Foie gras pode ser banido e chefs defendem a iguaria: 'proibicionismo tolo'
E lá vamos nós de novo: afinal, o foie gras deve ou não ser proibido? A questão da proibição de produção e comércio da histórica iguaria francesa linkada à alta gastronomia, obtida a partir do fígado de patos, já havia surgido — e causado barulho — em São Paulo, anos atrás.
Agora, a polêmica ressurge através do Projeto de Lei 90/2020, de autoria do senador Eduardo Girão, (Podemos-CE).
De olho no foie gras, mas generalizando o contexto, o texto do PL justifica a proibição e comercialização (in natura ou enlatado) do produto através de uma legislação federal: "proíbe-se a produção e a comercialização de qualquer produto alimentício obtido por meio de método de alimentação forçada de animais, incluindo-se o foie gras".
Procurado por Nossa para explicar seus pontos de vista no projeto, o senador não atendeu aos diversos pedidos de entrevista.
Em maio último, a matéria foi votada e aprovada em decisão terminativa na Comissão do Meio Ambiente e agora será analisada pela Câmara dos Deputados.
Uma vez sancionada na forma de lei, seu descumprimento é passível de três meses a um ano de detenção e multa, pena prevista na Lei de Crimes Ambientais.
Em 2017, a lei municipal paulistana que proibia a produção e comercialização da iguaria na cidade, publicada em 2015 no Diário Oficial do município, foi derrubada por ser considerada inconstitucional. Por essa época, o mesmo se deu em mais três municípios que tentaram legislar sobre o tema: Sorocaba (SP), Florianópolis e Blumenau (SC).
De consumo nanico no país, um quilo de foie gras produzido aqui custa cerca de R$ 250. Empórios gourmet vendem embalagens importadas em torno de R$ 1.200 (75 gramas), R$ 1.500 (145 gramas) — e contando.
Jacquin defende iguaria
"Não há porque proibir o foie gras", opina o chef Erick "Masterchef" Jacquin que, anos atrás, quando do lançamento de livro comemorativo da marca japonesa de lámen Nissin, criou um simples e irresistível miojo... com foie gras!
"Entre outras receitas, sou conhecido pelo foie gras. Hoje, os métodos de produção são completamente diferentes do que eram no passado. É caro, é para poucos, mas há quem aprecie e tem o direito de pedir no restaurante.
Com tanta coisa errada no dia a dia do cidadão que merecem atenção, entrar numa proibição desse tipo me parece uma interferência perigosa na escolha individual das pessoas", analisa.
Quando menciona métodos de produção, o chef toca no cerne da polêmica. Por definição, foie gras, ("fígado gorduroso", em tradução direta), super tradicional na mesa francesa, é obtido através de alimentação induzida de patos, para que seus fígados acumulem quantidades significativas de gordura, gerando um "fígado gordo".
Denominado "gavage", historicamente, no passado, o método envolvia alimentação mecanizada dos animais através de um tubo na garganta, forçando-os literalmente a uma superalimentação em curto período de tempo.
A resposta de quem produz
"Toda a criação de animais para fim de abate pode ser qualificada como cruel e, quando intensiva, também nociva ao meio ambiente", lembra François Sportiello, sócio-administrador da importadora Nova Fazendinha, com sede no Rio de Janeiro, que está à frente de uma contestação oficial ao PL90/2020.
"Na verdade, é o contrário: para obtenção de foie gras de qualidade, o animal não pode sofrer", assegura.
O empresário comenta que, por sua morfologia, através dos métodos empregados atualmente patos e gansos têm facilitada sua adaptação aos procedimentos para a produção de foie gras.
"Via de regra, quando as condições permitem, eles passam 90% de suas vidas em liberdade e apenas nove a doze dias em cercados coletivos para a gavage, a engorda. Chegado o horário do trato, eles se aproximam espontaneamente do tratador para receber a refeição, operação que dura apenas 10 a 12 segundos".
Do total de consumo anual de foie gras in natura no Brasil, 70% é importado. Existem apenas duas empresas produtoras, uma em Valinhos (SP) e outra em Indaial (SC). "Ambas são regularmente inspecionadas pelo Ministério da Agricultura, que até o momento valida todas as suas práticas produtivas", diz Sportiello.
"As tentativas de proibição da produção e da comercialização são sempre embasadas em afirmações inexatas e exageradas", alega.
Se fosse o caso (de sofrimento), teria que ser proibida também a produção e comercialização da carne e de derivados de frango, peru, porco e de bois confinados. E até a importação de salmão", conclui.
Liberdade de consumo
"E o caviar também, porque hoje quase não há mais processos naturais no trato do esturjão para obtê-lo. Quase tudo vem de criatórios", concorda o chef Laurent Suaudeau, francês radicado no Brasil desde os anos 80, e um dos jurados do "Iron Chef" (Netflix).
O chef afirma "não ser fanático", mas admite o lastro cultural do foie gras na comida francesa.
Como toda iguaria, tem o seu preço, paga quem pode e entende. Proibir ultrapassa a gastronomia e esbarra na liberdade individual de cada um, de consumir ou não".
Conceito que, sustenta, "vale para tudo: ser ou não vegano, consumir ou não glúten, consumir ou não lactose. Além do que, pode gerar contrabando, o foie gras pode passar a entrar no país de forma clandestina".
Suaudeau lembra ainda que, dentro de seu metabolismo, patos são insaciáveis e têm reação de comer compulsivamente. "Hoje, a gavage não é forçada. Em alguns lugares, como no leste europeu, ainda se pode encontrar produções arcaicas e indesejadas. Mas com o advento das redes sociais e a fiscalização de ambientalistas, no geral a atual produção de foie gras é adequada".
Item histórico
"Não tem sentido tentar proibir algo tão secular que remonta ao Antigo Egito", ensina o jornalista e escritor especializado em história da alimentação, J. A. Dias Lopes.
O foie gras é milenar, já na época dos faraós as aves eram engordadas com figos, para obtenção da iguaria".
Lopes acredita que, hoje, por conta das muitas mudanças na gavache, só se opõe ao foie gras quem as desconhece.
"É um proibicionismo tolo. Essas pessoas deveriam visitar granjas onde os frangos são superalimentados sob luz fortíssima e ficam tão apertados em gaiolas que sequer conseguem ficar de pé. Escoram-se uns aos outros, a ponto de não conseguirem consolidar seus ossos como aves adultas".
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