É nossa vez de invadir Portugal: chefs brasileiros são sucesso na terrinha
A gastronomia portuguesa está com um sabor diferente. Tem um gosto de um pouco de dendê, de leite de coco, de polvilho azedo e até de açaí.
Sim, porque nos últimos anos a presença de brasileiros em Portugal tem transformado intensamente as ofertas culinárias no país. Já são mais de 250 mil imigrantes, a maior colônia no país europeu, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Em cidades como Lisboa e Porto, é cada vez maior a oferta de restaurantes abertos ou comandados por brasileiros, que se não servem especificamente receitas tradicionais (o que também tem crescido), acabam por inserir temperos e ingredientes nacionais nas suas receitas.
A nossa moqueca, por exemplo, já é servida em restaurantes tradicionais portugueses, e a picanha se tornou um corte tão comum quanto a pá (paleta) e a vazia (contrafilé) nos cardápios dos restaurantes locais.
Cenário evoluído
"O cenário está mesmo muito diferente de quando cheguei, há 17 anos", diz a chef paranaense Angélica Salvador, do restaurante InDiferente, no Porto. "Antes só havia churrascarias, um ou outro restaurante brasileiro. Agora, há pratos e ingredientes até nos grandes supermercados".
Ela diz que hoje já encontra desde leite de coco até goiaba. "Fazemos uma versão do Romeu e Julieta, mas com cheesecake. A calda feita da fruta é outra coisa e me leva de volta à minha infância", lembra.
Assim como os pratos que serve em seu restaurante, em que clássicos brasileiros são reinterpretados a sua maneira, mas com um toque de modernidade (como uma feijoada ou uma moqueca de camarão), ela acredita que a cozinha brasileira que se faz em Portugal também evoluiu.
Sinto que hoje há receitas mais bem trabalhadas, não apenas a reprodução de pratos para quem quer matar a saudade. Os portugueses também apreciam muito nossa cozinha", diz ela, que tem como clientes mais portugueses que brasileiros.
Segundo Angélica, o fato de haver mais cozinheiros, mas também mais clientes vindos do Brasil (tanto moradores quanto turistas), obriga o mercado gastronômico a se aprimorar.
"Penso que é fruto de uma valorização por que passa nossa cozinha também fora do Brasil. Temos uma culinária muito rica e saborosa. As pessoas estão mais interessadas nisso, especialmente em Portugal, pela proximidade cultural que temos", conclui.
Mais casualidade
O casal Gustavo Schmidt e Gabriela Johann estão há menos tempo no mercado português: abriram em maio o Genuíno, bar de vinhos naturais com comidinhas que mudam a cada semana. Mas se beneficiam com a presença brasileira no país.
Também baseados no Porto, dizem que conseguiram criar um ambiente despretensioso, mais aos moldes dos bares brasileiros, que começam a pulular no panorama luso, muito pela chegada de outros imigrantes.
"Há muita carência em Portugal de lugares mais descolados. Queríamos um projeto de vinho natural e comida boa, mas de maneira casual", explica Schmidt, que trabalhava no ramo de tecnologia e hoje cuida da seleção dos vinhos e do salão.
"Acho que conseguimos transportar esse senso de hospitalidade, uma extensão da nossa casa", complementa a chef Gabriela:
É notável a diferença do atendimento português e do brasileiro".
Apesar das burocracias diferentes para abrir um negócio em um novo país, o casal se diz muito contente de poder realizar em Portugal uma ideia que começou ainda no Brasil.
"A pandemia exacerbou os problemas no Brasil, tanto sociais quanto políticos, e abrir aqui pareceu uma boa opção", resume Schmidt.
Com açúcar e com semelhanças
A maior presença de brasileiros — um número que cresceu mais de 200% em cerca de 5 anos — influenciou até o cenário da pastelaria portuguesa, tão galgada na tradição do uso de gema e açúcar que remonta as freiras e monges da doçaria conventual.
A confeiteira Juliana Penteado, que comanda uma loja de doces feitos com óleos essenciais em Lisboa, diz:
Mas temos — brasileiros e portugueses — algo bastante em comum com os que encontramos por aqui: a quantidade de açúcar".
"Culturalmente também somos acostumados a comer doces bem doces, o que a meu ver foi o start para essa ligação existir. Afinal quem resiste a um brigadeiro ou um bolo caseiro bem molhadinho com uma calda por cima?", pergunta.
Nas docerias e nas festas de aniversário portuguesas, nosso doce de leite condensado e chocolate já é obrigatório — reflexo de muitos brigadeiros que já existem no país, assim como os bolos brasileiros, como o de fubá.
Da sua cozinha, no entanto, saem preparos mais em vista a uma pastelaria mais francesa, como o entremet de abacaxi com limão e menta e a torta de tiramisu. Mas Juliana diz que o que faz carrega muito de brasileiro também.
"Uma memória afetiva e nostálgica representada com muita cor, frescor de frutas, e uma equipe de mulheres brasileiras", ela diz. E, claro, as fatias de bolo do dia que são quase uma passagem de ida para a cozinha de casa. Que, agora, está no bairro ao lado.
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