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Brasileiro conta como sobreviveu a avalanche: 'Luta contra o tempo'

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

28/11/2022 04h00

No último dia 26 de setembro, o fotógrafo e cinegrafista brasileiro Gabriel Tarso (@gtarso_) acordou em sua barraca no acampamento 3 do Monte Manaslu, no Nepal, e começou a subir as encostas nevadas desta que é classificada como a oitava mais alta montanha do mundo.

No início da escalada, Gabriel estava a aproximadamente 6.800 metros de altitude - e sua meta era chegar, até o período da tarde, ao acampamento 4 da montanha, a nada menos do que 7.400 metros de altitude.

O objetivo da jornada: fotografar e filmar uma expedição de alpinismo que chegaria ao acampamento 4 logo em seguida, rumo ao cume do Manaslu.

Mas o percurso foi bruscamente interrompido: "por volta das 11 da manhã, fiz algumas fotos da paisagem", conta o brasileiro. "Guardei a câmera e parei para me hidratar. Foi quando escutei um estrondo. Olhei para cima e vi uma massa de blocos de gelo e neve se desprendendo bem acima de mim, a cerca de 100 metros de distância".

A avalanche começou a descer, furiosa, na direção de Gabriel.

"Não havia tempo para correr. Então simplesmente me agachei e coloquei minha mochila sobre a cabeça, para me proteger. Na hora, pensei: 'pode ser que minha vida acabe agora'".

Paisagem da montanha Manaslu, no Nepal  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paisagem da montanha Manaslu, no Nepal
Imagem: Arquivo pessoal

O brasileiro sentiu grandes pedaços de gelo batendo contra a mochila e seu corpo, mas, por sorte, ele estava em um local que não foi engolido pela avalanche.

"Tudo terminou em 30 segundos. Porém, depois de me sentir feliz por estar vivo, vi algo que me assustou. Enxerguei, lá embaixo, pequenos pontos pretos no meio da neve. E, de repente, vi um braço se mexendo".

Os pontos pretos eram dois nepaleses que, na hora da avalanche, se encontravam em um trecho da montanha acima de Gabriel e que haviam sido levados montanha abaixo pelo deslizamento, ficando quase totalmente cobertos pela neve.

A última foto feita antes da avalanche no Manaslu - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A última foto feita por Gabriel Tarso antes da avalanche no Manaslu
Imagem: Arquivo pessoal

"Corri na direção deles e comecei a cavar a neve com toda minha força, com a ajuda de outros alpinistas que também correram para o local. Foi uma tarefa exaustiva, pois estávamos a 7.000 metros de altitude. E a gente estava na linha da avalanche, poderia descer mais neve de repente. Era uma luta contra o tempo".

Uma das vítimas estava apenas com seu rosto e um dos braços para fora da neve. E foi retirada dali com vida.

Gabriel Tarso durante escalada nos Andes  - Edson Vandeira  - Edson Vandeira
Gabriel Tarso durante escalada nos Andes
Imagem: Edson Vandeira

Mas o outro (um montanhista nepalês chamado Anup) não resistiu: ele ficou de ponta-cabeça dentro da massa de neve e, quando foi trazido à superfície, estava inconsciente. "Tentamos reanimá-lo durante 30 minutos, mas sem sucesso. Ele faleceu. Foi um momento terrível para mim, ainda mais depois de saber que ele tinha filhos", diz o brasileiro.

O ataque ao cume do Manaslu foi cancelado após a tragédia.

Não conseguimos chegar ao topo da montanha. Mas tive o privilégio de voltar vivo desta viagem.

O brasileiro Gabriel Tarso durante escalada - Edson Vandeira - Edson Vandeira
Gabriel Tarso perdeu o ataque ao cume do Manaslu, mas celebrou o retorno em segurança
Imagem: Edson Vandeira

Duas vezes no topo do mundo

Apesar da experiência traumática no Manaslu, a vida de escaladas de Gabriel Tarso tem muito mais experiências positivas do que negativas.

Criado no município de Cruzeiro (SP) e hoje com 34 anos, ele se apaixonou pelo montanhismo na Serra da Mantiqueira.

"A primeira montanha que subi foi o Pico do Itaguaré, na divisa de São Paulo com Minas Gerais. E, partir daí, não parei mais", diz.

Gabriel na Serra da Mantiqueira  - Gabriel Coimbra - Gabriel Coimbra
Gabriel, que é fotógrafo e videomaker, na Serra da Mantiqueira
Imagem: Gabriel Coimbra

Nesta trajetória, Gabriel também virou um aficionado por fotografia e filmagens.

"Comecei a registrar minhas viagens na natureza, criei um portfólio e decidi me inscrever em concursos de fotografia e vídeo. Até que venci um concurso da revista Go Outside. Vi que havia demanda para fotografar e filmar esportes e viagens outdoor e comecei a atender esse mercado".

Na última década, o brasileiro registrou viagens na natureza em países como Peru, Equador, Chile, Guatemala, Estados Unidos, Rússia, Suíça, China, Tanzânia, Argentina e Etiópia.

Gabriel Tarsoa caminho do topo do Everest: 8848 metros de altura - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriel Tarsoa caminho do topo do Everest: 8848 metros de altura
Imagem: Arquivo pessoal

E, logicamente, sempre esteve mais focado em jornadas que envolviam vencer montanhas.

Ele escalou e fotografou, por exemplo, os desafiadores Nevado Huascarán (no Peru, conhecido por ser um terreno com muitas avalanches) e o Nevado del Plomo (entre o Chile e a Argentina, onde fez parte de uma expedição exploratória que desbravou novas rotas na montanha).

Gabriel Tarso e companheiro de escalada na montanha Huascarán, no Peru  - Louis JMS - Louis JMS
Gabriel Tarso e companheiro de escalada na montanha Huascarán, no Peru
Imagem: Louis JMS

E, recentemente, Gabriel atingiu duas vezes o topo do Everest, a montanha mais alta do mundo.

Na primeira vez, em maio de 2021, ele esteve acompanhado por Aretha Duarte, brasileira que, nessa viagem, se tornou a primeira mulher negra latino-americana a chegar ao cume do Everest — Gabriel, aliás, registrou o feito histórico com suas fotos.

E a segunda conquista do pico mais alto da Terra foi realizada um ano depois, em maio de 2022.

Gabriel com sua barba congelada durante escalada no Alasca - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriel com sua barba congelada durante escalada no Alasca
Imagem: Arquivo pessoal

"É engraçado que cada uma dessas chegadas ao topo do Everest foi diferente. Você pode chegar ao mesmo cume de uma montanha várias vezes. Mas sempre será uma sensação única, pois cada jornada até o topo é única, envolvendo seus próprios desafios e superações".

O desafio da fotografia

Em suas viagens, além de enfrentar as dificuldades impostas pela escalada, Gabriel lida com o desafio de fotografar em altas montanhas.

"Além de ter que me esforçar para chegar ao cume, carrego a responsabilidade de, com minhas imagens, registrar a história de outras pessoas que também querem atingir o topo das montanhas", diz ele.

Gabriel Tarso no Everest  - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriel Tarso no Everest
Imagem: Arquivo pessoal

"Busco ter uma vida de atleta. Um dos meus grandes esforços é estar muito bem mental e fisicamente, para poder fazer boas imagens. Nossos reflexos, percepção visual e capacidade de tomada de decisões podem ficar comprometidos na altitude".

Gabriel conta que manter seus equipamentos em funcionamento é também um desafio.

"Há uma infinidade de coisas que podem acontecer em uma escalada, como congelamento de bateria e condensação da lente por causa da mudança drástica de temperaturas. Uma das minhas táticas é sempre deixar as baterias próximas ao meu corpo, para mantê-las aquecidas. Uso meu corpo como fonte de calor no meio do frio".

E há, ainda, o peso do equipamento.

Sempre sou obrigado a fazer um planejamento muito preciso do que é necessário levar para a montanha.

Gabriel se especializou em fotografia de escaladas  - Pedro Hauck - Pedro Hauck
Gabriel se especializou em fotografia de escaladas
Imagem: Pedro Hauck

"Levo o mínimo necessário de lentes e câmeras. E, aí, preciso colocar minhas habilidades de fotógrafo para trabalhar. De dia, na alta montanha, é tudo muito iluminado. E, à noite, muito escuro. É preciso saber trabalhar com a luz".

Mesmo com seu espírito aventureiro, o brasileiro nunca se arrisca mais do que o necessário.

"Sempre estou preocupado em encontrar o equilíbrio entre a minha segurança e a oportunidade de uma foto ou filmagem única. Não adianta eu fazer um registro incrível e morrer logo depois".

E Gabriel não para: em 2023, ele pretende subir a K2, segunda mais alta montanha do mundo, que é parte do Paquistão e que oferece uma das escaladas mais desafiadoras do planeta.

Ninguém pode duvidar que ele vai conseguir.