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Para ser 1ª brasileira negra a viajar o mundo todo, ela encara até o talibã

Sob olhares atentos de homens e do Talibã, Nataly passeia pelas ruas de Cabul, Afeganistão - Arquivo pessoal
Sob olhares atentos de homens e do Talibã, Nataly passeia pelas ruas de Cabul, Afeganistão
Imagem: Arquivo pessoal

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

13/07/2022 04h00

Em 20 de fevereiro deste ano, Nataly Castro (@viajesemlimites) pegou sua mochila, saiu de sua casa na Zona Leste de São Paulo e foi para o aeroporto de Guarulhos com um objetivo ambicioso: tornar-se a primeira mulher negra brasileira a visitar todos os países do mundo.

Quase cinco meses após o início da empreitada, Nataly segue firme e forte na estrada, rumo à sua meta: já visitou 32 nações. Sozinha, ela atravessou a Europa quase de ponta a ponta, desceu para o Oriente Médio, entrou no Paquistão e, recentemente, passou no temido Afeganistão, hoje sob controle do Talibã.

O percurso para a brasileira virar uma viajante global, porém, foi cheio de obstáculos. "Tudo começou através de uma dor vivida na minha adolescência", relata Nataly.

A viajante conta que sofria bullying constante no colégio, a ponto de tentar suicídio três vezes. "Eu era ótima aluna e sentia que muitos colegas não aceitavam uma menina negra sendo destaque na escola", relembra.

Nataly quer ser a primeira mulher negra brasileira a visitar todos os países do mundo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Nataly quer ser a primeira mulher negra brasileira a visitar todos os países do mundo
Imagem: Arquivo pessoal

Em um dos momentos mais difíceis, viu um avião passando e pensou:

'E se eu entrar em uma aeronave como essa e for para um lugar onde eu não seja julgada pela cor da minha pele?'. Sempre tive curiosidade de conhecer o mundo. E decidi que iria viajar".

Vinda de uma família de poucos recursos, Nataly começou a suar para juntar dinheiro para ir ao exterior: depois de 2011, quando se formou no ensino médio, vendeu brigadeiro na rua, fez faxina em residências e trabalhou nos fins de semana em festas infantis. Assim, nos últimos dez anos, ela realizou um intercâmbio na Irlanda e fez viagens pela Europa, Estados Unidos e Ásia.

Em 2019, comecei a alimentar a ideia de conhecer todos os países do globo. E, neste processo, vi que mais de 150 pessoas já tinham visitado todos os países do mundo. E que apenas uma mulher negra havia feito isso. Falei para mim mesma: 'vou ser a próxima'".

Nataly, então, trabalhou para juntar mais dinheiro e conseguiu patrocinadores para seu projeto. Com uma verba suficiente em mãos para dar início à viagem, ela pegou a estrada.

Missão de incluir

Nataly conta que, além de conhecer a cultura, as pessoas, a comida e as paisagens dos lugares que estou visitando, quer mostrar como é o dia a dia de uma mulher negra percorrendo o planeta.

"Sou a única negra em muitos voos e restaurantes que tenho entrado. E os olhares em cima de mim são constantes, alguns claramente com viés racista. E é justamente por isso que abracei a causa", relata.

O mundo das viagens precisa ser mais diverso. Não pode ser novidade um negro viajando, se hospedando em um hotel legal ou frequentando lugares incríveis. Isso tem que ser algo constante. E, através da minha viagem, estou tentando romper essas barreiras".

Em sua passagem pelo Oriente Médio, Nataly visitou a Cisjordânia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Em sua passagem pelo Oriente Médio, Nataly visitou a Cisjordânia
Imagem: Arquivo pessoal

Desde então, ela já passeou pelas ruas históricas de Roma, ao redor dos Alpes suíços, entre os monumentos religiosos de Jerusalém e nas paisagens suntuosas de Dubai. Também explorou países menos conhecidos da Europa, como Bulgária, Geórgia e Armênia.

E, já que o objetivo é conhecer o mundo inteiro, não pensou duas vezes para ir ao Afeganistão.

Vivência afegã

Nataly conseguiu no Paquistão o visto para entrar no Afeganistão, após uma entrevista na embaixada afegã e pagamento de US$ 80. De lá, pegou um voo de 45 minutos para Cabul.

Nataly precisou cobrir todo o corpo para viajar pelo Afeganistão - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Nataly precisou cobrir todo o corpo para viajar pelo Afeganistão
Imagem: Arquivo pessoal

Durante 18 dias, visitou as cidades de Cabul e Mazar-i-Sharif. Na capital, se hospedou na casa de uma família afegã que é conhecida de amigos que vivem na Irlanda. E fez a maioria dos passeios sozinha. Pelas leis islâmicas do país, usou roupas que cobrem todo o corpo, incluindo braços e pernas, além de um véu na cabeça.

E até dentro da casa em que fiquei hospedada tive que utilizar o véu o tempo inteiro, inclusive para dormir. E estava um calor extremo. Mas eu tinha que seguir os costumes da família".

Além disso, Nataly conta que chamou muita atenção ao circular por Cabul e Mazar-i-Sharif. "Nas ruas do Afeganistão, você quase não vê mulheres. Elas ficam em casa. E, por eu ser mulher, estrangeira, negra e estar com uma câmera na mão, diversos homens me abordaram perguntando o que eu estava fazendo ali."

Tive encontros com o Talibã. Na volta de Mazar-i-Sharif para Cabul, por exemplo, precisei pedir autorização para eles para fazer, sozinha, a longa viagem de ônibus entre as duas cidades".

A brasileira ficou tocada pela péssima situação econômica do Afeganistão.

Nataly no avião voando para o Afeganistão - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Nataly no avião voando para o Afeganistão
Imagem: Arquivo pessoal

"O país vive momentos difíceis, foram muitas guerras", relata. "Os afegãos estão sem trabalho e com fome. E há muitas crianças na rua pedindo esmola. Fui abordada por muitas pessoas perguntando como conseguir visto para mudar para o Brasil. Foi algo marcante ver esta realidade de perto".

Nataly está, neste momento, na Holanda. E, levantando dinheiro com suas redes sociais para manter a viagem, ela pretende completar seu roteiro pelo globo até o ano que vem. E já sabe como encerrar a jornada de maneira perfeita.

"Quero que meu último destino seja o continente africano. Sei que, há muitas gerações, uma pessoa da minha família foi trazida de Angola para o Brasil em um navio negreiro, para ser escravizada no país.

Tenho sangue daquela terra nas minhas veias e, quando chegar à África, vou estar pisando em casa", diz.