Qatar: estrangeiros vivem em 'bolha' com festa, bebida e dança até o chão
Quem vê a Copa acontecendo no Qatar, colocando em foco a cultura árabe e as regras de um dos países mais conservadores do mundo, não imagina que cerca de 90% da população do lugar é formada por estrangeiros.
O enriquecimento por lá é recente, aconteceu na década de 1970, quando o país descobriu que tinha as maiores reservas de gás natural do mundo, podendo fornecer para outros países e se tornar a potência que é hoje.
Na época, os qataris se viram sem mão de obra qualificada para colocar em prática os projetos ambiciosos de crescimento e o momento abriu portas para a chegada de estrangeiros de todo o mundo — que, mesmo não detendo a maior concentração de renda, encontram vantagens para se estabelecerem no Qatar.
Leila Martinez, guia de turismo brasileira licenciada no Qatar, sabe bem como isso funciona. Ela se mudou com a família para o país há 10 anos, quando surgiu uma oportunidade de trabalho para o marido, que é piloto de avião.
O salário é livre de impostos para qualquer pessoa, o sistema de saúde é subsidiado pelo governo e ela conta que a maioria dos contratos de trabalho inclui uma verba para a educação dos filhos caso eles não queiram ingressar na escola pública muçulmana. Os filhos da Leila, por exemplo, estudaram nas escolas americanas de Doha.
Num país conservador, onde a maioria da população é formada pela comunidade internacional, parece estranho que os qataris não se incomodem com a ocidentalização do lugar. Mas Leila explica:
Eles ainda precisam dos estrangeiros para executar os projetos do país. Então, não se incomodam desde que a gente siga as regras. E quando alguma regra é quebrada, eles educadamente nos orientam de que estamos fazendo algo que não é permitido"
As regras às quais Leila se refere são as mais comuns do dia a dia, como se vestir de forma modesta e não demonstrar afeto entre casais em público. Mas existem regras rigorosas ligadas às leis islâmicas do país.
A homossexualidade é crime, podendo render de 7 a 11 anos de prisão. Bebida alcoólica também é proibida, portanto a venda é restrita a estabelecimentos não muçulmanos que pagam uma licença para comercializar. No caso da carne de porco, a mesma coisa. E as mulheres ainda vivem sob um sistema de tutela masculina no qual devem ter permissão formal do marido para trabalhar, tirar carteira de motorista ou sair do país com os filhos menores de idade.
A bolha internacional
Um grupo de brasileiros monta uma rede de vôlei na praia para começar uma partida. Ao fundo, amigos de jet ski fazem círculos na água enquanto o sol se põe atrás dos prédios enfileirados um ao lado do outro.
"Isso aqui era tudo mar. Eles aterraram e construíram os prédios e a praia", explica Karina*, uma brasileira que mora há 8 meses na The Pearl, região mais ocidentalizada de Doha e onde vive a maior parte dos estrangeiros.
Sendo uma ilha artificialmente criada, se parece mais com Miami do que com o Oriente Médio, inclusive pela quantidade de iates estacionados na marina, restaurantes e lojas luxuosas. Existe até um serviço que eles chamam de "limusine", para transportar os moradores gratuitamente em carros de luxo pelo bairro.
Sai caro morar aqui, mas me dá mais liberdade. É uma bolha: dá para sair com a roupa que eu quero, usar biquíni e fazer coisas que levam a gente para mais perto da nossa vida no Ocidente" Karina
Entre essas coisas mais próximas da vida no Ocidente, estão as festas.
Uma das mais famosas é a 'The Backyard'. O nome ('O Quintal', na tradução) faz jus ao lugar: um gramado com um palco enorme numa ponta, o bar em outra e, no meio, muito espaço livre e algumas mesas de piquenique com cordões de luz que dão a sensação de se estar no quintal de casa.
Mulheres de minissaia e cropped, homens de bermuda e camiseta. É fácil se sentir em casa, exceto pelo preço da cerveja: uma long neck custa em torno de R$ 50 e, talvez por isso, seja difícil encontrar alguém que tenha bebido além da conta.
Embriaguez ali é só mesmo pela sensação de liberdade. Gays não precisam se esconder, mulheres dançam até o chão e todo mundo canta animado hits dos anos 2000 como se fossem as últimas novidades. Só não pode beijar na boca.
Demonstrações mais afetuosas entre homens e mulheres podem render um cutucão de policiais à paisana, pedindo para diminuir o clima.
Ironicamente, apesar da penalidade grave, não é difícil para casais homossexuais disfarçarem o afeto, já que um dos costumes do país é o de homens andarem de mãos dadas, e até se beijarem no rosto quando são amigos. O mesmo vale para mulheres. Não é difícil ouvir histórias de estrangeiros homossexuais que moram juntos como um casal, mas para a sociedade qatari não passa de amizade.
"Muitos homossexuais acabam vivendo como se fossem amigos. Estão sempre no telefone um com o outro, andam de mãos dadas e até passam o final de semana juntos num resort sem ninguém perceber que são um casal", conta Carol*, uma brasileira lésbica que mora no país há 5 anos e diz ser mais fácil para ela que tem um "jeito mais feminino".
O privilégio internacional de consumir bebida alcoólica também não é tão simples assim. Nas festas está tudo liberado, mas quem quiser consumir no dia a dia, não encontra a bebida no supermercado. É necessário se deslocar até um centro de vendas autorizado, com agendamento prévio e apresentar uma carteirinha de permissão que é concedida aos estrangeiros e não-muçulmanos.
Apesar de mais tolerantes, as regras do país continuam valendo em The Pearl. Bebidas devem ser carregadas em sacos pretos, para que não sejam expostas. Beber na rua, nem pensar. E os policiais e câmeras espalhados por todos os cantos não deixam você esquecer que está sendo vigiado o tempo todo. Assim como em todo Qatar, o jeito é fazer tudo entre quatro paredes.
* Os nomes foram alterados por questão de segurança
O UOL News Copa analisa a vitória da Seleção Brasileira, a lesão de Neymar, Richarlison se tornando ídolo, os primeiros países classificados e mais notícias do Mundial. Confira:
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