Será que sua comida mexicana é mesmo típica do México? Entenda a polêmica
Taco crocante em forma de canoa, chilli de feijão e carne, burrito frito e nachos extremamente condimentados. Se essas comidas foram apresentadas a você como mexicanas, saiba: não é bem assim.
"O mais chocante é o chilli. Muitos acreditam ser o prato mais emblemático do México, mas lá nem existe. Essa palavra só significa pimenta em espanhol", conta Luana Sabino, chef do restaurante paulistano Metzi, em São Paulo, que serve a culinária do país latino utilizando ingredientes locais.
A confusão tem motivo. Todos esses pratos, que geralmente são carregados no cominho e usam queijo amarelo e sour cream para equilibrar o sabor picante, têm origem no Texas.
O estado ao Sul dos Estados Unidos fez parte do território vizinho até 1836. A partir de 1845, quando foi incorporado à nação símbolo do capitalismo, os Tejanos (texanos de ascendência mexicana) sofreram influências culturais que passaram pela alimentação.
Mais de cem anos passados e sucessivas mudanças, a culinária da região ganhou nome próprio: tex-mex.
Quem cunhou o termo foi a escritora inglesa Diana Kennedy. Ao publicar o "The Cuisine of Mexico" (1972), livro de receitas mexicanas, considerou os pratos do Texas como inautênticos.
Embora a ideia da intelectual tenha sido desvalorizar essa cozinha, o que aconteceu foi o contrário. De Taco Bell a Chipotle, cadeias americanas de fast-food tex-mex se espalharam pelo mundo e criaram a ilusão de que seus menus refletiam o que está nas mesas do México.
"O tex-mex prejudicou a promoção da nossa culinária. É um jeito desrespeitoso de categorizar a nossa cultura", opina Jose Luis Hinostroza, que comanda em Tulum o 37º melhor bar da América do Norte pelo 50 Best Bars. À frente do ARCA, ele se vale de ingredientes nativos do México e de cocções no fogo.
Para Luana, tudo isso significa um retrabalho:
Temos que reeducar o cliente, mostrar que o que ele acredita ser comida mexicana não é de fato".
O mexicano David Castro, que trabalha a cozinha tradicional no Fauna, restaurante no Vale do Guadalupe premiado em 2020 como "One to Watch" pelo Latin America's 50 Best Restaurants, diz que o desentendimento pode, ainda por cima, acarretar na resistência aos sabores originais por parte do público.
"Algumas pessoas dizem que não gostam de comida mexicana porque provaram tex-mex. Ou pior, falam que gostam porque provaram tex-mex, sendo que restaurantes com esse tipo de cardápio não sobreviveriam um dia no México", defende.
Como é a comida original, então?
De cinco anos para cá, os sabores típicos estão ganhando mais prestígio e reconhecimento graças aos prêmios internacionais. "A presença de mexicanos em listas como 50 Best e Best Chef Awards melhoram a comunicação. Quem vê de fora fica interessado em entender melhor", afirma José Luis.
A culinária foi declarada um Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade somente em 2010, mas sua origem remonta aos povos indígenas pré-colombianos.
Faz séculos que os mesmos ingredientes entram na panela. Exemplos são o abacate, que dá origem à famosa guacamole, e as pimentas, presentes na maior parte dos pratos pela versatilidade de serem utilizadas secas e in natura.
O símbolo máximo da gastronomia, porém, é o milho. Isso se justifica por evidências de que a região foi palco de uma seleção artificial da planta em 8.000 a.C. e pelos métodos tradicionais de nixtamalização, cozimento e maceração do milho maduro.
O processo é essencial para a confecção dos totopos, similares aos nachos porém menos condimentados, e das tortillas, que são a base dos tacos e das quesadillas, espécie de sanduíche fino de queijo que às vezes leva flor de abobrinha ou cogumelo.
O consumo de boi, que foi inserido após a colonização espanhola, é maior na região Norte. Nos outros lugares, predominam os pescados e o porco. Este último rende a comidinha de rua mais querida dos mexicanos: o taco al pastor.
"O porco é assado no tronco, como no churrasco grego, com uma marinada de pimentas secas chamada adobo. É o que dá a cor avermelhada. O abacaxi cozinha junto no espeto e é servido junto na tortilla", explica Luana.
Outro ícone que foi ignorado pelas cadeias de fast-food é o chiles en nogada. Trata-se de um pimentão recheado de carne com frutas banhado em molho de nozes, leite e xerez (vinho fortificado) com romãs e folhas de coentro no topo.
A "feijoada" de lá
A feijoada está para o Brasil como os moles estão para o México. O molho com status de prato principal que é acompanhado por frango, porco ou peru simboliza a nação.
As versões mudam de acordo com a região e tradição familiar. Há receitas tradicionais que combinam mais de 100 itens, mas o usual atualmente é ficar entre 15 e 20.
Em comum está a presença de chocolate (sempre amargo), de pimentas secas, defumadas ou in natura (chipotle, malagueta, pasilla, etc), de frutas (tomate, banana, uva passa), de especiarias (canela, cravo, anis) e de sementes ou castanhas (gergelim, abóbora, amendoim, amêndoa), além de alho, cebola, tortilla e pão — os dois últimos entram na mistura como espessantes.
Para dar conta de extrair o melhor sabor possível, o preparo é trabalhoso. Inicialmente era feito no pilão, amassando tudo em pedra aquecida. Hoje, tacho de ferro e liquidificador ajudam a tornar o processo um pouco mais simples.
A ideia é tostar e triturar cada ingrediente um a um para intensificar o gosto. Alguns vão direto na panela e outros precisam de banha de porco. Ainda pensando na concentração de sabor, o líquido reduz em fogo baixo junto da água do cozimento da proteína.
A carne escolhida costuma ser mergulhada no molho vinte minutinhos antes de ir ao prato coberto por gergelim e ao lado de arroz e tortillas. O mexicano Eduardo Ortiz, chef do restaurante paulistano Metzi, diz:
O sabor é levemente adocicado, picante e tem forte presença de especiarias", diz.
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