Uma noite no Paradiso: o melhor bar do mundo, segundo a lista 50 Best Bars
Coquetéis que soltam fumaça, pegam fogo, mudam de cor à exposição da luz fluorescente, viram um pequeno iceberg quando despejados na taça, vêm acompanhados de espuma de café, são servidos em conchas, ovos, bolotas, cornucópias e outras taças de formatos improváveis.
A surpresa e o encantamento que maravilham os olhos no Paradiso, em Barcelona, com certeza contribuíram um bocado para que o lugar alcançasse o primeiro lugar da lista 50 Best Bars este ano. Mas ali não é só a beleza quem põe mesa. Há muitos outros fatores que o fazem merecedor do prêmio.
Estive lá em março, com uma turma de jornalistas de vinho e gastronomia animados em conhecer o bar que, então, ocupava o terceiro lugar no rol do 50 Best.
Embora um pouco avesso a listas e premiações, não pude deixar de aproveitar a ocasião e averiguar com olhos, boca, nariz e ouvidos o que faz do bar de Giacomo Giannotti o melhor do mundo.
Para os ansiosos, que buscam recompensa imediata, a primeira (talvez única) má notícia é a de que o bar não aceita reservas. Você precisa enfrentar fila para entrar no paraíso, mas é recomendável guardar os impulsos de querer beber em qualquer outro lugar, pois a espera vale cada gota.
O bar fica escondido atrás de uma loja de pastrami, quase à moda dos speakeasys. Não se trata, porém, de um lugar secreto, em que é preciso ter senha, ser amigo do dono ou da Beyoncé para entrar. Todos são bem-vindos e isso fica claro ao cruzarmos a porta de geladeira que nos divide do primeiro salão.
A equipe é divertida, acolhedora, sorridente, parece genuinamente feliz em bem receber cada pessoa que ultrapassa o portal. Os bartenders dão salves e olás a quem cruza a primeira, onde fica o balcão, uma caverna de formas sinuosas esculpidas em madeira, à moda da arquitetura de Antoni Gaudí, cujas construções gozadas se espalham pela capital da Catalunha.
Giacomo Gianotti, dono do pedaço, está lá, trabalhando como qualquer outro bartender atrás da barra e também espalhando sorrisos. Nascido em Carrara, na Itália, ele começou a trabalhar na sorveteria da família, também chamada Paradiso. Encantou-se com a coquetelaria e escolheu Londres para aprender e aperfeiçoar sua técnica.
Depois de quatro anos na capital da Inglaterra, cansado do fog e do tempo frio e úmido, mandou-se para a ensolarada Barcelona. Trabalhou em bares importantes, ganhou mais de cancha até fundar o Paradiso em 2015, já cheio de ideias revolucionárias.
Coquetéis elétricos e clássicos
Nossa turma é grande e não cabe no balcão, onde sempre prefiro ficar. Somos encaminhados a uma mesa de banquetas altas no limite entre a caverna e o salão do fundo, decorado em vermelho, com ares de inferninho latino. A música é alta. As risadas, soltas. Parece baladinha, apenas não se dança.
Uma garota traz a carta de coquetéis que se ilumina ao ser aberta. Explica alguns preparos e parte da turma opta pelo Kriptonita, o tal que muda de cor e vem servido sobre um porta-copos fluorescente. A mistura traz gim, riboflavina, Electric Liqueur (que causa na boca a mesma sensação das balinhas que explodem), cordial de toranja, bitter de chocolate e óleo essencial de keffir.
Ao ser despejado no copo baixo com gelo em cubo grande, o coquetel de cor verde-limão ganha um aspecto ainda mais elétrico com o efeito da luz. Cítrico e adocicado, é um trago agradável e muito fácil de beber, embora o impacto visual nos faça imaginar como cobaias de algum experimento secreto.
Confesso minha chatura com coquetéis que pulam, rodopiam e cantam "Parabéns a Você". Eu ainda não havia decidido o que beber e buscava na carta algo menos festivo, que se aproximasse da coquetelaria clássica. Aquela necessidade boba de manter a pose, vocês me compreendem?
"Aquele" martini
O Supercool Martini foi uma opção bastante acertada, sem que eu precisasse deixar de lado o caráter lúdico do Paradiso. Afinal, eu também queria um coquetel fora do normal.
Depois de servido na taça, uma pequena dose de água, mantida num refrigerador especial, forma uma torre de gelo, o pequeno iceberg, que logo depois dilui-se no drinque. Tão bonitinho... E muito saboroso.
Sua alquimia é braba. O gim é redestilado com funcho e orégano, tornando-se mais forte, pois parte da água é separada do álcool. O vermute seco, borrifado no final, é macerado com sementes de mostarda. Além de ser um Dry Martini do jeito que deve ser — potente e seco — traz toda a riqueza dos ingredientes herbais no nariz e na boca, completa pela azeitona gordal que o guarnece.
Talvez a azeitona mais polpuda e saborosa que provei na vida.
O Martini de Giacomo ilustra bem sua preferência por ingredientes mediterrâneos (ele ama coentro) e talvez resuma, em um só trago, seu estilo de coquetelaria.
O modo de preparo "supercooling", que vem do mundo da gastronomia, mostra o esmero técnico e a busca pela inovação que envolve o trabalho do Paradiso. Giacomo e a equipe também ministram workshops de coquetelaria pelo mundo.
Uma vez que o caminho da potência estava aberto, eu não podia voltar casinhas e pedir algo na linha doce-azedo, o que seria próprio para o começo da noite.
Busquei outro pancadão e encontrei o Great Gatsby, releitura de Old Fashioned com uísque escocês Macallan 12, mel trufado, amaro e essência de lavanda. É finalizado com defumação de chocolate e tabaco, numa redoma de vidro. Forte, redondo, aveludado e também repleto de aroma.
Mais da metade da turma havia debandado a essa altura, perseguindo a promessa de um sono bom, restando o núcleo duro dos inimigos do fim.
Na saideira, acomodado com mais conforto num sofá da sala vermelha, peço um drinque básico, sem magias, com duas partes de uísque para uma de vermute. O garçom pergunta se prefiro rye ou bourbon no meu Manhattan.
O fato de essa pergunta ser feita revela o cuidado do Paradiso com a coquetelaria, seja ela cheia de perecotecos ou clássica. É um lugar de onde todas as falanges de bebebores saem satisfeitas — a do balado, que se pauta por prêmios e pontuações, e a ala de quem busca o coquetel perfeito (ou tudo isso ao mesmo tempo).
Fui de rye, o uísque americano de centeio, e bebi um dos Manhattans mais bem feitos do planeta, numa elegante tacinha de pé alto.
No momento, o Paradiso esté em fase de transição, despedindo-se de alguns coquetéis e abrindo caminhos para receitas da nova carta, Evolution, que faz referências às conquistas tecnológicas da humanidade.
Vêm mais surpresas por aí, como o Paradiso Express (servido num trenzinho), o On Fire (em que uma dose de Jerez doce fumegante finaliza o drinque) e o próprio Evolution (que aterrisa em uma nave espacial).
Outros bares do 50 Best - e o mais antigo - de Barcelona
Há outros bares de Barcelona na lista do 50 Best, que, na verdade, relaciona os 100 melhores do mundo (o paulistano Tan Tan bar está na 62ª posição). Quem quiser fazer o roteiro dos endereços estrelados, pode continuar a ronda depois de conhecer o Paradiso.
Também estão na lista Sips (3º) e Two Schmucks (7º), mostrando que a cidade não está para brincadeira quando se fala em bar bom.
Giacomo Gianotti ainda é proprietário do Galileo em Barcelona, um cocktail bistro armado em parceria com o bartender Andrea Civettini e com o chef Gabrieli Milani.
Com foco também pronunciado na gastronomia, a casa apresenta pratos italianos e ibéricos em harmonia com coquetéis e vinhos.
Assim como o Galileo, o pequeno Boadas Cocktails não está na lista dos 100 melhores do mundo. Quem ama beber bem, porém, não deve deixar de conhecer esse pequeno pedaço do céu na terra.
Bar de coquetéis mais antigo de Barcelona, o Boadas foi fundado em 1933 por Miguel Boadas, depois de sua passagem pelo templo La Floridita em Havana, Cuba, onde o escritor Ernest Hemingway manguaçava seus Daiquiris.
A partir de 1967, o Boadas passou a ser gerido por María Dolores, filha de Miguel, que recebeu o título de "Reina de la Coctelería" pelo público catalão e internacional. Pablo Picasso, Salvador Dalí, Josep Miró, Federico García Lorca e Hemingway (sempre ele) foram alguns dos que beberam ali.
Mesmo depois da morte de María, em 2020, o bar continua do mesmo jeitinho, com sua longa carta de coquetéis clássicos servidos à perfeição.
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