Almôndegas com macarrão? Nem sempre foi assim. Conheça a história do prato
Das receitas mais versáteis com carne, a almôndega com certeza ocupa o primeiro lugar no pódio. Como ingredientes, valem aparas de cortes de aves, bovino, suíno, ovino — até mesmo leguminosas e vegetais podem ser usados para integrar parte ou a integralidade da massa, no caso de uma versão vegetariana.
Para temperar, ervas, especiarias e aromáticos da preferência do cozinheiro. Em sua finalização, as bolinhas aceitam forno, fritura e cozimento em caldos e molhos; muitas vezes combinando dois tipos de cocção.
"Mais que uma receita, a almôndega é uma técnica", define Fernanda Zacarias, chef formada na escola italiana de cozinha Alma, em Parma, e sócia da Ragú Rotisseria, em Curitiba.
"Assim como o ragu e os recheios de massa, a polpetta faz parte dessa criatividade italiana de transformar sobras em algo especial, sem parecer que seja reaproveitamento", diz.
Como princípios para criar uma receita de almôndega, Fernanda elenca o blend de carnes bovina e suína e miolo de pão úmido e/ou ovo para dar liga. Cortes bovinos mais magros, como patinho e músculo, podem ser combinados à paleta, pernil ou copa lombo suína para agregar sabor e um pouco de gordura. Caso a composição tenha muita gordura, as almôndegas vão se desmanchar na frigideira ou panela quente.
Além de dar liga à massa, o miolo de pão umedecido no leite agrega umidade e um leve aumento de volume. "Às vezes hidrato o miolo de pão francês no caldo de carne para dar mais sabor às almôndegas", diz Mário Rabelo, sócio e cozinheiro do Generoso Burger, em São Paulo. "Tem quem use farinha de rosca na massa ou passe as almôndegas na farinha panko antes de dourar na frigideira", indica.
Quando criança, eu ia ao açougue comprar 20 almôndegas para minha mãe preparar no almoço. Ela fritava por imersão e servia com molho de tomate e macarrão", recorda Mário.
Quando começou a cozinhar para si, ele passou a preparar as almôndegas em casa e usa coxão duro como corte principal da receita, pelo corte ter gordura entremeada às fibras da carne. Essas almôndegas fizeram parte de um sanduíche sazonal do Generoso Burger no inverno de 2021, cuja receita está ao final desta matéria.
Almôndegas na História
Eternizadas pelo cinema norte-americano como o par perfeito do espaguete ao sugo, as almôndegas, na verdade, surgiram do outro lado do Atlântico, em uma época em que a Itália sequer era imaginada.
O primeiro registro de carne moída temperada e modelada é de origem persa, preparada com carne ovina, e foi incorporada pela cozinha árabe ao longo dos séculos. A kafta, irmão mais velho do hambúrguer e da almôndega, foi disseminada pelos muçulmanos árabes na Europa principalmente entre os séculos 11 e 13, durante as Cruzadas. Quando esta carne moída ganhava a forma de bolinhas, era chamada de banâdiq, uma adaptação da palavra árabe albunduq (avelã, em árabe), usada para designar o que fosse pequeno e redondo.
Ainda que a Península Ibérica tenha sido retomada pelos exércitos cristãos após o domínio dos árabes, a cozinha desse povo permaneceu na região. É lá que a grafia do prato continua o mais próxima do original: almôndegas em Portugal e albóndigas na Espanha.
Nos séculos seguintes, outros registros de bolinhos de carne passaram a ser feitos por diferentes culturas alimentares, podendo terem sido desenvolvidos de forma contemporânea e paralela à banâdiq.
O tempero de cada país
Na Itália, a polpetta é costumeiramente feita combinando cortes suíno e bovino, e servidas como segundo prato.
O espaguete ao sugo com almôndega dos americanos é uma heresia para os italianos", diverte-se Fernanda.
"O ziti, da região do Abruzzo, é a única receita de polpettini com massa que me recordo", diz Fernanda. Nela, a massa seca longa, com um furo no meio, vai ao forno com mini almôndegas, do tamanho de azeitonas. Como tempero preponderante, a noz-moscada ralada na hora. Em vez de massa, as polpettas fazem parte do secondo piatto e geralmente servidas com purê de batatas, batata assada, ervilha ou fava — sempre algum tipo de vegetal.
O purê de batata é o acompanhamento comum às almôndegas alemãs — preparadas com anchovas e cozidas no caldo de carne com raiz forte — e às suecas, como as famosas almôndegas da loja de móveis Ikea, que leva um pouco de shoyu e mostarda Dijon na massa. Ambas as receitas estão ao final da matéria.
Já no Brasil, criou-se o aumentativo da polpetta: o polpettone, servido com massa. O preparo requer mais experiência nas panelas, porque precisa cozinhar igualmente sem perder umidade.
Nas mesas de boteco brasileiras, as almôndegas podem aparecer como bolinhos de carne fritos, servidos em porções ou no recheio de sanduíches com molhos ácidos, como mostarda ou iogurte, a depender do sotaque desejado. No primeiro, há um toque alemão, enquanto o segundo puxa para o mediterrâneo.
Para tentar recuperar os sabores das primeiras almôndegas, sugere-se experimentar combinar temperos e especiarias usados pelos povos árabes ao preparar carnes piladas na Idade Média.
De acordo com o livro "História da Alimentação", de Jean Louis-Flandrin e Massimo Montanari, usava-se cebola, pimenta, coentro fresco ou seco, canela e gengibre. Para acompanhar, um arroz perfumado com açafrão ou cardamomo.
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