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Turismo com animais: é possível ver de perto sem causar danos aos bichos?

Quer nadar com golfinhos sem prejudicá-los? É possível - Getty Images
Quer nadar com golfinhos sem prejudicá-los? É possível
Imagem: Getty Images

Felipe van Deursen

Colaboração para Nossa

30/07/2022 04h00

Quando foi lançado, em 2013, o documentário "Blackfish: Fúria Animal", causou estardalhaço ao mostrar como a violência das orcas estava diretamente relacionada à vida em cativeiro que elas levavam nos parques Sea World, nos Estados Unidos. Foi um baque.

No ano seguinte, o faturamento da empresa despencou 84%, e em 2016 ela anunciou o encerramento de seu programa de reprodução em cativeiro. O Sea World ainda mantém orcas, mas afirma que é a última geração sob seus cuidados.

O filme foi exibido nos EUA pela CNN e por anos foi um dos documentários mais assistidos na Netflix. Sua influência nos rumos do Sea World e no tratamento das orcas em geral é notório. Segundo um levantamento divulgado no site "The Conversation", o sucesso de "Blackfish" se deveu também à época em que foi lançado.

Ou seja, foi o momento certo para gerar uma onda de indignação, porque o assunto já vinha em alta nos anos anteriores. Isso graças a outros filmes, que não tiveram o mesmo impacto, mas que jogaram luz na questão dos maus tratos a animais marinhos.

"Pesadelo dos golfinhos"

O mais importante deles é "The Cove", de 2009, lançado no Brasil como "A Enseada" e vencedor do Oscar de Melhor Documentário. Ele mostra como funcionava a indústria de caça de golfinhos em Taiji, no Japão. Basicamente, os pescadores cercavam centenas de animais e os levavam até essa enseada, onde os capturavam ou matavam.

Em 2013, enquanto a orca Tilikum e os maus tratos dos parques aquáticos americanos dominavam rodas de conversa pelo mundo, Taiji anunciou que inauguraria um parque marinho para turistas nadarem na companhia dos cetáceos.

O parque, hoje em pleno funcionamento, integra o Museu da Baleia de Taiji, que preserva esqueletos de baleias e artefatos que narram a antiga relação do Japão com a caça desses animais marinhos.

Apesar de sites sobre sustentabilidade como "One Green Planet" se referirem a ele como "o pior pesadelo de um golfinho" e de haver críticas fervorosas em avaliações no Google e no Tripadvisor, o Museu da Baleia de Taiji é, hoje, é a maior atração turística da cidade.

Temporadas de caça

Há nove anos, quando o governo local anunciou o parque, aproveitou para frisar que transformar parte da baía em uma reserva marinha não significaria que ele abriria mão das caçadas. Pelo contrário.

A mais recente temporada de caça terminou em março deste ano. A Associação de Pesca Baleeira do Japão determinou um teto de 1.849 golfinhos, de nove espécies distintas, que poderiam ser capturados ou mortos.

Golfinhos são direcionados para a enseada, em Taiji, Japão - Dolphin Project - Dolphin Project
Golfinhos são direcionados para a enseada, em Taiji, Japão
Imagem: Dolphin Project

De acordo com o Dolphin Project, ONG que luta pelos direitos desses animais, o principal objetivo dessas temporadas de caça é vendê-los para parques no Japão, na China e em outros países. Algumas centenas, no entanto, acabam mortas para suprir o consumo de carne, hábito ancestral de comunidades pesqueiras não só em Taiji, mas também em Taiwan, nas Ilhas Faroé e no Peru — onde a caça é proibida desde 1996.

O problema, segundo os críticos, é que o que tinha de tradicional e sustentável na prática da caçada artesanal foi para o espaço quando grandes grupos de lanchas motorizadas, velozes, barulhentas (e poluentes) entraram no jogo.

Segundo uma reportagem do jornal americano "Washington Post", um golfinho-roaz morto vale cerca de US$ 500. Vivo, pode chegar a US$ 12 mil. O levantamento do Dolphin Project diz que algo entre 100 e 200 golfinhos são capturados todos os anos, o que dá uma ideia da indústria milionária que movimenta a enseada de Taiji.

Golfinhos manipulados por treinadores em preparação para o cativeiro, Taiji, Japão - Dolphin Project - Dolphin Project
Golfinhos manipulados por treinadores em preparação para o cativeiro, Taiji, Japão
Imagem: Dolphin Project

A maioria deles não sai do Japão, país que concentra a maior quantidade de parques do tipo. Isso apesar de a Associação Japonesa de Zoológicos e Aquários ter proibido seus membros, em 2015, de comprar golfinhos dos caçadores de Taiji.

Em 2018, alheia às críticas, a prefeitura anunciou que iria transformar uma baía, também usada como cativeiro, em uma "piscina gigante para golfinhos", segundo o "Japan Times", mais tradicional publicação do Japão escrita em inglês. Visitantes poderão andar de canoa e alimentar e nadar com os golfinhos.

Mas o objetivo seria outro. Para resistir à pressão de dentro e de fora do país, Taiji estaria buscando uma maneira de retroalimentar sua indústria, criando mais animais em cativeiro e dando função a eles nos centros de entretenimento da própria cidade.

Golfinhos em apresentação - Xinhua/Guo Chen / Hefei Aquarium - Xinhua/Guo Chen / Hefei Aquarium
Golfinhos em apresentação
Imagem: Xinhua/Guo Chen / Hefei Aquarium

No Museu da Baleia, você pode comer quitutes de carne de golfinho enquanto assiste aos shows. No novo parque, segundo o Dolphin Project, poderá ver animais raros, como golfinhos albinos e espécies híbridas, frutos dos cruzamentos forçados que a instituição deverá implementar.

Para os animais, a luta por direitos e conscientização pode ter melhorado no mundo na última década, graças ao trabalho de ambientalistas e cientistas. Mas, em Taiji, a situação piorou.

Como ver golfinhos sem causar danos a eles?

Há muitas possibilidades de contato com golfinhos fora de cativeiro - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Há muitas possibilidades de contato com golfinhos fora de cativeiro
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Golfinhos habitam todos os oceanos. Dependendo do lugar, caiaque, stand up paddle, snorkel ou um barco de passeio são a ferramenta ideal. Dos Açores ao Alasca, do Taiti à Tasmânia é possível avistá-los de maneira natural, sem intromissões, com agências que respeitam leis locais de proteção ambiental.

Não precisa ir tão longe para ter o melhor. O cirurgião plástico Ronaldo Golcman tem décadas de experiência no assunto. Já são 676 mergulhos registrados e muitas histórias para contar do mundo todo.

Para ele, que esteve próximo dos cetáceos no Mar Vermelho e no Caribe, o melhor lugar do mundo é Fernando de Noronha, mais especificamente a Baía dos Golfinhos.

Ao redor é uma encosta, você tem um bom lugar para ficar observando. Os monitores explicam o que significa cada salto. Está sempre povoado de golfinhos, é um lugar mágico."

Em Fernando de Noronha, é possível ter contato bem próximo com os golfinhos - Getty Images - Getty Images
Em Fernando de Noronha, é possível ter contato bem próximo com os golfinhos
Imagem: Getty Images

Só que é proibido nadar ali. Mas você pode mergulhar em vários outros pontos de Noronha, e são tantos golfinhos no arquipélago que as chances de alguns chegarem perto são maiores que em outros lugares. Uma experiência bem diferente do que nadar com os bichos em cativeiro, algo comum em roteiros turísticos no Caribe, por exemplo.

Uma alternativa, um tanto mais surreal, é nadar com robôs-golfinhos. É a aposta da americana Edge Innovations, empresa de animatrônica que criou os animais de sucessos de Hollywood como "Free Willy" e tem, entre seus parceiros, o cineasta James Cameron. Ela desenvolveu um golfinho robótico para fins educativos, que deve estrear uma atração-piloto neste verão.

Robôs-golfinhos da Edge Innovations - Edge Innovations - Edge Innovations
Robôs-golfinhos da Edge Innovations
Imagem: Edge Innovations

No longo prazo, a Edge, em parceria com a Peta, quer que todos os parques substituam seus animais por cópias animatrônicas. Em seguida, a proposta é desenvolver robôs de espécies extintas há milhões de anos. Diga olá ao Jurassic Park.

Como nadar com arraias?

Para interagir respeitosamente com arraias, sonho de muitos mergulhadores, Golcman sugere a Cidade das Arraias (Stingray City), nas Ilhas Cayman. "De cilindro ou de snorkel, são várias espécies e elas estão acostumadas a chegar perto, em busca de comida."

Se a ideia for conhecer a raia-manta, é mais complicado. "O melhor lugar é o Arquipélago de Revillagigedo, a 400 quilômetros da costa do México. São 24 horas de barco para chegar", diz Golcman. Vale a pena?

Elas são monstruosas, têm 6 metros de envergadura, são absurdamente dóceis, fazem loopings na água para filtrar os alimentos. É muito, muito legal."

Dança de Mantas - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Dança de Mantas
Imagem: Getty Images/iStockphoto

A entidade britânica Manta Trust desenvolveu um guia de práticas sustentáveis no turismo de mantas, uma indústria que movimenta US$ 140 milhões por ano. Entre as recomendações, estão ficar a no mínimo 3 metros de distância do animal e se aproximar pela lateral, deixando o caminho livre para ele. Mais informações em: https://swimwithmantas.org/

Quer diversidade? As Maldivas são uma boa opção, mas, melhor ainda, segundo Golcman, é Raja Ampat, na Indonésia.

Uma diversidade absurda de tubarões, incluindo o tubarão-tapete, arraias, moluscos, peixes coloridos? É ideal para visualizar grandes animais e criaturas muito pequenas, como o cavalo-marinho-pigmeu [que tem cerca de 1 cm]."

Mergulho em Raja Ampat, na Indonésia - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Mergulho em Raja Ampat, na Indonésia
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Para a segurança, sua e dos animais, é preciso seguir as recomendações de sempre. Saiba se comportar, respeite 100%, não monte em uma tartaruga, não puxe uma arraia."

E os tais porcos das Bahamas?

Excentricidade que chamou alguma atenção nas redes sociais nos últimos anos, a colônia de porcos das Ilhas Exuma, nas Bahamas, é, até onde se sabe, o único mar do mundo onde você pode nadar com suínos. A combinação de simpáticos porcos com águas paradisíacas é um tanto irresistível, e as fotos e vídeos se proliferaram na internet.

Visão inusitada: os porcos da ilha de Major Cay viraram atração turística nas Bahamas - Divulgação/Turismo das Bahamas - Divulgação/Turismo das Bahamas
Visão inusitada: os porcos da ilha de Major Cay viraram atração turística nas Bahamas
Imagem: Divulgação/Turismo das Bahamas

Foram os próprios locais que tiveram a sacada de transferir seus porcos dos currais que mantinham em casa para uma praia na ilhota de Big Major, onde há fontes de água potável para os bichos. É o que explica o jornalista T.R. Todd em um livro a respeito, "Pigs of Paradise" ("Porcos do paraíso", sem edição brasileira).

Os porcos não são uma novidade, no entanto. Eles estão lá há pelo menos 30 anos, mas recentemente a situação deles tem piorado. Segundo a revista "Vegan Life", há pouca água potável, os animais dependem dos turistas para beber água, mas muitas vezes ganham álcool no lugar. Faltam sombra e alimentos e sobram sol e gente sem noção.

Em 2017, quase metade dos porcos adultos morreu. Segundo a entidade Bahamas Humane Society, a causa da morte foi ingestão de areia em excesso. Como os turistas atiravam comida na praia, os animais acabavam comendo qualquer alimento com uma camada de areia.