Como é (e quanto custa) comer no melhor restaurante da América Latina
Usar a metáfora de uma montanha-russa pode ser um clichê enorme para falar do Central, o restaurante peruano que ganhou (pela quarta vez) como o melhor da América Latina na última edição dos 50 Best.
Mas é difícil buscar uma analogia melhor para explicar o trabalho sobre altitudes que fazem os chefs Virgilio Martínez e sua esposa e sócia, Pía León.
Dos lingueirões e algas que vivem no nível do mar às dezenas de batatas nativas cultivadas nos Andes a 4.200 metros, o menu do restaurante é uma viagem crescente (e descendente) pelos biomas do país.
Uma forma que os chefs encontraram de mostrar toda a biodiversidade que preserva o país que se tornou um destino gastronômico internacional — é difícil alguém que ame comer que não tenha o Peru como um dos primeiros países a visitar na lista.
Cozinha superlocal
E o Central como desejo número 1. Desde 2013, quando abriu, o restaurante ganhou, mais que prêmios, o reconhecimento do público e da crítica por seu trabalho único e autêntico que mostra uma cozinha superlocal. Conseguir uma reserva pode levar até seis meses.
Isso porque o Central foi um pioneiro a criar metodologias de investigações sociológicas e botânicas para desbravar os altiplanos, o Valle Sagrado e a Amazônia atrás de entender não apenas os ingredientes de cada um desses biomas, mas como os povos tradicionais criaram maneiras e técnicas de consumi-los.
Não é exagero dizer que o restaurante mudou a forma de outros colegas trabalharem na América Latina, valorizando o que têm em seu entorno, buscando dar mais destaque ao que têm no quintal.
E depois traduzi-los para os pratos criativos que eles criam, claro. Em um deles, por exemplo, batatas e outros tubérculos nativos são assados em um pequeno forno feito com uma argila comestível usada por séculos pelos povos andinos, com os Quechua.
Também surpreende o uso de ervas e plantas até então apenas medicinais (receita das pelos xamãs) usadas como ingredientes nas mãos dos chefs do restaurante.
Ingredientes raros
A busca por produtos muito específicos é algo que beira uma obsessão ali: não existem trufas no menu, muito menos caviar.
Mas espere umas pequenas bolinhas verdes escuras (na realidade cianobactérias encontradas em lagos de altitude) boiando em um preparo com peixe: com sabor doce à clorofila, dão um toque único ao prato.
Os menus-degustação no Central (entre R$ 700 e R$ 1.400) surpreendem com ingredientes desconhecidos, sabores inesperados e uma estética surpreendente e muito apurada: coloridos, com formatos inusitados, parecem emular seres de outros mundos.
Outro dos pratos, por exemplo, une uma variedade de melancia com pacu e folhas de coca. Do Valle Sagrado vêem a couve-flor e cherimoya que compõem uma das sobremesas que une produtos que dificilmente se encontrariam na receita de outro chef.
Cacau total
Mas um dos pratos mais impressionantes é o que destrincha o cacau Chuncho peruano. O chef serve tudo: uma geleia feita da mucilagem, um "chocolate" feito com a casca (que é descartado), além das sementes e das fibras. Tudo é aproveitado, tudo é delicioso.
Para acompanhar, há também um chocolate quente feito com o cacau que é torrado e processado por eles no próprio restaurante. Aliás, muitas das bebidas servidas são feitas ali, como um tipo de amaro com 12 botânicos cultivados a 3.685 metros de altitude.
Para abrir o apetite, o sommelier Diego Vásquez serve um coquetel fresco de melão-pepino que depois adiciona uma colher de cordial de alface do mar: em segundos, o líquido muda de um amarelo para um verde escuro no copo, como mágica.
O serviço também dá conta de reproduzir tanto conhecimento: antes de ia para a mesa, uma das atendentes mostra os produtos em uma bancada de mármore, onde os clientes podem não apenas ver o que estará no seu menu, mas também tocar, cheirar. Faz toda a diferença
Na experiência peruana que tentam trazer para as quatro paredes de seu restaurante elegante e arejado no artístico bairro de Barranco, Martinez e León nos colocam dentro de um simulador 4D da gastronomia peruana onde todos os sentidos são explorados. É impossível não sentir um frio na barriga de vez em quando.
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