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Do x-salada aos smash: a história dos 70 anos do hambúrguer no Brasil

Hambúrguer e batatas fritas servido na rede de fast food Bob"s, a primeira hamburgueria do Brasil - Renato Stockler/Folhapress
Hambúrguer e batatas fritas servido na rede de fast food Bob's, a primeira hamburgueria do Brasil
Imagem: Renato Stockler/Folhapress

Flávia G Pinho

Colaboração para Nossa

19/12/2022 04h00

Não faltam versões sobre o nascimento do hambúrguer. Diversos estados norte-americanos reivindicam para si a invenção, mas o fato é que não há registros confiáveis de como e onde isso aconteceu. Quem garante é o estudioso de história da gastronomia Andrew F. Smith, autor de "Hambúrguer - Uma história global" (Senac-SP).

Segundo ele, tudo começou nos anos 1870, quando um tal Bife de Hamburgo começou a aparecer nos restaurantes americanos administrados por imigrantes alemães. Feito de carne moída e temperos, era barato, pois aproveitava aparas de cortes nobres, mas comido no prato, com garfo e faca.

Só foi parar dentro do pão um pouco mais tarde, obra das lanchonetes improvisadas dentro de veículos (os primórdios dos foodtrucks) que estacionavam nos bairros operários, diante das portas das fábricas.

Brasileiros custaram a conhecer a novidade. É possível que os soldados americanos que ocuparam bases aéreas no Nordeste, durante a Segunda Guerra Mundial, tenham dado um jeito de comer hambúrgueres para matar a saudade de casa.

A seguir, você conhece os destaques de 70 anos de história de um dos lanches mais queridos do país e como ele chegou por aqui:

1952 - A primeira hamburgueria do Brasil

Bob Falkenburg com seu Jaguar XK120 em frente ao primeiro Bob's  - Roitberg - Obra do próprio - Roitberg - Obra do próprio
Bob Falkenburg com seu Jaguar XK120 em frente ao primeiro Bob's
Imagem: Roitberg - Obra do próprio

Campeão de tênis, o norte-americano Robert Falkenburg, Bob para os íntimos, já tinha morado em São Paulo e vencido um torneio no Rio de Janeiro quando decidiu encerrar a carreira no esporte para virar empresário.

Casado com uma brasileira, ele notou que o país ainda não tinha entrado na era das hamburguerias, já populares em seu país, e importou o conceito sem tirar nem pôr. Uma pequena loja localizada em Copacabana, inaugurada como uma sorveteria um ano antes, foi transformada em hamburgueria em 1952 e assumiu a marca Bob's.

No menu, Falkenburg pôs o famoso hambúrguer, além de outros lanches. Também foi lá que o carioca aprendeu a combinar hambúrguer com milk-shake e batata frita.

Anos 1960 - A era do x-salada paulistano

Empreendedores de São Paulo não quiseram ficar para trás e correram para acompanhar a tendência. Ao longo da década, a cidade ganhou mais de uma dezena de hamburguerias que reproduziam o estilo americano, tanto na decoração quanto nos cardápios.

São dessa época Chico Hamburger (1963), Joakin's (1965), Seu Oswaldo (1966), New Dog, Oregon e AChapa (1967), Burdog (1968), Stop Dog (1968), Osnir Hamburger e Hobby Hamburger (1969), só para citar algumas.

Inauguração do Osnir Hamburger, em 1969 - Reprodução - Reprodução
Inauguração do Osnir Hamburger, em 1969
Imagem: Reprodução

Naquele tempo, não se falava em blend ou ponto da carne. Hambúrgueres eram sempre fininhos, com cerca de 100 gramas, modelados com acém ou coxão mole moído.

Foram essas lanchonetes que transformaram o x-salada em um clássico, até hoje o hambúrguer que representa a identidade de São Paulo", opina Marcos Vigorito, fundador do Guia do Hambúrguer.

Anos 1970 - A primeira hamburgueria temática

Em 1976, a lanchonete Laurel & Hardy abriu as portas em um imóvel amplo na Avenida Cidade Jardim, em São Paulo.

O cardápio com sotaque americano dava destaque aos hambúrgueres e milk-shakes que já vinham fazendo sucesso na cidade — a diferença era a ambientação, uma homenagem aos atores intérpretes da dupla O Gordo e o Magro. No ano seguinte, a casa perdeu o direito de usar seus nomes e a rebatizou de Milk & Mellow, mas manteve a carinha da dupla no letreiro luminoso.

Milk & Mellow - Reprodução - Reprodução
Milk & Mellow
Imagem: Reprodução

O finzinho da década registra outros dois marcos para a história do hambúrguer no Brasil. Em 1978, o Bob's chegou a São Paulo — a primeira unidade ficava na região da Sé, centro antigo da cidade.

Em 1979, a rede McDonald's desembarcou no país. Chegou por Copacabana, Zona Sul carioca, e só dois anos depois abriu uma unidade em São Paulo.

1981 - Ao ponto, por favor

Hambúrguer da lanchonete Ritz, em São Paulo - Carol Quintanilha/Divulgação - Carol Quintanilha/Divulgação
Hambúrguer da lanchonete Ritz, em São Paulo
Imagem: Carol Quintanilha/Divulgação

Recém-chegado de Londres, onde bombava a hamburgueria The Great American Disaster, o casal Maria Helena e Arthur Guimarães abriu uma sanduicheria no Jardim Paulista, que logo evoluiu para o restaurante Ritz.

Ao contrário das lanchonetes de estilo americano, fiéis aos hambúrgueres fininhos e bem passados na chapa, a dupla adotou o char broiler com pedras vulcânicas e inovou ao permitir que os clientes escolhessem o ponto da carne.

1992 - Salta um hambúrguer viajando!

Numa época em que os paulistanos só podiam escolher entre pizzas ou comida chinesa no delivery, Aldo Zerbinatti Neto, filho do fundador da Osnir Hamburger, pensou nas entregas em domicílio como um jeito de fazer uma graninha extra.

Distribuiu panfletos de porta em porta e ficou à espera dos pedidos, que custaram a aparecer. Devagarzinho, os vizinhos foram testando a novidade e Aldo chegou a contratar um motoboy para ajudá-lo. O serviço deslanchou de verdade em 2000, com o surgimento da plataforma Restaurante Web.

Os clientes faziam o pedido pelo site e as comandas chegavam à cozinha por fax. Era uma loucura, as letras do papel de fax sumiam com o calor, e fui obrigado a instalar nosso primeiro computador", conta Aldo.

1993 - Puro sangue

Pic Burger, do Fifties - Divulgação - Divulgação
Pic Burger, do Fifties
Imagem: Divulgação

Até aqui, hambúrguer era só hambúrguer — ninguém tinha o hábito de perguntar que corte de carne havia entrado no moedor, e as hamburguerias tampouco faziam questão de revelar. Isso começou a mudar com a inauguração da rede The Fifties, no bairro paulistano do Itaim Bibi.

O menu orgulhosamente divulgava que o Pic Burger era 100% picanha. Ali também começou a onda de falar sobre o peso do hambúrguer — com 150 gramas, era 50% maior do que o tamanho usual. O público aprovou a novidade: a rede chegou a ter 33 unidades no país.

2004 - A tal gourmetização

Hambúrguer da Lanchonete da Cidade - Divulgação - Divulgação
Hambúrguer da Lanchonete da Cidade
Imagem: Divulgação

Foi nesse ano que surgiram dois ícones paulistanos: a General Prime Burger, fruto de parceria entre o açougueiro István Wessel e o chef Sergio Arno, adepta do char broiler; e a Lanchonete da Cidade, do grupo Companhia Tradicional de Comércio (CTC), que inovou ao adotar a churrasqueira a carvão. Ambas se notabilizaram pelos hambúrgueres altões, em montagens fora do comum.

Com o crescimento da rede, porém, a churrasqueira acabou sendo substituída pela chapa, que permite mais agilidade nos bastidores.

Chef encarregada de desenvolver o cardápio da Lanchonete da Cidade, Ana Soares lembra que os hambúrgueres malpassados davam um trabalhão à equipe de cozinheiros. "As pessoas estranhavam, devolviam muito", diz.

Foi também em 2004 que outra rede americana de porte desembarcou no Brasil — a Burger King, cuja primeira unidade foi inaugurada no Shopping Ibirapuera, em São Paulo.

2006 - Smoke o quê?

No projeto, a St. Louis Burgers, criada pelo chef Luiz Cintra, era uma smoke house, inspirada nas casas especializadas em carnes defumadas, então já populares entre os americanos. Mas o conceito era novo demais por aqui. "Ninguém sabia o que era brisket ou shoulder. A pit smoker, tinha que mandar fabricar", lembra Cintra.

Venceu o hambúrguer. Preparado na char broiler, sempre foi alto, suculento, servido com interior rosado, e se diferenciou pelos ingredientes diferentões que entravam nas montagens, como relish de pepino, chutney de cebola e pimenta jalapeño.

2011 - O hambúrguer cresce para cima

OT Burger, do Butcher's Market - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
OT Burger, do Butcher's Market
Imagem: Reprodução/Facebook

A inauguração da hamburgueria Butcher's Market, em São Paulo, com Paulo Yoller no comando da chapa, trouxe ousadia para esse universo. A marca registrada da casa (já extinta) era o OT Burger, que levava hambúrguer de 180 gramas, picles, gorgonzola, bacon defumado e três gordos anéis de cebola empanados, tudo entre as duas fatias de pão, fazendo com que o uso de talheres entrasse definitivamente para o repertório das hamburguerias.

Yoller também ajudou a transformar o vocabulário hamburguês, ao valorizar o blend autoral: na época, 70% acém e 30% bananinha.

No ano seguinte, Paulo Yoller deixou o Butcher's Market para abrir a Meats, na capital paulista, apostando em hambúrgueres que flertavam com a alta gastronomia. Entraram em cena os ingredientes asiáticos e amazônicos, e os coquetéis começaram a roubar o lugar da cerveja.

A gente já via algumas receitas arrojadas pela cidade, mas o Meats chegou com os dois pés no peito. Quebramos paradigmas e mostramos que tudo pode entrar no hambúrguer", diz Yoller.

2014 - Como era fofo meu brioche

NYC e Jalapeño: hambúrgueres da ZDeli - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
NYC e Jalapeño: hambúrgueres da ZDeli
Imagem: Reprodução/Instagram

O chef Julio Raw se preparava para inaugurar a ZDeli Sandwiches e queria, para seus hambúrgueres, um pão diferente dos mais usuais na época, que considerava meio secos. Tinha como referência os pães macios e amanteigados que havia provado em Nova York.

A receita, desenvolvida em conjunto com o fornecedor, partia de uma massa rica em manteiga, farinha de trigo premium e ovos. O nome brioche, reconhece Raw, passou a ser usado por falta de outro mais adequado. "Como parecia um brioche, foi a forma que encontrei para diferenciar o produto."

2015 - A volta do chato

Standard, o smash mais famoso do Bullguer - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Standard, o smash mais famoso do Bullguer
Imagem: Reprodução/Instagram

Na primeira década dos anos 2000, o hambúrguer cresceu e se sofisticou tanto que começou a pesar no bolso da maioria dos aficionados. O momento era mais do que propício para uma novidade mais em conta, que chegou na forma do smash burger, com o chef Thiago Koch, que trouxe o conceito para cá e inaugurou a Bullguer.

Ao vender hambúrgueres a R$ 18, contra os R$ 30 cobrados por boa parte das hamburguerias gourmet, a Bullguer chacoalhou o mercado.

Simplificar o mundo do hambúrguer era também a proposta da Pão com Carne, nascida no mesmo ano. O nome da casa, na época uma portinha com 27 m², dizia tudo. "Tínhamos chegado a um ponto em que as hamburguerias gourmet já não tinham mais um simples hambúrguer ou cheeseburger, era preciso pedir o mais simples e mandar tirar tudo", diz o fundador Pedro Valsas.

2022 - Mais hambúrguer do que pizza

Primeiras a ocupar as mochilas dos motoboys, as pizzas sempre foram campeãs do delivery — mas acabam de perder o posto. Um levantamento realizado pela plataforma Hubster, que presta suporte para serviços de entregas de 30 mil restaurantes, em 16 capitais brasileiras, mostrou que os hambúrgueres foram os primeiros na fila no primeiro semestre de 2022.

Foram 583.317 pedidos mensais, em média, resultado bem distante do segundo colocado, o frango frito, com 67.422 pedidos. A pizza, quem diria, caiu para o sexto lugar.