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Viu até jogo da 10ª divisão: o brasileiro que viaja só por causa de futebol

Miguel desfrutando um jogo da quarta divisão do futebol inglês - Arquivo pessoal
Miguel desfrutando um jogo da quarta divisão do futebol inglês Imagem: Arquivo pessoal

Victor Caselli

Colaboração para Nossa

15/11/2022 04h00

Que o futebol é uma paixão nacional todo mundo sabe. E que (quase) todo mundo gosta de viajar, também. Miguel Freitas, natural de Miguelópolis, interior de São Paulo, decidiu juntar essas duas paixões. Criado desde os quatro anos de idade em São José do Rio Preto, Miguel é torcedor do Mirassol, clube da cidade vizinha e sempre acompanhou o esporte de perto.

"O mochileiro da bola" conheceu mais de trinta países só para ver partidas de futebol. Na estrada há cinco anos, ele conta como surgiu a ideia: "Meu primeiro mochilão pela Europa foi em 2017, 19 países e 70 estádios. Sempre tive vontade de ir aos grandes estádios e jogos, porém ficava naquela de quando aposentar, quando juntar uma grande quantidade de dinheiro, foi então no ano de 2017 que resolvi fazer um mochilão pela Europa, e não parei mais".

Apesar de percorrer estádios mundo afora desde 2017, seu perfil no Instagram foi criado apenas em 2019, já que Miguel não se considera empolgado com redes sociais. O nome do seu Instagram é simples e faz total sentido: @omochileirodabola.

A ideia veio de amigos, que incentivam e insistem para que poste mais conteúdo e crie um canal no YouTube.

Desde março de 2020 Miguel mora em Liverpool, na Inglaterra, onde trabalha com entregas por aplicativo. O paulista afirma que sempre planeja tudo antes de ir conhecer um novo estádio: planilha com custos, jogos, rotas alternativas.

Por ter a liberdade de poder escolher seu horário de expediente, às vezes alia o trabalho com o lazer: "Basta apenas ligar o aplicativo e esperar as entregas, quando viajo dentro da Inglaterra vou de carro, e se chego cedo para um jogo, ligo o aplicativo na cidade e acabo fazendo algumas entregas antes da partida".

App ajuda na hora de procurar partidas

O roteiro e a logística de Miguel são feitos com a ajuda do aplicativo "Futbology", no qual através de sua localização o usuário consegue ver os jogos num raio de até 300 quilômetros. "Escolho a cidade ou região que vou viajar, vejo os jogos que acontecerão e a partir daí começo a montar as viagens. Além de olhar os sites das federações e competições com a tabela". Graças à flexibilidade de dias e horários que tem, Miguel sempre planejas suas viagens baseado nas partidas que ocorrem nos lugares que visita.

Entretanto, se não há nenhum jogo na data em que pretende ir a determinada cidade, muda sua agenda só para ver o time local.

MIguel (segundo da esquerda para a direita) e seus amigos na Copa do Mundo na Rússia, em 2018 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
MIguel (segundo da esquerda para a direita) e seus amigos na Copa do Mundo na Rússia, em 2018
Imagem: Arquivo pessoal

Uma semana depois de sua chegada ao continente europeu, a pandemia do covid-19 começou a assolar o mundo. Miguel já tinha comprado ingressos para quatro jogos em solo inglês quando os campeonatos foram paralisados. Todos foram reembolsados até que, quase meio ano depois, o brasileiro pôde voltar a frequentar estádios.

Foi um período muito difícil, fiquei cinco meses sem assistir a nenhum jogo, em um país novo onde não conhecia ninguém. Aos poucos começaram a liberar atividades ao ar livre, e comecei a frequentar jogos da 8ª até a 10ª divisão inglesa.

Pouca cantoria e torcida tímida

Apesar de morar na Inglaterra há dois anos e ter conhecido todos os estádios da primeira até a quarta divisão inglesa, Miguel se frustrou com o ambiente futebolístico no país onde o esporte foi inventado: "A Inglaterra no geral foi bem decepcionante, pela fama dos hooligans eu esperava bem mais cantoria nas arquibancadas", lamenta, ao se referir aos torcedores britânicos mais animados, por vezes violentos e agressivos.

Mas foi também na Europa onde ele teve suas melhores experiências: "A Champions League é a melhor delas. Já fui em diversos jogos desde a fase de grupos até a semifinal, porém meu grande sonho é um dia assistir à final, tento desde 2017 ser sorteado", diz sobre o torneio interclubes mais importante do Velho Continente.

Miguel no estádio do Borussia Dortmund, na Alemanha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Miguel no estádio do Borussia Dortmund, na Alemanha
Imagem: Arquivo pessoal

Se a Inglaterra não cumpriu com as expectativas, a Alemanha foi o país que Miguel mais curtiu. "Em quesito de campeonato nacional, a Alemanha me chama mais a atenção, a torcida apaixonada, pode beber nas arquibancadas, a comida tradicional deles. Já fui em alguns estádios lá e pretendo visitar mais". Um desses estádios em que Miguel esteve é o do Borussia Dortmund, o "principal estádio que queria conhecer".

E foi justamente lá onde ele sentiu o desespero bater: "Tinha comprado o ingresso online e me enviaram por correios na casa do meu primo em Portugal, porém eu já estava na estrada e não recebi. Então eu tive a brilhante ideia de ele me mandar por WhatsApp e eu imprimir numa papelaria".

Miguel e outros torcedores no estádio do Borussia Dortmund, na Alemanha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Miguel e outros torcedores no estádio do Borussia Dortmund, na Alemanha
Imagem: Arquivo pessoal

Entretanto, Miguel não esperava que a tática não fosse funcionar: "Na hora que eu fui entrar no estádio, não deu certo, eu comecei a entrar em desespero. Me mandaram para um guichê de ingressos, e a mulher reimprimiu. Quando entrei no estádio foi uma sensação de alívio e de objetivo alcançado."

Apuros na Polônia e na República Checa

Apesar de Miguel afirmar ser um rapaz relaxado e nunca ter se sentido muito preocupado ou com medo durante as viagens, houve perrengues que o fizeram "pensar em desistir e refletir o que estava fazendo da vida". O torcedor do interior paulista conta que em uma viagem de trem da Polônia até a Alemanha teve que dormir no chão do vagão.

"Quando fui comprar a passagem a mulher falou algo para mim, e eu só respondi OK. Não tinha entendido direito, só queria chegar no meu destino. Na hora de entrar no trem eu entendi o que ela estava tentando dizer, o trem tinha cadeiras marcadas, e um trecho de aproximadamente 5 horas de viagem eu não teria lugar pois estava lotado. O trem era meia-noite, tive que ir dormindo no chão do corredor", relembra.

O mochileiro da bola com suas mochilas no Aeroporto de Barajas, em Madri - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O mochileiro da bola com suas mochilas no Aeroporto de Barajas, em Madri
Imagem: Arquivo pessoal

Mais duas situações inusitadas ocorreram na República Checa. Em uma delas, Miguel estava viajando de ônibus de Salzburgo, na Áustria, até Praga. Ao chegar na capital checa, se deu conta de que havia perdido seu passaporte.

"Após cinco minutos de pânico, mantive a calma e pensei o seguinte: era um ônibus de linha, de cidade para cidade, eu sabia que o mesmo ônibus que eu fui para Praga, iria voltar para Salzburgo, era só saber qual horário e ficar no ponto esperando ônibus."

Porém, Miguel teve problemas de comunicação por causa do idioma: "Na época não conseguia me comunicar em inglês, tentei conversar no guichê da empresa para aonde iam os ônibus, em vão.

Uma hora desisti, fui dar uma volta na cidade até dar o horário de ir para o ponto e encontrei uma garagem cheia de ônibus, procurei por uns minutos e achei o ônibus da companhia que eu tinha vindo. Bati na porta, o motorista estava limpando os bancos e já veio entregando meu passaporte", completa.

A outra história que ficou marcada em sua memória também tem a ver com o transporte público checo, quando foi assistir a uma partida no interior do país.

"Peguei um trem de Praga para o interior, porém desci na estação muito longe do estádio, não existia nada perto e o jogo estava para começar. Saí correndo tentando encontrar alguém e do nada surgiu um táxi. Eu só entrei e falei que queria ir pro jogo, a mulher falou que ia ter que levar alguém em outro lugar, mas depois me levaria pro estádio. Na hora que chegou no estádio eu não tinha a moeda deles, ela não aceitava euros, eu tinha umas moedas, joguei para ela, ela meio que falou: "Vai meu filho, vai ser feliz" e cheguei cinco minutos depois de o jogo começar".

37 países e contando

Miguel já teve a oportunidade de visitar 37 países. Em 32 deles, esteve presente em partidas de futebol. Foram três continentes em cinco anos até aqui: África, Europa e América do Sul. Foi em nosso continente que vivenciou um dos jogos mais marcantes de sua aventura ao redor do mundo: a final da Copa Sul-Americana de 2019, em Assunção, no Paraguai, entre Colón da Argentina e Independiente del Valle do Equador.

"Foi jogo único, e o Colón nunca tinha chegado em uma final. Eles invadiram o estádio, só tinha torcida deles, foi muito marcante". A equipe argentina saiu derrotada, mas a festa dos torcedores é um dos motivos que fazem Miguel querer assistir jogos em terras hermanas.

"No campeonato argentino todas as torcidas são apaixonadas e eu nunca assisti jogos lá. Outra torcida que eu não sabia que era fanática e acabou me surpreendendo foi a do Vitória de Guimarães de Portugal", afirma.

Miguel no meio da torcida do Colón de Santa Fé  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Miguel no meio da torcida do Colón de Santa Fé
Imagem: Arquivo pessoal

O mochileiro da bola não sabe quanto gastou ao todo nesses cinco anos de aventura, já que "vai trabalhando e se mantendo durante as viagens", mas calculou o valor de sua ida à Rússia em 2018, na última Copa do Mundo.

"Eu e mais quatro amigos ficamos 20 dias viajando, visitamos Espanha, Finlândia, Estônia, Rússia e Malta, fomos em seis jogos da primeira fase, e gastamos por volta de R$ 13 mil reais cada, incluindo passagem, hospedagem, comida e bebida. Ficou barato em relação ao que todos imaginam."

O brasileiro se sente privilegiado em poder realizar seus sonhos: "Quando vou a um estádio novo gosto de ficar observando a arquitetura e imaginando o tanto de história que já aconteceu ali. Sempre penso que tudo o que sempre sonhei foi estar ali. Um amigo brinca que eu não tenho noção do que estou vivendo, pois o sonho de muitos em assistir um jogo de Champions ou Premier League, é o meu dia a dia, pois toda semana estou em um jogo desses."

MIguel (segundo da esquerda para a direita) e seus amigos na Copa do Mundo na Rússia, em 2018 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
MIguel (segundo da esquerda para a direita) e seus amigos na Copa do Mundo na Rússia, em 2018
Imagem: Arquivo pessoal

Mas ele sabe que sozinho sua missão seria mais complicada e sempre que precisa busca ajuda para poder conhecer novos estádios: "Existem alguns grupos no Facebook onde os torcedores ajudam, são sócios e membros dos clubes que não podem ir e acabam repassando os ingressos pelo valor original, sem revenda e cambistas. Alguns jogos já pedi pra jogadores brasileiros através do Instagram, embora seja muito difícil, alguns respondem, principalmente os times de menor expressão", termina.

Miguel também estará presente na próxima Copa do Mundo do Qatar, onde ficará uma semana e assistirá a jogos nos oito estádios que sediarão o Mundial.

Qual é a próxima meta do torcedor do Mirassol? Ver partidas de futebol em todos os 211 países filiados à Fifa. Estamos na torcida.