Sai picanha, entra camarão: como churrascarias se mantêm com alta da carne
"Num futuro distópico"... O clichezão do momento serve de analogia para definir a era na qual, "num futuro distópico", o brasileiro talvez — sim, talvez — volte a ter a carne de volta em seu prato.
Com preços à altura dos bólidos de Elon Musk, não só o cidadão comum sente o baque: especialistas, donos de restaurantes e churrascarias também têm dado seus pulos para acompanhar as mudanças de hábitos e manter-se no páreo entre consumidores mais afortunados.
Senão, vejamos. Espécie de meca da carne em todas as suas dimensões e sabores, o pioneiro festival Churrascada celebra em 2022 a retomada pós hiato pandêmico. Três mil ingressos (a R$ 500 cada) foram vendidos antecipadamente em 36 horas, a capacidade máxima, cujo line-up churrasqueiro traz, na autodefinição do evento, "todas as caras e cortes do fogo".
Inspirado no londrino Meatopia, em anos recentes o sucesso foi tamanho que motivou a abertura do Fazenda Churrascada, proposta dos mesmos empreendedores do festival com dois endereços em São Paulo, um em Brasília e projetos de expansão. Mas no restaurante, a realidade bateu no grill.
"Sentimos, sim (a mudança de comportamento dos clientes)", afirma o empresário Felipe Aversa, um dos organizadores da festa e responsável pelos restaurantes.
O consumidor 'desceu' o corte. Quem não abria mão de picanha, agora está pedindo miolo da alcatra, por exemplo. Os cortes mais em conta têm tido maior volume", afirma.
Sentindo a demanda, a casa passou a servir porções fatiadas na tábua, para dividir, o que não acontecia antes.
Sócio e curador do evento, o restaurateur Gustavo Bottino admite as mudanças. Mas vê um lado positivo. "Acho que o consumidor começa a perceber que outros cortes também têm o seu valor. Cortes dianteiros, bochecha, entranhas. Uma experiência sensorial mais rica e diversa. Se o animal deu a vida, então ela dever valer mais que apenas duas peças do traseiro", define, em alusão à picanha.
Em 2022, sequer teremos picanha no Churrascada. Existe churrasco sem ela. Antes, o consumidor não abria mão de steak. Hoje é clara a valorização dos acompanhamentos, dos legumes grelhados. Algo mais próximo do que o cliente faz — e o faz muito bem — em casa".
Criando planos B
"Infelizmente, não temos como segurar o preço. Temos que acompanhar (os aumentos da carne)", argumenta o empresário Sérgio Cantu, proprietário de duas movimentadas churrascarias no interior paulista, em Caçapava (Apaloosa's) e São José dos Campos (Boigalê) — esta, inaugurada no final de 2021.
Com mais de duas décadas de experiência no ramo, Cantu diz que teve que adaptar-se ao novo momento. "Não dá para baixar a qualidade do atendimento e dos produtos, deixar de servir cortes bons, de boa procedência.
Reajustamos para manter essa qualidade. Então, a saída é enriquecer a experiência do cliente, ampliando as opções do bufê, com mais saladas, massas, queijos e peixes", assegura.
Para Vadair Silva Soares, "com a atual alta da carne, fica praticamente inviável praticar preços mais acessíveis", atesta o gerente da Churrascaria Ponteio, rede desde 1975 na ativa, com três lojas em São Paulo e duas em Mogi das Cruzes.
Com 26 anos no métier, Soares enumera um rol de necessárias adaptações, desde a reabertura. "Após dois anos praticamente sem faturar, não é só atender por atender. Temos que manter o mesmo padrão de antes, o cliente ter que sair satisfeito".
As estratégias começam na barganha diária com fornecedores, para uma tonelada de carne por semana para cada casa, em média. "Não é raro a diferença de um para outro ser de poucos centavos, e todos com o mesmo padrão de qualidade", explica. "Nesse caso, ficamos com o mais barato. Pode parecer pouco, mas em um mês, dá uma grande diferença".
Soares adianta que, sob o atual preço da picanha, "a conta às vezes não fecha", razão da ampliação de pratos quentes (paellas inclusas) e do bufê de frios e saladas, "para equilibrar o consumo", diz.
Cortes como o carré de cordeiro, que antes circulavam à vontade em carrinhos, agora são servidos apenas sob demanda do comensal.
Também aumentamos a oferta de carne de porco e frango servidas de diferentes formas. E ironicamente, até o camarão que era tido como iguaria cara, hoje ajuda a equilibrar, os clientes vão bem nele".
Fundador da rede Fogo de Chão, hoje com dezenas de unidades distribuídas entre Brasil, EUA, México, Porto Rico e Oriente Médio, o empresário Arri Coser atualmente comanda o NB Steak House, com sete endereços entre São Paulo e Porto Alegre.
"Anos atrás, quando começamos, o preço da arroba do boi era R$ 140. Hoje está em R$ 350", afirma. Situação que, Coser admite, "nos obriga a sermos extremamente criativos, criando alternativas que agradem e envolvam o cliente. Como especialistas, temos que estar um passo à frente".
Adequações que passam por revisar — e encolher — diversos custos da operação, na tentativa de não impactar o tíquete médio do cliente. E também, em lançar novos cortes, caso da porchetta e de cortes dianteiros, como brisket. "São cortes que lançamos e que não têm muito desperdício, são melhor aproveitados.
Para dar uma ideia, a picanha, ao assar, apresenta uma perda de quase 50%, por conta de seu teor de gordura". Veterano no grill, Coser resume o atual momento: "Nós, de churrascarias, estamos literalmente tendo que nos virar nos 30", brinca.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.