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Por que é tão importante 'chacoalhar' a xícara ao fim de um café no Qatar?

Mais claro e com especiarias, o café do Qatar é servido na dallah, uma chaleira com bico longo - Getty Images
Mais claro e com especiarias, o café do Qatar é servido na dallah, uma chaleira com bico longo
Imagem: Getty Images

Giuliana Bastos

Colaboração para Nossa

17/12/2022 04h00

Quando em Minas Gerais, é ofensa não aceitar o café. Lá do outro lado do mundo, no Qatar, não é diferente. Logo que chegam às casas de famílias qataris ou em tendas, os visitantes, considerados "enviados de Deus", são recebidos com cafés e tâmaras. E só depois de um charmoso ritual cafeinado é que se inicia qualquer conversa.

Sim, o café é tema sério e sagrado para a população do rico país. Chamada ali de gahwa (diz-se gérrua), a bebida tornou-se um dos emblemas da hospitalidade qatari, ganhando inclusive monumentos à dallah (chaleira de café tradicional árabe, grande e de bico longo).

O bem-receber é uma das marcas dos povos árabes. "A hospitalidade é parte integral da sociedade do Oriente Médio. Esses países, incluindo o Qatar, eram áreas de passagem de mercadores, então sempre houve o encontro de muitos povos nessa região", diz Fernanda Kiehl, autora do site "Monday Feelings" e do livro "Nômade" (Ed. Inverso).

E como o café faz parte disso tudo? A bebida ocupa o centro das atenções é o cartão de visita das famílias. Os espaços onde os qataris recebem seus visitantes são preparados com luxo e conforto para se apreciar a bebida.

E nada de um espresso bem rapidinho e prático. Ali, o tempo transcorre de outra forma, sem pressa e com muita dedicação ao preparo e ao ritual do café. Conheça as principais características e etapas:

Mestre do café
O anfitrião do ritual

Dada a importância do momento na cultura qatari, há um responsável chamado de "mestre do café", que faz o preparo da bebida. Nas famílias mais tradicionais, há uma espécie de hierarquia, que reserva a tarefa de fazer às "pessoas mais importantes da casa", em geral, os homens.

Almofadões e tapetes decoram os majilis, a 'sala de estar' dos qataris - Getty Images/Gulf Images RF - Getty Images/Gulf Images RF
Almofadões e tapetes decoram os majilis, a 'sala de estar' dos qataris
Imagem: Getty Images/Gulf Images RF

A torra
Desde o início

Bem diferente do café árabe clássico, o café qatari é torrado bem claro. Muitas vezes, a torra é feita pelo próprio mestre do café —, ou por alguém de sua família em panelas que lembram frigideiras. Para eles, é uma forma de garantir um café realmente fresco. A torra bem clara é um aspecto bastante valorizado no ritual de café qatari, mas há variações de acordo com a preferência de cada família.

A moagem
Mescla de aromas

A moagem é grossa, aqui outro aspecto que o difere também do café árabe clássico, cuja moagem é bem fininha. Muitas vezes, o café é moído no mesmo recipiente (pilão ou moedor elétrico) no qual o cardamomo será moído, deixando esse aroma presente desde a moagem do café

Dallah
Charme e precisão

Depois de moído, o café é despejado sobre água na chaleira de preparo. Chamada de dallah, a chaleira é grande (pode-se preparar mais de um litro de café) e tem um bico longo, que ajuda a controlar a saída da bebida. Essa característica é importante, já que o café é servido em copos bem pequenos. Às vezes, o café pode ser preparado em outras chaleiras ou até em panelas e depois transferido para a dallah.

Café do Qatar, café árabe, dallah, tâmaras - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Mix de especiarias
Receitas secretas

As especiarias são moídas e agregadas ao café na dallah. Em alguns mercados, é comercializado o mix de especiarias já com o café moído. As especiarias mais utilizadas no preparo da gahwa são cardamomo e açafrão.

A especialista Cleia Junqueira, brasileira radicada em Dubai, conta que algumas pessoas adicionam também rosas, cravo, canela e que o número de condimentos pode passar de sete. "É muito interessante, e o curioso é que cada um tem as suas preferências com relação à quantidade de cardamomo", explica.

Cada família desenvolve a sua própria receita, que é passada de geração em geração. Em geral, o aroma que mais se destaca é o de cardamomo.

O que mais chamou a atenção foi que a cor é muito diferente. Você quase não consegue sentir o gosto do café que a gente está habituado. Sentimos muito as especiarias, que pegam muito no fundo da língua" Fernanda Kiehl

Xícaras
Sabor em um gole

As xícaras utilizadas no ritual de café qatari são copos de porcelana pequeninos e delicados, chamados de finjaan. Decorados com esmero, os finjaans não têm asas como as nossas xícaras, são como copinhos mesmo, e não são oferecidos cheios de café até a boca.

A bebida é servida em pequenas quantidades, apenas ¼ desse copinho. Isso faz com que o café não esteja tão quente e que possa ser bebido pelo convidado em apenas um gole.

O serviço
Abundância e tâmaras

Bastante caprichoso, o serviço de café é feito sempre em bandejas com várias dallahs, outras chaleiras para aquecer a água, os potinhos com as especiarias, potinhos com tâmaras e as xícaras, conhecidas como finjaan.

Café do Qatar, café árabe, tâmaras - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Nunca apenas um café: tâmaras e outros quitutes acompanham
Imagem: Getty Images/iStockphoto

A etiqueta
Gingado qatari

Quando os convidados chegam na casa das famílias qataris, eles certamente serão recebidos com um café. O mestre de café sempre toma uma xícara antes dos convidados, para se certificar de que o café está bom, antes de servi-lo.

O mestre sempre serve o café com a mão direita e, da mesma forma, deve-se pegar o copinho com a mão direita. Não é comum encostar os finjaans para fazer tim-tim, apenas agradecer.

Uma dica importante: após tomar em um gole o seu café, caso não queira mais, balance rapidamente a xícara. Caso contrário, os qataris entendem que você quer mais café. E seguirão te servindo inúmeras vezes.