O lugar mais isolado do Brasil (e que você não vai conhecer)
A quatro dias de viagem do continente e a 1.140 quilômetros da costa de Vitória, no Espírito Santo, montanhas submarinas emergem a 5.500 metros do oceano como castelos vulcânicos, rodeados por ilhotas inacessíveis.
São 16 praias isoladas, a uma temperatura que varia entre 21° C e 27° C e arredores cobertos por samambaias gigantes de até seis metros de altura.
É tudo muito lindo, mas você não vai poder conhecer esse arquipélago com duas ilhas principais, Trindade e Martim Vaz.
A não ser que você seja um militar das Forças Armadas ou um dos pesquisadores que passam temporadas na estação científica de Trindade, inaugurada em 2011 com varanda, sala, cozinha, banheiros e dois quartos para 4 pessoas cada um.
São dois pedaços de Brasil muito difíceis de serem acessados: enquanto Trindade é o local habitado mais remoto do Brasil, Martim Vaz é o ponto mais a leste do território brasileiro, a 48 quilômetros de distância da primeira.
Ondas mortais e inesperadas
Um dos maiores temores dos poucos visitantes que desembarcam em Trindade é a chamada "onda camelo", um fenômeno natural que se forma inesperadamente e chega na beira da praia com extrema violência.
Segundo estudiosos, essa é uma formação inesperada de ondas de mais de dois metros "que ao alcançarem águas rasas sofrem um aumento abrupto de altura" e retornam ao mar com mais violência ainda por conta do terreno inclinado da ilha.
Por isso, pesca, mergulhos e banhos de mar são atividades altamente arriscadas.
Desde 1963, já foram registrados sete casos fatais como o de 2010, quando um sargento foi arrastado por uma "onda camelo" durante uma trilha na Praia do Príncipe. Seu corpo só seria encontrado dois dias depois.
De acordo com o Protrindade, programa de pesquisas científicas na ilha, a onda recebe essa nome por se assemelhar à uma corcova de camelo.
Com um terreno extremamente acidentado, Trindade tem cerca de 10 quilômetros quadrados e seu acesso é feito por botes infláveis que são puxados por cabos de aço que ficam na praia.
Porém, nem todas essas dificuldades foram capazes de manter a ilha intacta de invasores.
Piratas, cientistas e outros visitantes ilustres
Sua localização estratégica, no centro do Atlântico Sul, é responsável pelas diversas disputas internacionais, desde que foi descoberta no início do século XVI.
Nos séculos seguintes, a região seria usada como parada de piratas ingleses e traficantes de trabalhadores escravizados. Até o astrônomo britânico Edmond Halley, aquele mesmo do cometa, esteve por ali quando foi realizado o primeiro desembarque em Trindade, em 1700.
Aliás, diz a lenda, que foi ele quem teria levado as cabras da longínqua Santa Helena que acabariam com a vegetação de Trindade. A regeneração da fauna só se daria a partir dos anos 1990, quando os animais foram abatidos a tiros.
Impressionado pela brutalidade da geografia de Trindade, o navegador James Cook também esteve na ilha, em 1775.
Durante anos, Trindade foi confundida com a Ilha de Ascensão, território britânico ultramarino, cujo pedaço de terra mais próximo é a também isolada Santa Helena, o último refúgio de Napoleão Bonaparte.
Ao longo da história, Trindade seria ocupada também por portugueses e ingleses. Mas, segundo a Marinha do Brasil, só seria incorporada como território nacional, após a proclamação da independência, em 1822.
Sob domínio inglês, a ilha seria reivindicada pelo Brasil, novamente, a partir de 1895, quando ingleses ocuparam Trindade com a justificativa de "estabelecer uma estação de cabo submarino interligando a Inglaterra e a Argentina".
Trindade também serviu como parada estratégia e deixou sua marca na rota da "Pior Viagem do Mundo", relato de Apsley Cherry-Garrard, um dos 65 tripulantes da Expedição Terra Nova (1910-13), liderada pelo explorador inglês Robert Falcon Scott, que tentava ser o primeiro a alcançar o Polo Sul..
Durante as duas grandes guerras mundiais, em 1916 e 1941, Trindade também foi ocupada por brasileiros, a fim de proteger a região de navios adversários.
Amazônia em alto mar
Atualmente, as ilhas de Trindade e Martim Vaz fazem parte da Amazônia Azul, um território marítimo de cerca de 3,6 milhões de quilômetros quadrados que recebe esse nome em referência à abundância de recursos naturais, como na maior floresta tropical do mundo.
Por esse motivo, o acesso é restrito a pesquisadores e militares, assim como no arquipélago de São Pedro e São Paulo, e no Atol das Rocas.
Em 2018, os dois arquipélagos (Trindade e Martim Vaz e São Pedro e São Paulo) foram declarados unidades de conservação federais marinhas, dando origem a duas APAs (Área de Proteção Ambiental) com mais de 90 milhões de hectares.
No início deste ano, por exemplo, Martim Vaz assistiu à uma expedição inédita que ficou conhecida como "o primeiro acampamento científico da história na Ilha".
A bordo do Navio Hidroceanográfico "Almirante Graça Aranha", 117 profissionais desembarcaram na ilha para estudos nas áreas de oceanografia, geologia, história e meio ambiente, em parceria com as universidades federais do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, e a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Já Trindade, ocupada pela Marinha do Brasil, ininterruptamente, desde 1957, tem atividades científicas desde então, quando começou a operar o Poit (Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade), administrado por cerca de 30 militares que se revezam a cada 4 meses.
"[A Marinha é] responsável por garantir a presença do Estado brasileiro naquela longínqua porção do nosso território e do mar que o circunda", descreve a instituição em nota.
Esse é o único ponto em toda a região com ocupação permanente, onde militares e pesquisadores devem continuar sendo os únicos humanos a chegarem a esse pedaço de Brasil que parece fora do próprio país.
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