Xixi em garrafa e nômades: como é ir de trem da Rússia até a China
Desde a época de Marco Polo, viagens por terra à China costumam ser lendárias. E essa regra se aplicou a uma jornada de trem que o brasileiro Danilo Ortiz realizou entre as cidades de Moscou e Pequim, quando ainda não havia guerra entre Rússia e Ucrânia.
"Eu estava viajando por diversos países com uma passagem aérea de volta ao mundo. E, quando pousei em Moscou, percebi que era possível ir por trilhos da capital russa até a China, pegando inclusive parte da rede ferroviária da Transiberiana", diz ele, que agarrou na hora essa oportunidade de admirar, da janela do vagão, diferentes paisagens do interior da Europa e da Ásia.
Durante os 50 dias, Danilo descia nas cidades que queria conhecer, passava alguns períodos nesses centros urbanos e depois voltava às estações ferroviárias para subir em um novo trem e seguir viagem.
"Fui comprando a passagem de cada trecho separadamente, pela internet. E assim cheguei na China."
No roteiro, o brasileiro visitou as cidades russas de São Petersburgo, Samara, Kazan e Ecaterimburgo, entrando depois nas profundezas da Sibéria e chegando até a cidade de Irkutsk e o incrível lago Baikal.
"Amei Kazan. É um lugar com ruas charmosas e lindas igrejas ortodoxas. E o Baikal foi um dos pontos altos de toda viagem. Lá, peguei um barco que me levou até uma das ilhas que existem no meio do lago, onde passei o fim de semana. Essas ilhas têm praias lindas, com formações rochosas que lembram um pouco Fernando de Noronha. A única diferença é o frio".
Até 15 horas sobre os trilhos
O brasileiro também se impressionou com a mudança das paisagens humanas ao longo da rota.
"Na região onde estão Moscou e São Petersburgo, grande parte dos russos é branca e loira. Mas, em diversas áreas do interior do país, como perto da fronteira com o Cazaquistão, a população tem traços asiáticos".
Dentro da Rússia, uma nação com dimensões continentais, o tempo passado nos trens era longo: cada deslocamento entre cidades chegava a durar mais de 15 horas. E, no trecho entre Ecaterimburgo e Irkutsk, foram dois dias dentro dos vagões, que ofereciam restaurante e bar.
Mas isso fez com que Danilo pudesse vivenciar interessantes interações com outros passageiros.
"Fiz a maior parte da viagem de segunda classe, onde eu dormia em cabines com quatro camas. Os russos costumam ser pessoas frias, não falam muito. Mas, na longa viagem entre Ecaterimburgo e Irkutsk, comecei a conversar em inglês com um passageiro russo. Ao saber que eu era brasileiro, ele me chamou para beber com ele, trazendo para nós, na cabine, garrafas de vodca e algumas cervejas. Ficamos batendo papo e enchendo a cara até as duas da manhã. Os russos também podem ser divertidos".
Na fronteira, problemas com passaporte
Após deixar Irkutsk, Danilo pegou um trem rumo a Ulan Bator, a capital Mongólia.
E, na divisa entre a Rússia e a Mongólia, enfrentou um dos grandes perrengues da viagem.
Quando o trem chegou na última cidade russa antes da fronteira, desci com outros turistas do vagão para almoçar. E também tomamos algumas cervejas. Quando regressamos ao trem, oficiais de imigração russos levaram nossos passaportes embora, para carimbar nossa saída do país. E eles disseram que não poderíamos descer do vagão até que eles voltassem.
Não bastasse a tensão de ter seus passaportes nas mãos de autoridades em uma fronteira, ele e os outros viajantes enfrentaram um outro problema: a vontade de fazer xixi.
"Só que eles demoraram horas para retornar. Por causa da cerveja, todos começamos a ficar com muita vontade de ir no banheiro. E os banheiros a bordo estavam trancados naquele momento. Foi desesperador. Uma turista começou a chorar. Tivemos que urinar em garrafas de plástico".
Depois desse trauma, porém, a viagem ingressou na Mongólia, um país que Danilo adorou.
"A população de lá é extremamente acolhedora. E, no trajeto, tive tempo para desembarcar e fazer vários passeios", relata.
O brasileiro, por exemplo, fez um tour com um motorista por lugares ermos do interior do país, onde interagiu com nômades, dormiu nas tendas típicas dessa população e admirou cavalos selvagens correndo livremente entre montanhas. Além disso, teve a chance de cruzar de carro parte do deserto de Gobi, famoso por suas gigantescas dunas.
Finalmente, China
E, depois, foi a vez de pegar um novo trem para cruzar a fronteira com a China.
"O norte da China, por onde entrei, é um lugar lindo, cheio de montanhas. E um dos primeiros locais que pude visitar no país foi a região da cidade de Datong, onde há enormes estátuas budistas dentro de grutas. É um destino incrível".
Após Datong, Danilo pegou o último trem até Pequim, onde a aventura ferroviária terminou.
A jornada foi longa e cansativa, mas, para ele, valeu cada um dos milhares de quilômetros percorridos.
"Para mim, o trem é o melhor meio de transporte para fazer turismo. Os vagões costumam ter espaço para você deitar, caminhar, comer e dormir com relativo conforto. E oferecem janelas de onde dá para curtir com calma as paisagens em volta. É uma pena que o Brasil seja um país com poucas opções de viagens de trem", diz.
Recomendo que os brasileiros conheçam um dia essa rota ferroviária. Mas é preciso ter disposição para percorrer ela.
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