Mate argentino vira 'modinha' com versão premium, famosos e tour temático
Que tomar o mate diariamente é hábito de muitos argentinos e uruguaios, assim como muitos gaúchos, já sabemos. Mas qualquer turista que visite a Argentina recentemente vai notar que nossos hermanos andam vivendo uma nova história de amor com a bebida.
No metrô, nas ruas, nos malls e até nas cafeterias, as garrafas térmicas e os mates — que é também como os argentinos chamam o recipiente que recebe a infusão de erva-mate, comumente chamado de chimarrão no sul do Brasil — andam sendo protagonistas o tempo todo.
Elaborados em diversas cores, formatos e materiais, em Buenos Aires os kits de térmica e chimarrão estão literalmente por toda parte, acompanhando argentinos dos mais diversos perfis, faixas etárias e classes sociais. Algumas novas marcas estão lucrando bastante com versões mais moderninhas da dupla, em estilo semelhante ao sucesso das canecas especiais para gelar cerveja no Brasil.
E a variedade de ervas-mate nas lojas especializadas, cafeterias e supermercados nunca foi tão grande. Além das muitas marcas historicamente disponíveis, surgiram novas durante a pandemia e agora aparecem cada vez mais versões "premium" da bebida, elaboradas com ervas mais nobres (incluindo opções aromatizadas com flores e frutas para agradar a diferentes paladares).
Por influência e pela saúde
Acredita-se que o novo boom do mate na Argentina nos últimos anos, intensificado durante a pandemia, seja fruto, sobretudo, do avanço da presença da infusão em redes sociais como Instagram e TikTok.
Muitas celebridades e ícones esportivos argentinos — com destaque para o jogador Leonel Messi — compartilham frequentemente como o mate faz parte de sua vida cotidiana.
Além disso, acredita-se hoje que o consumo da erva-mate seja benéfico à saúde por conter vitaminas do grupo B e poder antioxidante, além de fornecer energia e ajudar a reduzir o colesterol ruim.
Até o pó de erva-mate, que por muito tempo se acreditou fazer mal, é considerado um dos componentes mais nobres da infusão, deixando-a geralmente mais suave e espumante.
Nova onda cool
Surfando nessa nova onda, diferentes empresas começaram a lançar novas cuias, garrafas térmicas e marcas de ervas mate com bastante sucesso. Os designers Nicolas Tiferes e Mercedes Buey Fernandez são um bom exemplo: criaram a Mathienzo (www.mathienzo.com) para desenvolver diferentes produtos ligados à cultura do mate.
O nome tem seu significado: MATHI na língua quechua significa abóbora, e Mathienzo é uma gíria do Río de la Plata para dizer 'me dê um mate' de maneira carinhosa — 'me dê um 'mathienzo'", explica Nicolás.
Começaram com um recipiente para a bebida feito de silicone, do mesmo tipo utilizado em bicos de mamadeiras, totalmente flexível e resistente, e em cores chamativas estilo neon (bem diferente dos modelos tradicionais, como os rígidos feitos de casca de porongo). O produto vendeu mais de meio milhão de unidades nos primeiros 4 anos.
Em 2016, vendo os dados de consumo da bebida aumentarem no país todo, Nicolás e Mercedes decidiram focar na produção de uma marca verdadeiramente premium de erva-mate. A erva-mate produzida pela Mathienzo é oriunda de uma seleção especial de colheita manual, sem conservantes ou aditivos químicos, com posição baixa em pó e menor acidez, e apta também a celíacos.
Isso tem seu preço: um pacote de erva-mate Mathienzo de 500 gramas custa cerca de 1000 pesos argentinos (mais ou menos R$ 31 no câmbio oficial atual), quase o dobro do preço das marcas mais comerciais e populares. As versões aromatizadas com frutas e flores, chamadas de Botanicas, custam 1500 pesos em pacotes de 250 gramas.
O principal mercado da empresa ainda é doméstico; mas já exportam para Chile, México, Alemanha, Rússia, Austrália e, em breve, EUA. Cada pacote de erva mate é convertido em uma árvore plantada pelo projeto da Mathienzo com a ONG ReforestArg.
Para turista ver
Recentemente, criaram também workshops para viajantes que querem entender melhor esse aspecto cultural tão arraigado do país — e que andam fazendo o maior sucesso em Buenos Aires.
A experiência, que acontece com grupos pequenos por cerca de uma hora e meia e custa US$ 17 por pessoa (cerca de R$ 86), conta a história do mate ao longo dos séculos, ensina como curar o chimarrão, sugere diferentes maneiras de se saborear a bebida (também agregando flores e especiarias diretamente à infusão) e inclui ainda uma breve degustação de gin argentino aromatizado com mate (criado pelo premiado bar Florería Atlántico) ao final.
A atividade, que acontece no último andar de uma loja no bairro de Belgrano, tem feito tanto sucesso entre turistas estrangeiros — inclusive brasileiros — que já é listada como a atividade número 1 das "experiências airbnb" em Buenos Aires.
A Argentina é hoje o principal produtor e exportador mundial de erva mate. Só em 2019, a produção da erva mate moída e ensacada para o mercado interno foi de quase 280 trilhões de quilos — e estima-se que os números relacionados aos anos da pandemia, ainda não divulgados oficialmente, sejam maiores. Os últimos levantamentos revelam um consumo de cerca de 100 litros de mate (ou 6,4 kg de erva mate) por ano por cada habitante no país.
A produção de erva-mate das províncias de Misiones e Corrientes é tão significativa que está sendo estabelecida ali uma "ruta del mate", com a ideia de unir, nos próximos anos, atividades gastronômicas e de turismo rural à produção e consumo da bebida.
Paixão secular
A árvore originária da erva-mate, de nome científico Ilex paraguariensis, pode alcançar até 16 metros de altura e é geralmente podada apenas duas vezes ao ano. Seu consumo em território argentino data de séculos atrás. O ritual das "rodas de mate" como conhecemos hoje vem dos nativos guaranis, a quem se credita a "descoberta" da utilização da erva mate como infusão para beber.
Os guaranis compartilhavam o mate de maneira semelhante à atual justamente porque suas vidas eram baseadas no princípio da partilha. Utilizaram as folhas da erva mate como preparo para a bebida mas também como objeto de culto (consideravam sua árvore um presente divino) e até moeda para escambo.
Mas o consumo da erva-mate só foi realmente difundido no país pelos conquistadores espanhóis e, posterior e principalmente, pelos jesuítas, que começaram a cultivar a erva em suas próprias missões. Por isso mesmo, durante muito tempo a infusão de erva mate foi conhecida na Argentina como "chá dos jesuítas".
Tempos depois, o mate passou a ser consumido mais frequentemente por camadas mais pobres da população, inclusive como substituto de alimentos em períodos de escassez. Setores mais abastados da Argentina começaram a "olhar torto" e a bebida foi parcialmente marginalizada por um bom tempo - até começar a ganhar novamente a atenção nacional há pouco mais de dez anos.
O ritual do mate voltou a atravessar distintos extratos sociais na Argentina. Como frequentemente dizem os argentinos, "frente al mate somos iguales" (diante do mate somos todos iguais).
O resgate da história de amor dos argentinos pelo mate deu tão certo que virou lei nacional. A lei 26.871 foi sancionada na Argentina em 2013, declarando o mate patrimônio e infusão nacionais. Desde 2015, o dia 30 de novembro foi convertido em Dia Nacional do Mate (data escolhida por ser também nascimento de Andrés Guacurari y Artigas, único governador indígena da história argentina e responsável por importante fomento, produção e distribuição da erva mate nacionalmente).
Como preparar o mate à moda argentina
Segundo especialistas em erva-mate argentina, o segredo para um bom preparo é encher apenas 3/4 do recipiente com erva e sacudi-lo bem, tampando o bocal com a palma da mão. É nesse momento que se pode ver o "rastro" deixado pela erva na mão, comprovando a sua qualidade (quanto menos pó, melhor).
Depois, enviesar o recipiente e deixar um dos lados livre, com menos erva, para receber a água bem ali. Então coloca-se água próxima à bombilla, evitando "molhar" toda a erva de uma vez para que seu sabor se conserve por muito mais tempo.
O próximo passo é começar o ritual de "cebar o mate" (compartilhar o mate entre os presentes, um a um). A figura do "cebador", responsável por ir "reabastecendo" o recipiente de água a cada rodada de mate e entregá-lo a outra pessoa do grupo, é vista como carinhosa, hospitaleira e dedicada.
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