SPFW N54: renascimento, origens nordestinas e kpop foram temas do 2º dia
Na edição anterior da São Paulo Fashion Week, que aconteceu em junho, João Pimenta celebrou um velório em sua apresentação. Nesta quinta-feira (17), no entanto, ele celebra o renascimento. Tanto o período da história, quando a humanidade volta a enxergar a luz após a época das trevas, como o ato de voltar à vida.
O estilista fechou o segundo dia da semana de moda colocando a anatomia humana, nua e crua, na passarela. As vísceras ficaram aparentes em visuais cujas silhuetas eram amplas, bufantes e arredondas, com uma alfaiataria desconstruída e cheia de drapeados. Casacos com ombros marcantes deixavam à mostra camisas com cordões e estampas avermelhadas, como se estivéssemos vendo a profundidade do corpo dos modelos.
Inicialmente branca e off-white, com detalhes em vermelho, a coleção de moda masculina usou sarja acetinada, tule de malha, tafetá de seda e poliéster, zibeline e nylon para construir visuais que pareciam emergir tanto do útero de uma pessoa como de uma sala de bailes da época renascentista. Visto que, na edição anterior, a coleção fúnebre seria uma espécie de velório para o Brasil, os looks mostrados nesta quinta-feira (17) país que, mesmo ferido, estaria voltando à vida.
Porém, ao longo da apresentação, a paleta foi caminhando para o salmão, rosa, bege e terracota até tomar tons mais sombrios, com bordô, vinho e roxo. O volume dos ombros e pernas caem em camisas fluídas que contrastam com peças em matelassê e casacos de jacquard. O goticismo da apresentação anterior dá as caras. Como se João Pimenta quisesse nos lembrar que, mesmo quando renascemos, a morte sempre está por perto.
A marca é conhecida por colocar em corpos masculinos elementos tidos como femininos. Rendas e saias estavam nas passarelas de João Pimenta muito antes de Harry Styles ficar popular. Desta vez, ele colocou inclusive um look incluindo minissaia de cintura baixa, item que está de volta ao guarda-roupa por conta do revival dos anos 2000, e top combinado com uma capa volumosa.
João Pimenta não foi o único destaque deste segundo dia de São Paulo Fashion Week. O nordeste também esteve na programação: Misci trouxe a força da indústria, DePedro quis transformá-lo em um mar de contradições e TA Studios imaginou uma visita de ídolos de k-pop à região do país. Eles se inspiraram nas cores, na cultura e nos trabalhos manuais da região para mostrar a importância dos nossos costumes e regionalismos. A marca de Gisele Caldas mostrou, ainda, que nem mesmo a globalização e a hallyu, onda da cultura coreana, conseguem lavar a influência da produção da região do país em nossa estética.
Veja o que mais rolou nesta quinta-feira (17) na SPFW:
Misci
Pouco antes de abrir o segundo dia da SPFW, a marca já tinha se tornado assunto por ter assinado a camisa usada por Janja, a próxima primeira-dama do Brasil, em entrevista ao "Fantástico", da Globo. A mulher de Lula foi convidada para o desfile, que aconteceu nesta quinta-feira (17), na Sala São Paulo, no centro de São Paulo (SP), mas não pôde comparecer por estar na COP 27, no Egito. Giovanna Ewbank, João Guilherme e a ex-BBB Mariana Gonzalez estiveram, no entanto, na passarela da marca.
Com a coleção intitulado Jerimum, o mato-grossense Airon Martin buscou mostrar o design que surge de elementos da cultura popular, que busca referências regionais de diversas partes do país e as transforma em uma estética autoral e contemporânea, sem negar suas raízes. Foram desfilados 44 looks cujos materiais como seda, algodão e jeans receberam recortes de couro, superfícies em jacquard e estamparias.
Outro ponto de partida de Airon foi a indústria automobilística dos anos 1970 e 1980, mais especificamente o interior dos carros de luxo que ganhavam detalhes em nogueira brasileira. Eles inspiram as estampas da coleção e buscam mostrar a força e a importância da indústria em país conhecido por exportar majoritariamente commodities. "Quero mostrar e afirmar que o Brasil é e pode ser visto ainda mais como uma indústria pensante, criativa e autêntica, e não só como parte da cadeia de suprimentos de produtos de valor agregado", diz o estilista. Assim, por volta de 90% do material utilizado na coleção é, de acordo com a marca, de produção própria. Os jacquards são de fornecedores nacionais com produção no país, assim como a organza e o couro.
Lilly Sarti
A marca, uma das mais tradicionais do calendário da semana de moda de São Paulo, desfilou no shopping Iguatemi a coleção cápsula Lilly Sarti Desires, marcada por peças de glamour étnico, que flerta com a estética de povos como os Incas, do Peru, e os Azeris, do Azerbaijão. No desfile que aconteceu no shopping Iguatemi, o casting era estrelado, com a veterana Isabella Fiorentino e Isabelle Drummond, que volta para a passarela da SPPFW depois de quase 10 anos.
Elas desfilaram visuais que contrastavam a leveza com o peso de ouro antigo, em uma riqueza têxtil e visual. Vestidos amplos, completamente transparentes, vieram combinados com conjuntos de blusa e hotpant. Blusas com babados, em decote transpassado, ganhavam forma com o uso de cintos semelhantes a corrente, que marcaram uma cintura mais alta do que o comum. A mesma corrente estava presente em chokers largas, com mistura de diferentes texturas e enlaces.
As peças também tinham esse peso nas barras dourados, em referência ao futurismo dos anos 1960. A coleção teve, ainda, peça única em tecido brilhante e blazer em jacquard de design exclusivo, em uma livre interpretação das tapeçarias do Azerbaijão.
Relow
A marca do grupo Lilly Sarti, com direção criativa de Renata Sarti, reuniu na passarela shapes amplos e confortáveis com duas coleções diferentes: uma feita em colaboração com a influenciadora Jordanna Maia e outra com o ator Jesuíta Barbosa.
O arco-íris de fitas cassete são estampas de meias, mas também a paleta de cores da coleção, que uniu estampas divertidas com xadrezes e animal print. As sobreposições, dignas de protagonistas de filmes da Sessão da Tarde, incluiam camisas por baixo de camisetões largos, arrematados com coletes "de vovô". Havia também jaquetas e camisas oversize amarradas na cintura, como um acessório, e conjuntos de bermuda com terceira peça. O cinto de faixa, um clássica da moda do skate, estava segurando as calças, mas também por cima das camisetas e até como braceletes. Uma moda nostálgica, mas essencialmente geração Z, em que ser esquisito é legal. Pronta para o Tik Tok.
DePedro
O estilista Marcus Figueirêdo faz a sua estreia presencial na SPFW com a coleção Contradição, que pretende levar o mar ao sertão nordestino, em uma alegoria da dualidade do homem do Nordeste. A marca de moda masculina nascida há cinco anos buscou, no desfile desta quinta-feira (17), expor que a região não é sinônimo de carência e falta, mas de potência e de talento. Por isso, mostrou, com abertura do cantor Vitão, 40 looks unindo a alfaiataria ao feito à mão.
Crochê, franjas, bordados e outros tipos de trabalhos manuais sobrepõem-se à silhueta tida como rígida e o suprassumo do elegante. Nesse contraste e contradição, Figueirêdo faz uma referência às linhas da vida e do tempo que o povo nordestino carrega em sua história, em seu próprio corpo.
As cores da coleção também contam uma história: os tons de vermelho, branco, prata e azul fizeram um degradê de nuances, traduzindo a alma do povo nordestino. Os vermelhos simboliza a coragem, a força, os brancos a luminosidade e o prateado e azuis são a profundidade e a luz do mar.
Destaque para a logomania com o termo "Nordeste", para estamparia autoral, criada a partir de ilustrações em aquarela do artista Daniel Torres, e para as bolsas artesanais, em formato aproximado do mapa nordestino.
TA Studios
Como seria se os grupos de kpop BTS ou Blackpink se encontrassem com ícones do sertão nordestino? E se eles fizessem uma colaboração com músicos do tecnobrega? Este é o ponto de partida da coleção apresentada pela estilista Gisele Caldas em seu "debut", para usar a terminologia do k-pop, após participar do projeto Sankofa.
A globalização e a ideia de que vivemos em um quintal global permeiam as novidades da marca, conhecida por sua alfaiataria leve e sustentável. A apresentação, inicialmente, tinha a trilha sonora de "Terra", de Caetano Veloso. Mas um tilt fez com a música desse lugar a "Louder than Bombs", canção do grupo coreano BTS, que ganhou versão tecnobrega, assim como "Pink Venom", de Blackpink.
A brincadeira com a música é apenas uma forma de representar o abraço globalizado que inspirou as roupas da coleção. Ternos e casacos confortáveis, como se você tivesse "acordado assim", eram alinhados com bermuda biker bicolor e calças de algodão. Tons como o verde musgo, o preto e o branco coloriam visuais minimalista, monocromáticos. Mas a estampa também tinha vez: vegetações e grafismos, representando o folclore do sertão nordestino, figuraram em camisas, kimonos e conjuntos com bermudas. As artes foram assinadas pela artista plástica Mari Salmonson. O trabalho manual da região esteve presente, ainda, em acessórios feitos com maxi-tricô.
Além da alfaiataria leve, a marca disponibilizou uma camiseta com estampa para fãs do BTS, com a frase "J-Hope Marry Me", cuja renda vai ser revertida para projetos de ajuda a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
Another Place
A desilusão amorosa e a experimentação da sexualidade estavam presentes no desfile da marca recifense, cujo estilo é assinado pelo diretor criativo Rafael Nascimento. Com frases como "Ninguém vai amar nessa porr*" e "Acabou o amor" como trilha sonora, a apresentação intitulada "Love Hurts" voltou a mostrar visuais góticos, mas ainda mais fetichista.
Os modelos, com make que simulavam uma cara de choro, com bochechas vermelhas e delineador escorrido, apareciam com harness por cima de ternos, conjuntos de couro e sobreposição de vestido de rendas pretas com paetê. A cintura baixa, com cós cavado, foi um tema para as calças, junto com os modelos cargos, bem amplos, ou com punhos fechados na região do calcanhar. Assim como nos armamos enquanto sofremos por amor, os looks tinham armaduras em formato de corpetes, seja de couro ou em jeans, e em tops em malha de metal.
As bombers, uma marca registrada da etiqueta, estavam presentes. As sobreposições incluíam saias por cima de bermudas bikers, tops em recortes orgânicos, quase como feitos em casa, para qualquer gênero. A paleta era sóbria, majoritariamente preto, prata e azul metálico. Mas as cores leves e a transparência tiveram vezes também em camisões com estampas abstratas. O psicodelismo esteve presente, principalmente como acabamento para os looks em jeans. Por fim, o coração surgiu na passarela fora do peito. Em vez de ser carregado na manga, ele estava em uma bolsa em formato do coração anatômico, em uma alça de corrente, preso enquanto a gente se recupera de uma desilusão amorosa.
Buzina
A marca portuguesa de Vera Fernandes é conhecida pelo minimalismo, porém, ao desembarcar na América Latina em sua estreia na SPFW, ela decidiu fazer diferente. Deixou os tecidos planos para apostar em visuais vibrantes, estampados combinados com joias maxis e coloridas.
A estilista se inspirou no glamour dos anos da era de ouro da década de 1950. Trouxe o brilho, o exagero e a feminilidade exacerbada nos looks que pareciam feitos para bonecas perfeitas. As estampas, lineares e quadriculares, vinham em tonalidades como o rosa e o lilás. Blusas com mangas bufantes, saias balonês e vestidos com a cintura deslocada, com franjas nas costas, complementaram a proposta. Túnicas, muito presentes nas coleções da Buzina, ficaram volumosas por conta da sobreposição com saias super rodadas. Lenços amarrados ao pescoço faziam as vezes como gola armada.
Uma das propostas da marca é fazer roupas de tamanho único, que se adaptariam a diversos tipos de corpos e manequins. Ironicamente, no entanto, não havia nenhuma modelo gorda no casting do desfile para colocar a proposta à prova.
Modem
A marca fez a sua nona participação na SPFW, mais uma vez no formato digital. A coleção Visual Transformation, pensada para o inverno de 2023, se inspira em personagens de videogames dos anos 1990 e 2000 para montar uma alfaiataria contemporânea, que se assemelha a roupas de super-heróis, com modelagem criativa e arquitetônica.
As calças estão com as bocas largas, combinadas com sapatos de bico pino. Ilhós marcam bem a cintura tanto em vestidos de comprimento midi como em ternos e trench coats. Volumes exagerados, repartidos em recortes e pregas, fazem contraponto com a leveza do crepe trabalhado em peças com detalhes sobrepostos.
O cáqui, branco e preto fazem parte da cartela de cores bem típicas do inverno, mas a Modem traz também sugestões em cores vibrantes como o azul, vermelho e o rosa. O xadrez também surge para colorir em peças como um poncho repaginado com a silhueta bem arquitetônica.
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