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Tensão e calor: o dia em que o Brasil chegou em 7º no Oscar gastronômico

Jefferson e Janaína Rueda, no tapete vermelho. Nuca do fotógrafo demonstra que o calor estava intenso - Rafael Tonon
Jefferson e Janaína Rueda, no tapete vermelho. Nuca do fotógrafo demonstra que o calor estava intenso Imagem: Rafael Tonon

Rafael Tonon

Colaboração para Nossa, em Londres

19/07/2022 10h01

Desta vez, veio a família toda: além dos chefs Janaína e Jefferson Rueda, a comitiva de A Casa do Porco contou com os dois filhos do casal — João Pedro e Joaquim —, a namorada de um deles, e o irmão de Jefferson, Washington Rueda, que é também diretor de operações do restaurante. Só mesmo a gata Sardinha, da raça Bengal, ficou em São Paulo.

Os Ruedas desembarcaram em Londres, sede da 20ª edição dos World's 50 Best, a maior premiação da gastronomia mundial, três dias antes do evento, realizado na última segunda-feira (18).

A expectativa era para saber em que posição o restaurante tinha ficado na influente e controversa lista, tida por muitos como o "Oscar" da gastronomia. Na edição de 2021, A Casa do Porco cravou a posição 17. Restava conter a ansiedade para saber se tinham subido ou descido — ou até mesmo mantido o posto.

Relax sob calor recorde

Para tentar liberar a tensão, Jefferson retomou um hábito antigo: acordar e correr. "É uma terapia. Eu não conhecia Londres, então é uma forma também de ver a cidade mais de perto", disse. Como foi a primeira vez de Janaína e dos filhos também, a escolha foi caminhar pelas ruas da capital inglesa, desbravar os bairros.

Nos dias em que mais de uma centena dos melhores chefs do mundo estiveram na mesma cidade depois da pandemia, Londres estava em alerta para uma inédita e preocupante onda de calor. Os termômetros passariam facilmente dos 35ºC, previa a imprensa local. Aulas foram canceladas, linhas de metrô interditadas.

Hora de brilhar - e suar

Jeff e Janaína Rueda entrevistados por Massimo Bottura no tapete vermelho - Rafael Tonon - Rafael Tonon
Jeff e Janaína Rueda entrevistados por Massimo Bottura no tapete vermelho
Imagem: Rafael Tonon

Não havia um termômetro para aferir a temperatura que marcava dentro do Old Billingsgate, um antigo mercado de peixes convertido em auditório, na segunda às 7 da noite. O local escolhido para sediar a premiação, no entanto, fervia.

A organização tratou de mandar rapidamente um email no dia anterior alertando que a exigência do traje mais social — leia-se terno ou smoking para os homens — tinha caído.

Muitos, porém, resolveram seguir a cartilha. Por onde se passava, cozinheiros empapavam lenços em suor para tentar manter a compostura. Mulheres de leques também dominaram o salão.

O calor tornou-se o principal motivo para as conversas frugais entre os presentes: "hoje está mesmo impossível", "madre mia, estou derretendo", diziam chefs nos mais distintos idiomas.

Jefferson estava de terno azul-marinho e camisa branca, combinando com tênis de couro da mesma cor. Janaína escolheu um vestido preto com decote reto em vinil. "Eu quis caprichar", disse a chef, carregando na mão esquerda uma bolsa com a bandeira do Brasil cravejada de cristais que refletiam a cada flash.

Janaína Rueda na festa que precedeu a premiação do 50 Best e sua bolsa brasileiríssima - Divulgação - Divulgação
Janaína Rueda na festa que precedeu a premiação do 50 Best e sua bolsa brasileiríssima
Imagem: Divulgação

Na entrada do evento, um painel com o logo do prêmio — acompanhado dos nomes dos patrocinadores — serviam como fundo para o momento da foto. Todo chef que chegava tinha que parar, posar e sorrir. Click! "Agora olha pra cá". Click!

Há alguns anos, o 50 Best adotou o tapete vermelho para receber suas celebridades da gastronomia mundial à altura. Desde 2021, o chef italiano Massimo Bottura recebe os cozinheiros com microfone na mão, acompanhado por um câmera. Faz perguntas, brinca e elogia os looks no melhor estilo Amauri Júnior.

Os bastidores do pódio

Stanley Tucci, o mestre-de-cerimônias do 50 Best - Rerpodução/Instagram - Rerpodução/Instagram
Stanley Tucci, o mestre-de-cerimônias do 50 Best
Imagem: Rerpodução/Instagram

Pela primeira vez em 20 anos, uma edição contou com um astro de Hollywood para mediar a cerimônia: quando foi anunciado ao palco o nome do ator Stanley Tucci (de filmes famosos, como O Diabo Veste Prada), o auditório veio abaixo.

Numa toada "premiação de cinema", ele brincou com o script, improvisou falas e tentou pronunciar sobrenomes como Njiru, Schmutzig e Timoshkina sem derrapar. Teve sucesso. Dado momento, um dos diretores do evento confessou: "Queremos que você volte ano que vem, por favor". Mais assobios.

Tucci tentou impor um ritmo menos burocrático à premiação, dando mais agilidade aos anúncios — muitos deles cheios de patrocinadores, que tornam a cerimônia um tanto quanto enfadonha.

Mas para os Ruedas, o tempo parecia não passar. Depois de ter anunciado a presença de outro brasileiro na lista — pela primeira vez o Oteque, do chef Alberto Landgraf, esteve entre os melhores do mundo —, o mestre-de-cerimônias proferia muitos nomes, mas não o d'A Casa do Porco.

Janaína imaginava que o restaurante tinha perdido algumas posições: com a pandemia, poucos dos 1.080 jurados mundiais tiveram a chance de visitar São Paulo — a comprovação da data da visita pelos votantes aos restaurantes é critério do prêmio.

Os anúncios já chegavam aos 20 primeiros e nada do restaurante paulistano ser citado. 17, 16, 15, nada. Janaína já estava inquieta na cadeira. 13, 12, 11, 10. Jefferson quase nem piscava.

Quando Tucci entoou: "o próximo restaurante vem de São Paulo", já na 7ª posição, "e é um dos mais acessíveis neste nível em todo o mundo", Janaína se preparou para levantar. Quando um restaurante é citado, seus representantes se erguem na cadeira para saudar os presentes.

Nem terminou de ouvir "A Casa do Porco Bar", ela apertou a mão de Jefferson e os dois se colocaram de pé. Bandeira do Brasil erguida na bolsa, receberam os aplausos, deram um abraço e sentaram.

No final da premiação, ela confessou: "Quero rir e chorar". Jefferson estava no telefone com algum jornalista, para uma entrevista rápida. Era oficial: A Casa do Porco se tornava um dos 10 melhores restaurantes do mundo (posição que apenas outro brasileiro, o D.O.M., também conquistou).

Na cerimônia de comemoração dos prêmios, logo depois de saudar e parabenizar outros chefs de todo o mundo, posar para mais e mais fotos, Janaína confessou: "agora quero dançar até o chão".

Todos os premiados do World's 50 Best Restaurants - Divulgação - Divulgação
Todos os premiados do World's 50 Best Restaurants
Imagem: Divulgação

Uma hora depois, Janaína e Jefferson já não estavam mais na festa. Hoje, eles cozinham com o chef brasileiro radicado em Londres Rafael Cagali em seu restaurante, Da Terra, com duas estrelas Michelin.

Desde às 11 horas da manhã, estão na cozinha localizada na Patriot Square a assar o porco e preparar outros pratos que servirão hoje mais tarde em um menu a seis mãos. Nem tudo na vida de cozinheiro é glamour.