta de que, antes de aprender a congelar e descongelar, as pessoas precisavam a aprender a cozinhar.
"Primeiro montei um curso de receitas triviais, como fazer, congelar e descongelar, começando por arroz e feijão mesmo. Aquilo foi um sucesso. Depois passei a ensinar docinhos e salgadinhos', diz.
Montava cursos com receitas da mamãe, criava outras receitas, nunca mais parei"
A carreira de professora já dura cinco décadas, na TV e em sua cozinha-laboratório onde recebe alunas para ensinar receitas doces e salgadas, entre elas a do pão delícia, um pãozinho coberto por manteiga e queijo ralado, clássico nas merendas baianas e do qual Elíbia pode ser considerada uma embaixadora.
Durante a pandemia, ela levou as aulas também para as redes sociais. "Descobri um jeito novo de ensinar, que acho maravilhoso, porque as aulas ficam ali para todo mundo acessar quando quiser", diz a cozinheira orgulhosa do seu legado.
Tempos atrás uma aluna parou em frente de casa para mostrar o carro que conquistou cozinhando a partir das minhas receitas. Não há recompensa maior que essa. A cozinha transforma vidas"
Sobre o bolo de macaxeira e especiarias da família, Elíbia dá a dica para deixá-lo ainda mais festivo. "Você pode finalizar peneirando uma camada de açúcar de confeiteiro". Na versão para Nossa, ela foi além e arrematou com uma flor moldada em açúcar, técnica delicada conhecida por rosas de opalina.
Receita de
bolo de macaxeira e especiarias
Ingredientes
- 250 g de açúcar mascavo (ou rapadura)
- 100 g de açúcar branco
- 200 ml de água
- 1 pitada de noz-moscada
- 1 pau de canela
- 8 unidades de cravo-da-índia
- 1 kg de macaxeira ralada (na parte grossa do ralador)
- 4 ovos (levemente batidos)
- 100 g de manteiga (temperatura ambiente)
- 200 ml de leite de coco
- 150 g de coco fresco ralado
- 1 colher de sopa de fermento em pó (químico)
- 1 pitada de sal
Modo de preparo
Fazer um chá com a água e as especiarias (noz-moscada, pau de canela e os cravos-da-índia). Passar por peneira e retornar esse líquido para a panela.
Junte o açúcar mascavo ou a rapadura e o açúcar branco e retorne ao fogo para fazer uma calda em ponto de xarope (fervura de 15min). Desligue o fogo, junte a manteiga e reserve para amornar.
À parte, combine a macaxeira, os ovos batidos ligeiramente, o leite de coco, o coco ralado, o fermento, a pitada de sal e a calda reservada. Misture todos muito bem com uma espátula ou fouet e despeje em uma forma redonda ou retangular bem untada com manteiga e polvilhada com farinha de trigo.
Levar ao forno numa temperatura de 180°C para que asse por mais ou menos 40 min. Faça o teste do palito. Desenforme depois de morno ou frio. Bom apetite!
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