A hora do porco: como fazer de todo jeito a carne mais barata do açougue
A carne de suína está na crista da onda — e são vários os motivos. Para começar, custa muito menos. Nos supermercados de São Paulo, 1 quilo de filé-mignon bovino não sai por menos de R$ 100, contra R$ 20 do suíno.
Não bastasse, o restaurante brasileiro mais famoso do momento é A Casa do Porco, eleito pelo ranking internacional 50 Best o sétimo melhor do mundo — na cozinha do chef Jefferson Rueda, o animal reina absoluto. Estrela da TV, o chef Jimmy McManis, o Jimmy Ogro, que tem porcos tatuados nos braços, também acaba de inaugurar um restaurante 100% dedicado ao animal na Zona Sul do Rio de Janeiro: o BistOgro.
O salto na qualidade da carne de porco está por trás desse movimento. No passado, criações mal cuidadas, nas quais os animais viviam na sujeira e comiam restos, deram origem ao hábito de cozinhar a carne até esturricar, única forma de evitar contaminação.
Hoje, a realidade é outra. Tanto as granjas que criam em larga escala quanto os pequenos produtores rurais têm enchido o mercado com cortes tão saudáveis que já é possível comer carne suína crua — uma das receitas servidas por Rueda em seu menu-degustação é um tartar.
Com tudo isso, o brasileiro parece ter feito as pazes de vez com a carne de porco. O consumo per capita, que não chegava a 15 quilos em 2015, chegou a 18 quilos em 2021. E ele não está mais restrito à cozinha caipira, que sempre soube das coisas e jamais deixou de dar ao porco a devida importância — sua carne chegou com pompa e circunstância ao universo churrasqueiro e às mesas da alta gastronomia.
Já é possível comprar cortes pela raça, como acontece com a bovina nas butiques de carne, e se divertir com eles nos mais variados métodos de preparo, da grelha ao forno, passando pela frigideira e pela panela. Deu vontade de cozinhar? Confira dicas preciosas de quem entende do riscado.
Afinal, carne suína é branca ou vermelha?
A coloração depende do corte, segundo Flávio Saldanha, consultor especializado em proteínas animais. Paleta, copa-lombo (ou sobrepaleta), barriga (panceta) e pernil costumam ser mais vermelhos, enquanto lombo e filé-mignon geralmente são mais claros, bem rosados.
A raça também influencia, diz o especialista. Large White, Pietrain e Landrace, por exemplo, foram aprimoradas geneticamente para gerar carne magra e clara, independente do corte. Já o Duroc é o contrário, tanto que ficou conhecido como red pork (porco vermelho, em inglês). Raças caipiras brasileiras, como Canastra, Canastrão, Sorocaba, Nilo, Piau, Tatu, Pereira, Pirapitinga, Tatu e Moura, também têm carne de coloração bem viva, uma espécie de cor-de-rosa escuro.
Independente disso, durante a cocção, a carne suína sempre se comporta como a carne vermelha bovina — em contato com a grelha ou a frigideira bem quente, forma aquela casquinha dourada e saborosa, fenômeno químico conhecido como reação de Maillard.
É gorda ou não é?
Os primeiros animais que chegaram ao Brasil, trazidos pelos europeus, eram gordos por inteiro — e sua grossa camada de gordura, que podia chegar a 10 centímetros de espessura, era usada para cozinhar e conservar alimentos.
Aí chegaram os anos 1970, trazendo a guerra implacável contra a gordura animal em prol da saúde. Para que não perdessem tanto mercado, os criadores passaram a investir na genética de porcos mais magros — e a camada de gordura chegou a 0,5 centímetro.
Certos cortes que saem das grandes granjas industriais já são magros como o frango. Só que eles perdem em sabor e textura. "Por ter menos gordura, a carne é seca", avalia Saldanha. Mas, segundo o consultor, a indústria vive um terceiro momento.
Criações mais modernas, que investem no manejo das raças e no bem-estar animal, chegaram a uma carne com marmoreio, suculenta e saborosa. O pessoal até redescobriu o valor da banha."
Com que corte eu vou?
Segundo a Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS), a bisteca, a costelinha e o pernil, nesta ordem, são os campeões de vendas entre os brasileiros — uma herança dos velhos tempos.
Mas as geladeiras das butiques de carnes e dos empórios vão muito além, vale a pena conhecer as novidades. Assadores mais antenados têm usado cortes como assado de tira, T-bone, ancho, carré francês, prime rib e shoulder — tudo suíno.
Como tempero o churrasco?
A dupla sal e pimenta-do-reino moída na hora é de lei, e acrescentar qualquer suco cítrico fresco (limão, laranja, tangerina...) potencializa o sabor. Mas a carne suína permite maiores ousadias, aconselha Flávio Saldanha.
Steaks, por exemplo, podem ser marinados em suco de laranja com alecrim, pimenta dedo-de-moça e tomilho-limão. Ou então, veja só, marinados no leite.
"Tempero o leite com limão, sementes de zimbro, pimenta-do-reino e louro, mergulho os steaks e deixo de um dia para o outro, até o leite talhar. Então, jogo o soro fora e coloco a carne na grelha. A marinada confere doçura e deixa o steak bem dourado."
Vai bem em qualquer tipo de churrasqueira?
Sim, do modelo clássico de espetos ao pit smoker, passando pela parrilla. Na churrasqueira, dá para fazer até barriga suína com casquinha pururucada.
A receita é de Flávio Saldanha: "De véspera, na geladeira, deixo a barriga no tempero, com a pele para cima, sem proteção alguma para ressecar bem. Asso o corte na grelha de peixe, que pode ser virada. Primeiro, em fogo médio, ponho a carne voltada para baixo por bastante tempo, até assar. Por fim, aumento a brasa, viro a pele para baixo, a uns 20 centímetros de altura da lenha ou do carvão, e espero pururucar. Estoura que nem pipoca."
Como preparar na panela?
Carne de porco não serve só para assados e pode substituir a bovina em qualquer preparo, a começar pelo molho de macarrão. "Na Itália, o molho à bolonhesa clássico leva carnes bovina e suína na proporção meio a meio. Por que não usar só carne de porco?", sugere a chef Heloísa Bacellar, do programa Na Cozinha da Helô, exibido pelo canal Sabor & Arte.
Cortes macios e magros, como o filé-mignon e o lombo suíno, também são excelentes para picadinho, estrogonofe, carne de panela, bife rolê, almôndegas, medalhões e até o bife acebolado do dia a dia. Para imprimir um toque mais exótico, ensina Heloísa, basta acrescentar especiarias.
"Em tirinhas finas, ficam ótimos em preparos orientais na wok, como porco xadrez", sugere.
Se a data pede uma refeição especial, o boeuf bourguignon, cozido francês feito no vinho tinto, pode ser preparado com paleta ou pernil cortado em cubos médios. No BistrOgro, Jimmy Ogro transformou outro clássico francês, o coq au vin, em porc au vin — e ainda prepara moqueca, goulash e até ceviche com carne suína.
Qual o segredo para o assado não ficar seco?
Até mesmo o lombinho suíno, o mais magro dos cortes, pode ficar suculento no forno — bastam alguns cuidados no preparo. Um dos segredos é caprichar na marinada — aquele mix de temperos líquidos e secos, onde a carne deve repousar por algumas horas.
Além de cebola, alho, ervas frescas, sal, pimenta-do-reino e suco de limão, Heloísa não abre mão da cachaça. "Ela deixa a carne mais macia e perfumada", diz.
Na hora de assar, a receita é ter paciência: começar com forno baixinho e assadeira coberta com papel-alumínio, e só subir a temperatura depois de umas 3 horas. Aí é hora de remover a cobertura e deixar dourar em forno bem alto.
Outro clássico para assados, o pernil inteiro é para quem tem forno grande e muita gente ao redor da mesa.
Para o dia a dia, gosto demais da paleta suína. É menorzinha e assa rápido", diz a chef.
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