Criada por mulher e 'mãe' dos famosos rosés, Veuve Clicquot faz 250 anos
Por séculos, champanhe tem sido um símbolo de refinamento, luxo e, acima de tudo, celebração. Sendo assim, 2022 marca a louvação a um ícone planetário das borbulhas. Sim, porque toda reverência é pouca aos 250 anos — dois séculos e meio! — de um dos champanhes mais admirados da história: o Veuve Clicquot.
Ou "Viúva Clicquot", em tradução literal, nome que literalmente radiografa a origem da célebre maison fundada em 1772 em Reims, noroeste da França, a 130 quilômetros de Paris, no não menos célebre terroir de Champagne.
Presente no mundo todo e desde sempre um dos champanhes favoritos de Hollywood — de Jack Nicholson ao diretor Alfred Hitchcock, falar de Veuve Clicquot é falar de uma incrível história de proto-empreendedorismo feminino.
Pioneira e poderosa
Muito antes de ser historicamente (re)conhecida como "A Grande Dama do Champanhe", Madame Clicqout, então Barbe-Nicole Ponsardin, era apenas a jovem esposa de um certo François Clicquot.
Moeda corrente na época, o casamento fora arranjado entre as famílias: ela, filha de um importante e abastado político, apoiador da Revolução Francesa (1789-1799); ele, filho de rico comerciante que, entre seus negócios, possuía a modesta vinícola Clicqout-Muiron et Fils, então engarrafando 4 a 7 mil garrafas de vinho ao ano e exportando parte dessa produção.
Nesse contexto, François trabalhava com o pai. E conseguiu colocar a pequena vinícola nos trilhos, expandindo-a.
Em 1805, sete anos após o matrimônio, o herdeiro da Maison Clicquot morreu inesperadamente, aos 30 anos (de febre tifoide). Devastada, Barbe-Nicole decidiu tocar ela mesma o negócio, contrariando o sogro que, desgostoso com a perda do filho, pretendia vende-lo. Mas acabou concordando.
Cabe lembrar que na França de então não era permitido a mulheres trabalhar, votar ou estudar -- só se fossem de famílias realmente endinheiradas.
Também não podiam possuir dinheiro. Com uma única exceção: as viúvas!
Assim, aos 27 anos, a viúva Clicquot, ou Madame Clicquot, como passou a ser conhecida, tornou-se provavelmente a primeira mulher a liderar uma multinacional. Uma das primeiras businesswoman do mundo a comandar o próprio negócio, rebatizado com a alcunha de sua viuvez.
Durante os anos seguintes, Barbe-Nicole, agora Madame Clicquot, passa a estudar a fundo vinificação. Com o apoio e patrocínio do sogro, almeja o crescimento da vinícola.
As revoluções da viúva
Tida como determinada, visionária e disposta a provar-se no universo predominantemente masculino, historiadores e especialistas são unânimes em apontar decisões suas que, ao longo do tempo, inovaram os métodos de produção e ajudaram a transformar sua maison — e o champanhe como um todo — no ícone que é hoje, 250 anos depois:
Remuage
Técnica implantada pela "viúva" que revolucionou a indústria. Consiste em cuidadoso trabalho manual de periodicamente girar as garrafas, acondicionadas em cavaletes e inclinadas em ângulo de 45 graus, para que as leveduras se direcionem ao gargalo da garrafa.
A novidade resultou em um vinho mais refinado, menos doce e de perlage (borbulhas) mais delicada.
Até então, os espumantes da região de Champagne eram toscos, feios. E turvos, devido ao excesso de resíduos, o que não raro lhes conferia aromas desagradáveis. À frente de seu tempo, a remuage moldou a indústria, inaugurando o champanhe "moderno" - tanto que logo foi copiada por outros produtores (mas durante bom tempo, sem o mesmo êxito, contam os livros).
O primeiro champanhe rosé
Veuve Clicquot foi a maison pioneira na produção de champanhe rosé, fruto da inquietude de sua proprietária, que não gostava de ater-se a convenções e sempre que possível, "inventava moda". Ao adicionar vinho tinto à fórmula, criou a famosa cor rosácea no champanhe, que batizou de Rosé d'assemblage.
O primeiro champanhe vintage
No universo vinícola, o termo vintage designa um vinho obtido a partir de uvas da mesma safra de um ano em que esta foi excepcionalmente boa, muito acima do esperado. Também precisa envelhecer um mínimo de 36 meses nas caves.
Em 1811, Madame Clicquot criou, com grande sucesso, o primeiro champanhe vintage de que se tem notícia. Um néctar "safrado", excelente, que gerou a referência a safras "fora da curva" de um determinado ano e foi logo apelidado "o champanhe do cometa", por conta do astro que naquele 1811 ficou visível a olho nu nos céus por nada menos que nove meses.
O famoso selo amarelo
A partir de 1835, as unidades de Veuve Clicquot foram os primeiros champanhes a ter um cuidadoso selo oficial, uma marca registrada, para distinguir-se da concorrência.
Amarelo ouro-alaranjado, o inconfundível selo ajudou a vinícola a distinguir-se também como um brut, um champanhe seco (sinalizado no rótulo), se comparado a sabores mais adocicados que predominavam à época.
Corte para 1986, quando Veuve Clicquot foi adquirida pela grife francesa Louis Vuitton, por valores até hoje não revelados; e a partir do ano seguinte, integra o supergrupo de marcas de luxo LVMH, criado em 1987, que hoje também monopoliza nada menos do que o dream team do champanhe: Moet & Chandon, Krug e Dom Pérignon.
Atualmente são produzidas 22 milhões de garrafas de Veuve Clicquot ao ano.
Em 2010, em um naufrágio na costa da Finlândia, foram descobertas 47 garrafas de Veuve Clicquot datadas entre 1825 e 1830. Apesar de há bem mais de um século na imensidão do oceano, seu conteúdo estava perfeitamente preservado. Em 2011, algumas das unidades foram vendidas pela bagatela de US$ 39 mil cada.
Em tempo: não é demais lembrar que, enquanto vinhos espumantes podem ser feitos em qualquer lugar do mundo, um champanhe só é um champanhe se produzido no homônimo terroir francês. Simples assim. Santé!
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