'Queijo brasileiro tem futuro brilhante', diz um dos maiores 'cheese nerds'
Jason Hinds estava bastante animado ao terminar a primeira rodada de provas como jurado do segundo Mundial do Queijo, que aconteceu em São Paulo. Animado e curioso, pois em concursos sérios o júri não sabe o que está provando, para não haver marmelada.
Mesmo sem poder chamar os queijos que acabava de conhecer pelos nomes, arriscava alguns comentários.
"Eu sabia da lenda do queijo brasileiro, já tinha ouvido falar do trabalho de vários produtores artesanais e o que vejo aqui é qualidade e diversidade. Mas vamos conversar mais daqui a três ou quatro dias? Vou procurar provar o máximo que puder e falar sobre o queijo que vocês fazem com um pouco mais de propriedade", sugeriu o diretor comercial da chique Neal's Yard Dairy, produtora e revendedora de queijos artesanais em Londres.
Provar queijos diferentes e descobrir joias de sabor escondidas tem sido a vida de Jason desde a pré-adolescência. Aos 12 anos, sacou que havia produtos muito mais especiais do que o queijo de larga produção que abastecia os supermercados. Sempre que encontrava algo desconhecido ou intrigante, tratava de provar.
Virou uma espécie de nerd do queijo — um cheese geek, já que o idioma inglês nos permite.
Ao graduar-se em Estudos Franceses, Africanos e Asiáticos, na Universidade de Sussex, descartou a carreira acadêmica como possibilidade. Pensava em ser jogador de futebol, mas caiu na real: não era bom de bola o suficiente para transforma-se propriamente em um craque.
Participava de uma equipe de DJs, mas ponderou que a profissão pudesse ter vida curta — não se projetava animando bailes com mais de 50 anos. A terceira vontade era a de encontrar um trabalho que o fizesse viajar, outra grande paixão. Não sabia muito bem com rodaria o mundo, mas o queijo ofereceu uma carona.
"Decidi trabalhar com queijos e meus amigos disseram que eu tinha endoidado. Já eram produzidos ótimos queijos no Reino Unido da época, mas o senso comum continuava acreditando que bom mesmo era aquele que vinha do exterior, especialmente da França. Vi a oportunidade de desenvolver esse mercado, mostrar ao mundo o potencial dos nossos produtos", diz Hinds.
Em 1992, Jason encontrou emprego na Neal's Yard Dairy, no bairro de Covent Garden, famoso pelo extenso varejo de alimentos e pelo clássico mercadão, cenário de um horripilante crime hitchcockiano no filme "Frenesi".
A missão de Jason era bem mais suave e saborosa do que farejar o assassino que mocozou um cadáver num saco de batatas, mas também tinha um quê de investigação e exigia bons olfato e paladar. Desde o começo, botou o pé na estrada, fazendo a ponte entre os pequenos fazedores do campo e a cidade.
Resgate do queijo inglês
Ele conta que, nos primórdios pré-industriais, os fazendeiros ingleses produziam queijo para aproveitar o leite que não conseguiam vender. Era fermentá-lo ou derramá-lo. Com o desenvolvimento de meios de transporte mais rápidos, a atividade queijeira foi minguando, pois a produção de leite passou a ser escoada mais facilmente para os grandes centros, com menos sobra de matéria-prima.
Quando comecei nesse mercado, a Inglaterra estava dominada pela grande indústria, como aconteceu em quase todo o ocidente depois da Segunda Guerra Mundial. Eram queijos baratos, tratados mais como commodities do que como alimento — sem alma, sem graça e sem gosto. Algumas receitas tradicionais haviam desaparecido e outras estavam prestes a morrer", diz.
O queijo Red Leicester, de massa alaranjada e sabor intenso, era um dos estilos que havia sumido do mapa. Jason convenceu alguns produtores a reviver a receita e colocá-la de volta na roda. "Foi um momento de renascimento e também de nascimento. Ao mesmo tempo em que víamos tradições serem recuperadas, também víamos novos produtores ousando e criando receitas e estilos modernos", conta.
Não demorou muito para que certos consumidores, de antenas ligadas, percebessem que o sabor morava na pequena loja de Covent Garden, mesmo que o desejo lhes custasse libras a mais. "As pessoas começaram a entender que podiam provar excelentes queijos feitos na Inglaterra ou na Escócia, que tínhamos tradição, que os melhores produtos não vinham necessariamente da França ou da Suíça".
O Brasil reconhecido
Hoje o país que mais importa os queijos da Neal's Yard Dairy são os Estados Unidos. Em segundo lugar, justamente a França, conta Jason, numa segunda conversa, depois de ter passado alguns dias no Brasil e voltado à Inglaterra com a certeza de que podemos ganhar o mesmo tipo de reconhecimento.
O queijo brasileiro tem um futuro brilhante. Há produtores que fazem um trabalho inacreditável, dinâmico e inovador. Vocês têm um cenário formidável, realmente maravilhoso e inspirador", diz, sem economia de adjetivos.
Em sua ronda por lojas especializadas em São Paulo e visitas a alguns produtores do estado, o especialista elegeu alguns prediletos, livre do suspense da degustação às cegas. Santa Maria, um queijo de leite de ovelha de longa maturação, produzido no Rio Grande do Sul e provado na loja A Queijaria, lidera o topo do ranking. "Fiquei apaixonado."
Mandala, receita de massa dura produzida com leite de vaca pela queijaria Pardinho, é outra dica do expert. Pelo conjunto da obra, ele também cita a queijeira Heloisa Collins, do Capril do Bosque. "Seus queijos azuis de leite de cabra são delicados, originais e deliciosos", diz.
Jason sentiu falta de mais lojas especializadas na cidade de São Paulo, mas acredita que a oferta cresça com a mesma velocidade em que se desenvolve nosso mercado de queijos artesanais.
O cenário brasileiro é muito parecido ao que vi 30 anos atrás na Inglaterra. Acredito que haja muito espaço para crescer e, se o país tiver boas políticas de comércio e de promoção, ganhar o mercado internacional", prevê.
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