Arquiteto virou 'caçador de casas de vó' e bombou Insta com casinhas fofas
Quando sua esposa Natália sugeriu que fotografasse as casinhas antigas do bairro onde moram em São Paulo, a tradicional Mooca, o arquiteto André Gomes (@andredvco) torceu o nariz.
Com o trabalho voltado para icônicos edifícios da capital paulista, aquilo parecia sair do foco de seu Instagram, que tinha, à época, 25 mil seguidores.
Mas, durante a pandemia, ele caminhava apenas pelas ruas da vizinhança predominantemente residencial, para evitar as aglomerações.
"A vontade de fotografar foi maior", ponderou André, que atua como gerente operacional de um hospital e faz os registros da cidade nas horas vagas.
A partir daí, ele desenvolveu um jeito especial de olhar para as casinhas, típicas construções de São Paulo entre as décadas de 1930 e 1940 — especialmente aquelas do chamado estilo missões.
Esse estilo, típico da classe média brasileira da época, não está só em São Paulo, e tem origem nas culturas hispânicas no sul dos Estados Unidos (por isso também é conhecido como estilo "mexicano").
Os portões baixos, de uma época em que a segurança era preocupação secundária, são os protagonistas. Balaústres, muros de pedra, detalhes coloridos e pórticos arqueados dão o charme às popularmente conhecidas como "casas de vó".
Mais tarde, os modernistas rechaçaram o estilo missões, chamando-o de brega e extravagante. Mas o fato é que as casinhas têm um espaço especial no coração dos brasileiros. A página de André saltou para mais de 80 mil seguidores depois da inclusão das construções em seu repertório.
"Começou essa relação de troca, com as pessoas me convidando para fotografar a rua que elas moram, ou indicar outras que conheciam", conta.
A minha relação com a fotografia é a de resgate da memória, inclusive a sentimental.
Se os registros começaram na zona leste, hoje incluem todas as regiões da cidade, com fotos de casas e edifícios na Liberdade, Santana, Ipiranga, Freguesia do Ó, Vila Madalena.
Privilegiando a simetria e as cores, a ideia de André é capturar as fachadas de maneira isolada - isto é, sem pessoas, animais ou carros ao redor. Fugir do movimento nos registros é uma maneira de transmitir a calmaria que pode, sim, existir em São Paulo.
Por privacidade e segurança dos moradores, André não divulga os endereços que fotografa. Mas não é raro que seguidores identifiquem o local apenas por suas fotos.
Apesar do foco nas fachadas, ele também fica curioso para visitar os interiores das casas - o que já aconteceu algumas vezes. Seu catálogo de casinhas também já rendeu trabalhos com imobiliárias e até para produtos audiovisuais, com pesquisa de melhor locação para produções.
Inspiração em todo lugar
André é guiado pela espontaneidade para encontrar as charmosos locais. "Às vezes saio com destino certo, mas o mais bacana é quando não é planejado, é aí são duas sensações para mim: a da descoberta e a da fotografia em si", diz. Apesar de seus bairros preferidos serem o seu, a Mooca, e o Bixiga, na região central, ganhou afeição pelo Cambuci, ilustrado nas fotos abaixo.
"Outras vezes passo de carro, de transporte público, reparo em uma construção interessante e lembro de voltar", conta. "Meu lema é que a cidade é um livro. Para você ler, basta simplesmente caminhar".
Enquanto conversava com Nossa, André parou para mostrar uma composição com um fusca azul em frente a uma casa: "Olha só, está aí!".
A dica para expandir horizontes é literalmente abrir o olhar. "As pessoas não olham para cima, para baixo, para os lados em seus trajetos habituais porque elas estão preocupadas com destino, e não com percurso".
Outra maneira simples de trazer inspiração da cidade para o cotidiano, segundo o arquiteto, é andar mais vagarosamente e mudar caminhos que você faz sempre. "Ninguém sabe que novo ângulo você vai encontrar em uma nova rua", diz.
Até quando?
André vê seu trabalho como uma forma de catalogar algo que está com os dias contados, "para criar um acervo para pessoas consultarem e estudarem". Seus seguidores ainda se surpreendem com a existência das construções antigas na metrópole. "Tem o romantismo, mas a fotografia toca em vários pontos. Devemos mesmo derrubar essas casinhas? Será que tem limites para a especulação imobiliária?", questiona.
Em algumas vizinhanças, essas reflexões têm sido parte do dia a dia. Pinheiros, na zona oeste paulistana, por exemplo, é o bairro que concentra o maior número de alvarás de demolição nos últimos dois anos, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento. No final de 2021, moradores lançaram um abaixo-assinado contra a verticalização inadequada, e reuniram quase 7 mil assinaturas.
Em 2021, a quantidade de prédios em São Paulo ultrapassou a de casas pela primeira vez, segundo números do Centro de Estudos da Metrópole. "A diversidade de arquiteturas é o que mais me fascina em São Paulo", diz André.
"Nada é igual, e essa diferença é o que impede a cidade de ser monótona". Um viva às casinhas de vó — e aos arranha-céus, predinhos, condomínios e mais.
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