Como é viajar no 'Trem para as nuvens', atração de 50 anos na Argentina
O apito que anuncia a partida da estação ferroviária mal para de soar e o guia já avisa: "cuidado na hora de fotografar, porque o que cair pela janela acaba virando parte da paisagem". O alerta não se deve à velocidade do trem, que avança a cerca de 30 quilômetros por hora, mas sim à altitude e aos desfiladeiros que ladeiam a ferrovia.
Estamos na pré-Cordilheira dos Andes, a 4 mil metros acima do nível do mar.
Trata-se do Trem para as Nuvens (Tren a las Nubes, em espanhol), um dos mais famosos atrativos da província de Salta, na Argentina, que neste sábado (16) completa 50 anos da sua primeira viagem turística.
Chamada de C-14, esta ferrovia conectou no passado o último trilho argentino à última ferrovia do Chile, atravessando a cordilheira, por muitos anos sendo utilizada para exportar de alimentos e minerais argentinos, e para recebimento de produtos importados.
Hoje, o trem é uma das principais atrações turísticas do norte do país, justamente pela oportunidade de estar no segundo trem de maior altitude ferroviária da América do Sul, perdendo somente para o que conecta Lima e Huancayo, no Peru.
Característica que, somada ao vapor da locomotiva, justificaram o nome do passeio que, curiosamente, poucas vezes envolve nuvens: em 95% dos dias do ano o céu da região está praticamente todo azul.
Ervas e orientações em português
O ponto de partida desta viagem é San Antonio de los Cobres, vilarejo com cerca de 5 mil habitantes, principalmente indígenas, que como o próprio nome diz, está entre jazidas de minerais, quase na fronteira com a província de Jujuy.
Além de artesanato, os habitantes locais também oferecem aos turistas folhas de coca e chás, que ajudam a amenizar o enjoo que os 3774 metros de altitude locais podem provocar. As ervas, como a pupusa, também podem ser consumidas em infusões vendidas nas paradas anteriores feitas pelo ônibus que sai de Salta.
Embarcamos no primeiro vagão do icônico trem, que estava repleto de turistas, argentinos e estrangeiros. Nosso guia — em cada vagão há um — ia explicando a história da ferrovia, de forma intercalada com relatos gravados que saem da caixa de som, tudo em em espanhol e inglês. Porém, quando há muitos passageiros brasileiros, guias bilíngues podem orientar os passageiros em português, explica o chefe dos guias do Trem para as Nuvens, Martín Yaguado.
Entre despenhadeiros e formações rochosas, é possível avistar as construções abandonadas da Mina Concórdia, de onde, até 1986, eram extraídos prata, zinco, cobre e chumbo. Segundo os guias, esta mina, uma das mais antigas do país, foi uma das mais importantes da Argentina.
O ponto alto
Após cerca de uma hora avançando sobre a ferrovia entre montanhas e em meio a uma árida paisagem habitada por chinchilas, onças-pardas, cobras, águias e falcões, e sempre acompanhados pela música andina que soa no interior do vagão, chegamos ao ponto mais esperado do do passeio: o viaduto La Polvorilla, uma enorme estrutura de ferro fundido com de 223,5 metros de longitude, suspensa, imponente, a 4.200 metros acima do nível do mar.
É um dos ápices da viagem. O trem atravessa os trilhos, elevados a 63 metros de altura, tocando insistentemente a buzina ferroviária em uma espécie de alegria comemorativa, enquanto uma música de vitória inunda o vagão. O final desta travessia é selado com o aplauso apoteótico dos passageiros.
Passando o tão esperado viaduto La Polvorilla, é hora de se preparar para descer e encarar o frio, que dependendo da época do ano pode chegar a -18°C à noite.
As temperaturas são tão baixas que, no inverno, a equipe do trem tem que usar uma solução anticongelante para os toaletes e pedem que os passageiros utilizem álcool gel para higienizar as mãos para que a água dos banheiros não se transforme em gelo.
O ideal é não esperar muito para sair do trem para não perder o momento em que os argentinos entoam, em uníssono, a "Aurora", canção patriótica do país, enquanto içam a bandeira nacional.
É nesta parada, a única em que dá para descer do trem após o embarque na estação de San Antonio de los Cobres, que os visitantes têm a oportunidade de tirar selfies diante dos trilhos nas alturas e comprar artesanatos.
Terminada a cerimônia, é hora de voltar ao trem — e ao conforto quentinho do vagão. Só que agora, quem veio do lado direito tem que mudar para as poltronas da esquerda e vice-versa.
Não perca a selfie!
Como o trem não gira, e somente percorre os trilhos no sentido contrário para a volta, esse é o protocolo para que todos os passageiros tenham a oportunidade de estar do melhor lado para apreciar a vista em pelo menos uma parte do trajeto.
No trajeto de volta, agora o trem será puxado pela locomotiva, em vez de empurrado, como na ida. Para isso, há uma breve parada para que esta se solte da formação e passe por uma via lateral, para passar do final para o começo do trem.
Essa manobra ferroviária é outro momento em que vale preparar as câmeras, já que a locomotiva passa com seus 2400 cavalos de vapor anunciando a troca, e é mais um momento em que as buzinas ferroviárias tomam conta do ambiente.
Outra dica é aproveitar os momentos de leves curvas, quando for possível ver os demais vagões mais para o começo ou para o final do trem, de acordo com onde estiver sentado, para fazer a tradicional selfie da janela mostrando o resto do trem.
Lembre-se que o percurso dura cerca de uma hora de ida e uma de volta, que passam rápido, então não deixe de abrir a janela — muita gente evita, por causa do frio — e tirar fotos. Só lembre da advertência do guia e cuidado para não derrubar o celular, câmera ou outros pertences.
Quem tiver medo dos efeitos da altitude, não precisa se preocupar, já que há enfermeiros a bordo, para o caso de alguém precisar de algum tipo de atendimento durante o trajeto. Também há, entre os vagões, uma lanchonete e uma loja de souvenires.
Passeio renovado
O percurso atual do Trem para as Nuvens é bem inferior ao total que era realizado até 2015, que percorria túneis e trechos de ferrovia em zigue-zague, em uma viagem que durava praticamente o dia inteiro.
Hoje, o trajeto foi reduzido, e parte do percurso hoje é feita com um ônibus que sai de Salta.
O trajeto complementa a experiência do passeio: os turistas passam por Campo Quijano, onde funcionava uma das estações do trem no antigo trajeto, há venda de artesanato e um habitante fantasiado de "diabo", dançando feliz, como na tradição do carnaval andino, e Alfarcito, onde os turistas recebem um café da manhã antes de se irem a San Antonio de los Cobres.
Além da combinação ônibus + trem, os turistas também podem comprar passagem somente para o trajeto ferroviário, mas neste caso, precisam chegar ao povoado de San Antonio de los Cobres por conta própria.
Como chegar
A companhia Aerolíneas Argentinas conta com 3 frequências semanais São Paulo-Salta na alta temporada - até setembro. Também é possível chegar à cidade de Salta partindo de algum dos aeroportos de Buenos Aires (Aeroporto Internacional Ministro Pistarini, em Ezeiza, ou o Aeroparque Jorge Newbery).
As entradas para o Trem para as Nuvens podem ser compradas via agências de viagem ou diretamente no site trenalasnubes.com.ar/inicio-pt/, onde o turista encontrará opções do trajeto combinado com ônibus partindo da capital Salta, ou somente o trajeto ferroviário saindo de San Antonio de los Cobres.
Regras para viajar à Argentina
Desde 7 de abril de 2022, apurada em 15 de julho de 2022
Estrangeiros não residentes devem:
- completar a Declaração juramentada eletrônica a menos de 48 horas a viagem;
- apresentar seguro-viagem com cobertura para covid-19 -- com exceção da permanência no país por menos de 24 horas e para aqueles que ingressarem por via terrestre.
Recomendações
Recomenda-se que viajantes não vacinados façam um teste covid-19 dentro de 24 horas após a chegada.
Todos os passageiros estão sujeitos a exames de saúde na chegada, como verificações de temperatura e avaliação visual. Outros testes de saúde podem ser necessários para aqueles que apresentam sintomas de covid-19.
* A jornalista viajou a convite do Instituto Nacional de Promoção Turística da Argentina (Inprotur)
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