'Food porn' de queijo derretido, raclette ganha versões bem brasileiras
Tão suíça quanto a fondue, a raclette também tem gosto de noites frias e de amigos reunidos ao redor da mesa. Assim como a conterrânea mais famosa, não é exatamente um prato, mas um ritual feito para compartilhar — e que permite um bocado de adaptações.
Em sua essência, a raclette não passa de um pedaço grande de queijo que, ao ser aquecido, vai derretendo aos poucos, para ser deliciosamente derramado sobre pão ou outros ingredientes, ao gosto do freguês. O nome vem do verbo francês racler, que significa raspar, e serve tanto para o ritual completo quanto para o queijo em si.
Como toda receita antiga, a raclette tem origem mais ou menos conhecida — sobram lendas e faltam comprovações. Segundo Roberta Malta Saldanha, autora de "Histórias, lendas e curiosidades da gastronomia" (Senac Rio), os pais da invenção foram camponeses e vaqueiros que participaram da exposição Cantonal du Valais, na Suíça, em 1909.
Outra pesquisadora, Maria Lucia Gomensoro, autora de "Pequeno dicionário de gastronomia" (Objetiva), explica que a receita surgiu por acaso.
Um mineiro da região adormeceu, esquecendo uma bola de queijo próxima à lareira. Acordou com o perfume do queijo derretido, o que lhe despertou a fome."
Seja lá qual for a versão verdadeira, a raclette faz parte da rotina de inverno dos europeus daquela região.
"Para nós, é tão importante quanto a fondue. Você coloca um alimento no centro da mesa, sempre muito ligado aos produtos locais, para compartilhar em momentos especiais", define o chef francês Alain Poletto, proprietário do Bistrot de Paris, em São Paulo.
Nascido na região de Haute-Savoie, junto à fronteira com a Suíça, Poletto serve em seu restaurante a receita original — o queijo derretido é esparramado sobre batatas cozidas, itens de charcutaria artesanal, como presunto defumado, bacon e salsichão, além de picles de pepino e de cebolinha-pérola.
"A batata é neutra, ajuda a equilibrar o sabor forte do queijo, e a acidez dos picles quebra o traço gorduroso." Na taça, vinho branco seco e bem ácido.
Raclette à brasileira
A regra de ouro da raclette é a escolha do queijo. Produzido especialmente para o prato, a partir de leite de vaca, o queijo raclette tradicional é feito para derreter com muita facilidade e render aquele visual puxa-puxa que bomba nas redes sociais. Mas não vale apelar para a muçarela ou o queijo prato — o sabor deve ser mais pronunciado.
Aqui, o preço do quilo do queijo raclette suíço passa fácil dos três dígitos, mas a boa notícia é que já temos exemplares nacionais de alta qualidade, que não fazem feio frente aos importados.
Os irmãos Juliano e Bruno Mendes, fabricantes dos queijos Vermont, de Pomerode (SC), lançaram em 2021 o Família Sudbrack, receita desenvolvida em parceria com a chef Roberta Sudbrack, prima deles. "A Roberta queria um queijo de ótimo derretimento, que não separasse da gordura quando aquecido e não endurecesse depois de esfriar", revela Juliano.
As peças são maturadas por dois meses e, durante esse tempo, são lavadas três vezes por semana com solução de sal e água para o desenvolvimento da bactéria Brevibacterium linens. Ela é a responsável, diz o queijeiro, pelos aromas amendoados que lembram caldo de carne, cebola e massa salgada.
Também tem queijo raclette sendo produzido em Almenara (MG), coração do Vale do Jequitinhonha. Casada com um suíço, Soraya Müller aprendeu a receita nos Alpes, onde estagiou em queijarias, e a adaptou para as condições da Fazenda São Francisco — a massa semicozida passa 24 horas no sal, depois outras 24 horas na salmoura molhada, antes do processo de cura.
Por mês, ela produz 600 quilos de queijo, vendidos pelo e-commerce www.raclette.com.br. E não dá conta dos pedidos.
Tenho fila de espera. Vendo para muitos consumidores finais, mas os restaurantes são os principais clientes, especialmente as hamburguerias, que adoram o queijo porque derrete bem."
Raclette para todos os bolsos
Assim como a fondue, a raclette exige equipamento próprio — que, na Europa, também se chama raclette, mas aqui já virou racleteira. Trata-se de um suporte pesadão, que mantém o queijo suspenso, sob ação de uma resistência elétrica, que derrete e gratina a peça ao mesmo tempo.
Assim são servidas as raclettes do Bistrot de Paris e do hotel Grand Hyatt São Paulo. Só que mesmo os modelos fabricados no Brasil têm preço salgado, em torno de R$ 1.500, o que estimulou o surgimento de algumas adaptações à brasileira.
Bem mais baratos, são equipamentos que funcionam como uma chapa, ou como pequenas frigideirinhas individuais — o calor vem de baixo, suficiente apenas para derreter o queijo, não gratinar —, sendo que alguns modelos trazem acoplada uma chapa superior, onde se arrumam os acompanhamentos.
Nossas misturinhas
Assim como aconteceu com a fondue, que o brasileiro tomou para si e deixou com sua cara, a raclette tem aparecido de muitos jeitos por aí. O restaurante Chalezinho aboliu a racleteira e serve o queijo derretido e gratinado em uma frigideira de ferro.
Uma circulada pelos restaurantes de Campos do Jordão (SP), um dos destinos turísticos preferidos do paulistano na temporada do frio, mostra que o cardápio pode ser bem mais extenso — e criativo. No Matterhorn, o pedido pode misturar queijos raclette e brie, ou trazer pinhão cozido entre os acompanhamentos.
No Toribinha Bar & Fondue, há uma versão vegetariana, ou seja, queijo combinado a batata, berinjela, abobrinha, palmito e pães, sem traço de charcutaria. No Chateau La Villette, além do queijo próprio para raclette, são derretidos emmental, roquefort, minas padrão e gouda. E no Le Foyer, o queijo parece até detalhe diante do banquete que inclui salames, nozes, azeitonas, frutas e até brócolis.
Para harmonizar
Se vale inovar nos acompanhamentos, também é permitido arriscar na harmonização da bebida. Juliano, que fabrica o Família Sudbrack, acha que seu queijo salgadinho, de massa semidura, fica perfeito com cervejas especiais potentes, que tenham notas maltadas marcantes, de caramelo e tostado, como os tipos Dunkel, Bock, Schwarzbier, Porter e Dubbel.
Prefere vinho? Também dá para variar, diz Alain Poletto: "Quem não abre mão do tinto pode harmonizar a raclette com um rótulo mais leve, como pinot noir, com boa acidez, de preferência resfriado."
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