Baião de dois e guisadinho é fartura nordestina em receita de família de PE
De sorriso largo e humor afiado, o chef Rivandro França carrega muitas memórias ligadas à comida. Uma delas é a do pai servindo o baião de dois no prato dos quatro filhos e da mulher, ajeitando-o para cá e para lá, para colocar o guisadinho de carne no meio.
Demorou muitos anos para que Rivandro entendesse que esse ritual, para ele cheio de poesia, era forjado pela necessidade. "Se não dividisse, não dava para todos comerem". Vem daí o seu carinho com a receita que está nesta reportagem.
Ela se tornou obrigatória nas reuniões de família e ocasiões especiais, como a festa junina. Faço questão de prepará-la e servi-la aos meus filhos do mesmo jeitinho, mas em porção bem generosa."
"Abdom que moda é essa
Deixe a trempe e a cuié
Home não vai na cozinha
Que é lugá só de mulhé
Vô juntá feijão de corda
Numa panela de arroz
Abdom vai já pra sala
Que hoje têm baião de dois..."
Rivandro cantarola Luiz Gonzaga para contar que, ao contrário do que dizem esses versos, a cozinha sempre foi lugar de homem na sua família. A avó materna era cozinheira das boas e todos os filhos cresceram ao redor do fogão. A "experiência" fez seu pai, o paraibano Ricardo Luiz de França, hoje com 85 anos, trocar a terra natal pelo Recife cinco décadas atrás.
Depois de percorrer um trecho de jumentinho e outro de trem, Ricardo chegou com a mulher e um filho ainda pequeno para trabalhar como cozinheiro de família numa fazenda.
Dá para imaginar o que era isso naquela época? Um homem na cozinha de um coronel? Mas a necessidade fez o cozinheiro"
Da época da infância, Rivandro guarda a memória das idas com o pai ao Mercado Público da capital pernambucana para comprar uma saca de arroz e outra de feijão — quando o dinheiro permitia, o passeio era coroado por um caldo de cana. Lembra também do galetinho, outro clássico dos França até hoje.
Meu pai saia de manhã, comprava a ave e a limpava. Depois, botava para assar e fazia uma farofa com miúdos. Dava gosto de ver o galetinho na mesa com as perninhas para cima"
Anos mais tarde, Ricardo trocou a cozinha pelo trabalho de porteiro no Hospital Oswaldo Cruz, no Recife, onde trabalhou até se aposentar. A nova função trouxe melhores condições de vida e inspirou os filhos a estudarem enfermagem.
"Meu tio, Severino França, foi o primeiro auxiliar de enfermagem da família. Era fácil arrumar emprego no hospital. Eu queria viver da cozinha, mas não podia perder a oportunidade. De repente, tinha umas trinta pessoas da minha família estudando enfermagem e eu fiz o mesmo", conta.
Da enfermagem para o fogão
Rivandro se formou técnico de enfermagem, trabalhou hospitais e, em 2005, a profissão o levou a ingressar no Exército, como terceiro sargento temporário. Durante todo esse tempo, nunca deixou as panelas. Cursou gastronomia na Faculdade Maurício de Nassau, vendeu bombons pelos corredores dos hospitais, montou bufê em festas...
Com o dinheiro que ganhava, viajava para conhecer o trabalho de outros chefs que o inspiravam, entre eles Wanderson Medeiros, à frente do Picuí, de Maceió. Em 2011, decidiu inaugurar o seu restaurante na casa em que vivia com a família, no bairro Parnamirim, na zona norte do Recife.
No Cozinhando Escondidinho, atualmente instalado no bairro da Encruzilhada (Rua Dona Julieta, 159), Rivandro serve, além do baião de dois com guisadinho da família, galinha cabidela, mocofava, sururu, escondidinho e outras receitas de alma nordestina que deixam o seu pai cheio de orgulho.
No começo, ele não achava bom negócio eu viver de comida. Mas ao ver meu sucesso, ele e meu avô, que morreu aos 100 anos, deram a benção".
O avô de Rivandro, aliás, é o responsável por ele nunca se separar do chapéu meia-lua de couro, símbolo do Nordeste. "Ele disse que minha cozinha regional era verdadeira, que eu deveria usar até o gibão. Para ficar mais confortável à beira do fogão, troquei o gibão pelo chapéu. No começo sofri muito bullying, até mesmo de colegas. Mas segui em frente".
Além de homenagear meu pai e meu avô, o chapéu representa o Nordeste e o orgulho que tenho das minhas origens"
Baião de dois com guisadinho
Ingredientes
Para o baião de dois:
6 dentes de alho
2 tomates
2 cebolas picadas
1 ramo de coentro
Colorau a gosto
Sal a gosto
Pimenta a gosto
500 g de feijão mulatinho
500 ml de caldo de carne
2 xícaras de arroz parboilizado
Para a carne:
500 g de picado de carne bovina (patinho ou acém sem osso)
1 xícara de molho de tomate
2 espigas de milho verde em rodelas
2 dentes de alho
1 tomate
1 cebola
1 pimentão
1 ramo de coentro
Modo de preparo
Baião de dois: refogue o alho e a cebola em uma panela funda. Adicione colorau, pimenta, coentro e ajuste o sal. Em seguida, coloque o feijão, misture bem e vá adicionando o caldo aos poucos, até cozinhar.
Após 30 minutos de fogo, adicione o arroz e deixe cozinhar até ficar bem "ligadinho". Ao final, ajuste o sal.
Carne: doure o alho e acrescente a carne, o tomate, a cebola e o pimentão picados. Refogue um pouco e adicione o molho de tomate e o milho cortado em rodelas. Cozinhe por aproximadamente 25 minutos, até que fique macio. Finalize com o coentro fresco.
Sirva o baião de dois com o guisadinho em uma porção bem generosa.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.