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Cadê a garrafa de vinho? Vidro perde espaço para lata, caixa e litrão

Vinhos em lata, uma das alternativas ao uso de garrafas de vidro - Phil Masturzo/Akron Beacon Journal/Tribune News Service via Getty Images
Vinhos em lata, uma das alternativas ao uso de garrafas de vidro Imagem: Phil Masturzo/Akron Beacon Journal/Tribune News Service via Getty Images

Tânia Nogueira

Colaboração para Nossa

09/08/2022 04h00

Se você nunca tomou um vinho em lata ou nunca comprou um bag in box, tenha certeza de que isso deve mudar muito em breve. Por mais que ame o barulho da rolha saindo da garrafa, o consumidor será obrigado a se render aos novos formatos por uma série de razões.

Isso não quer dizer que terá de beber vinhos de pior qualidade. A garrafa e a rolha só são imprescindíveis no caso dos vinhos de guarda, aqueles que têm de ser bebidos depois de muitos anos. Ou seja, aqueles vinhos que a grande maioria das pessoas não tem dinheiro para comprar.

Nos últimos anos, a falta de garrafas de vidro tem causado sérios problemas para os produtores de vinho no mundo todo. Vendem e não conseguem entregar porque não têm como engarrafar. Quando chega a nova safra, os tanques ainda estão cheios com o vinho dos anos anteriores.

O problema vem de antes, mas se agravou com a pandemia devido a várias quebras em toda a cadeia produtiva, da matéria-prima à distribuição. Com a guerra na Ucrânia, a produção também foi prejudicada. A fabricação de garrafas de vidro demanda fornos a altíssimas temperaturas. Na Europa, a maior parte destes fornos é alimentada com o gás russo, cujo abastecimento anda comprometido.

A escassez de garrafas fez crescer o número de produtores que optam por formas alternativas de envase: lata, bag in box (BiB), litrão (pet), growlers retornáveis. No entanto, apenas acelerou um processo que já vinha acontecendo e que vai continuar depois que a pandemia e a guerra acabarem.

Em sua coluna no "The New York Times", o crítico de vinhos Eric Asimov esta semana explica por que, no futuro, garrafas de vidro serão um produto de luxo. Por mais charmosa que seja, a garrafa de vidro é cara demais,pouco ecológica e difícil de transportar. A sua pegada de carbono é mais de quatro vezes maior do que a da lata e o seu índice de reciclagem, muito baixo na maior parte dos países.

Bag in box

A caixa quadrada do Lekubi é reservada para os vinhos de alta gama - Divulgação - Divulgação
A caixa quadrada do Lekubi é reservada para os vinhos de alta gama
Imagem: Divulgação

Conhecido no mercado como BiB, o formato tem tipo grande sucesso na Europa, especialmente na Escandinávia. Na Suécia, representa 56% do volume e 36% dos valores do mercado de vinhos. "Deixou de ser voltado para vinhos baratos", diz Ricardo Braga, um publicitário brasileiro radicado em Portugal que lançou recentemente por aqui os vinhos Lekubi, uma coleção de vinhos especiais em embalagens luxuosas de bag in box.

"Na França, há bag in box de vinhos grand cru. Em Londres, o restaurante St. John, um duas estrelas Michelin, vende vinhos bag in box. Percebemos que é um grande mercado, que no Brasil está sendo mal explorado".

A caixa retangular do Lekubi foi desenhada para caber na portada geladeira - Divulgação - Divulgação
A caixa retangular do Lekubi foi desenhada para caber na portada geladeira
Imagem: Divulgação

Os vinhos da Lekubi vêm em dois formatos, um retangular (R$ 199) e um quadrado (R$ 499) ambos de 3 litros.. O primeiro é reservado para brancos, rosés e tintos frescos, de entrada. Tanto que seu formato foi pensado para caber na porta da geladeira.

O segundo é reservado para tintos mais complexos. Por enquanto, toda a coleção é de vinhos portugueses, mas Braga diz que o portfólio deve ser ampliado para outros países. Segundo ele, depois de aberto, o vinho Lekubi dura até dois meses. A embalagem é bem mais leve do que uma garrafa, fácil de empilhar e completamente reciclável.

Lata

Vinhos da Artse - Divulgação - Divulgação
Vinhos da Artse
Imagem: Divulgação

Segundo levantamento feito pelo site BevAlc Insights, de 2017 a 202, o volume de vendas de vinho enlatado nos Estados Unidos subiu 3.800%. Foi de US$ 5,9 milhões para US$ 253 milhões.

"Estamos observando a tendência de vinho em lata ganhar força no exterior, principalmente nos EUA", diz Alykhan Karim.

"Faz sentido: às vezes uma pessoa só quer tomar uma taça mesmo, em vez de meia garrafa. A lata também faz mais sentido ecologicamente falando".

Segundo ele, os vinhos em lata costumam ser vinhos para serem consumidos jovens . No entanto, como 95% dos vinhos engarrafados hoje também devem ser consumidos antes de dois anos, muitos poderiam trocar para lata.

"O vinho em lata não precisa mirar em um novo consumidor", diz Jaqueline de Vasconcelos Barsi, criadora dos vinhos Artse.

"Nós miramos numa nova situação de consumo, a situação de consumo da cerveja: churrasco, praia, piquenique, balada".

Ex-funcionária do departamento de marketing da Ambev, Jaqueline garante que as latas do Artse (R$ 69,00, o pack de 4 unidades) são para o consumidor experiente de vinho. Têm qualidade. São vinhos de pequenos produtores gaúchos que Jaqueline descobriu quando foi passar o lockdown em Caxias do Sul.

Litrão e growler

Sanabria - Divulgação - Divulgação
O litrão dos Vinhos Sanabria
Imagem: Divulgação

O consumidor dos novos formatos, de fato, pode entender de vinho. O líquido em grande parte das vezes tem realmente qualidade (depende do produtor assim como no formato tradicional). Contudo, tem de ser bastante desprovido de preconceitos.

O litrão, por exemplo, que é uma garrafa pet, certamente busca um público bem pouco convencional. "A proposta é chamar atenção", diz o enólogo Carlos Sanabria, proprietário da Vinhos Sanabria, que vende litrões de tinto (cabernet sauvignon), rosé (merlot) e branco (lorena), por R$ 69,00 tanto no seu site como na loja física, em Brasília. Todos os vinhos são feitos por ele mesmo no Rio Grande do Sul, com mínima intervenção.

"É um vinho rápido e fácil de beber. Sem pretensões de envelhecer. É para beber logo". Acaba pegando um público na maioria mais jovem.

O litrão é algo que o vinho trouxe do mundo da cerveja artesanal. É uma derivação do growler, que é um recipiente para ser reaproveitado. Mesmo sendo pet, ele é mais sustentável do que a garrafa de vidro, por conta da sua menor pegada de carbono para produzir e transportar e por ser totalmente reciclável.

"Para vinhos de entrada, vinhos frescos, do dia-a-dia, faz cada vez menos sentido a garrafa de vidro", diz o empresário Ariel Kogan, sócio da sommelière Gabriela Monteleone no projeto Tão Longe e Tão Perto, que oferece vinhos de pequenos produtores nacionais (de mínima intervenção) em torneiras por todo o país.

A sommelière Gabriela Monteleone enche o growler de cerâmica - LucasTerribili - LucasTerribili
A sommelière Gabriela Monteleone enche o growler de cerâmica
Imagem: LucasTerribili

A armazenagem e a distribuição desses vinhos em torneiras são muito semelhantes às do chope: em barris pressurizados sem contato com o oxigênio.

"A garrafa de vidro é uma das embalagens menos sustentáveis, se não for a menos sustentável de todas. O modelo mais interessante do ponto de vista da sustentabilidade é o refil. O refil pode ser com growler de vidro, pet ou cerâmica. A gente incentiva muito as pessoas a usarem o de cerâmica ou de vidro, mas precisa ter o growler de pet porque ele é o mais fácil para ser vendido por delivery."

Os vinhos do projeto Tão Longe Tão Perto podem também serem servidos em jarra nos restaurantes - Lucas Terribili  - Lucas Terribili
Os vinhos do projeto Tão Longe Tão Perto podem também serem servidos em jarra nos restaurantes
Imagem: Lucas Terribili

O meio ambiente, no entanto, não é a única preocupação. "Sem dúvida tem a ver com nossa preocupação com a sustentabilidade, com o futuro da humanidade", diz. "Mas também com o acesso ao vinho. Com esse formato, com esse modelo, a gente consegue dar acesso a um vinho de ótima qualidade a um preço muito mais justo". O litrão pet está por R$ 72,00.