Topo

Por que há ruínas romanas em Lisboa? E o melhor: você pode visitar

As ruínas do Teatro Romano estão na encosta sul do Castelo de São Jorge - José Frade/EGEAC
As ruínas do Teatro Romano estão na encosta sul do Castelo de São Jorge Imagem: José Frade/EGEAC

Natália Eiras

Colaboração para Nossa, de Lisboa (Portugal)

25/12/2022 04h00

Há uma brincadeira entre os lisboetas de que a maior dificuldade de fazer obras em Lisboa é que há sempre a possibilidade de você encontrar uma ruína. E eles não estão errados.

A capital de Portugal, maior cidade do país, se chamava, há 20 séculos, Felicitas Iulia Olisipo e esconde, literalmente embaixo dos prédios pombalinos, diversas construções feitas pelo Império Romano. Incluindo um teatro, galerias subterrâneas e outros resquícios de quando o local foi ocupado pelos romanos. Algumas dessas ruínas e sítios arqueológicos estão abertos para visitação.

Segundo a arqueóloga Lídia Fernandes, responsável pelo Museu de Lisboa - Teatro Romano, acredita-se que os romanos mantinham, durante o século III a.C., contato pacífico com os povos que viviam na região que hoje conhecemos como a área metropolitana de Lisboa, que inclui 18 municípios.

Museu de Lisboa  - José Avelar/Museu de Lisboa - José Avelar/Museu de Lisboa
Parte do acervo do Museu de Lisboa
Imagem: José Avelar/Museu de Lisboa

Porém, no século seguinte, por conta das guerras púnicas, conflito contra os fenícios, Roma decide conquistar a Península Ibérica. "Os povos que viviam na região de Portugal, que antes guerreavam entre si, se unem contra esse inimigo comum. O termo povo lusitano [como são chamados os antepassados portugueses] teria sido uma designação criada pelos romanos", diz a arqueóloga.

Quando os romanos conquistam a área, eles criam a província da Lusitânia, que incluía o território português ao sul do rio Douro, parte da área da Espanha. A cidade que ficava às margens do Rio Tejo é batizada de Felicitas Iulia Olisipo.

"Olisipo é o nome romano da área. Felicitas é felicidade, e Iulia, seria de Júlia, porque o líder da época seria Júlio César", explica Lídia Fernandes.

Mapa mostra como o Império Romano havia absorvido região onde hoje é Lisboa - Reprodução - Reprodução
Mapa mostra como o Império Romano havia absorvido região onde hoje é Lisboa
Imagem: Reprodução

Não sabemos qual era o papel de Felicitas para a república romana, faltam documentos. Mas ela tinha uma certa importância por conta da localização, com fácil acesso ao mar e por ter um rio navegável.

De acordo com as descobertas dos arqueólogos, um dos principais produtos de Felicitas Iulia Olisipo é o garum, um molho fermentado de peixes como sardinha e carapau, que era exportado para todo o território romano.

Alguns pesquisadores dizem que, por volta do século II ou III d.C,, o Império Romano começa a sua decadência. É também nessa época que os romanos começam a deixar a província da Lusitânia e outros povos começam a habitar a região, como os vândalos e os visigodos.

Os edifícios construídos pelos romanos começam a ter usados de outras formas por essas novas comunidades.

A redescoberta da Lisboa romana

Os primeiros vestígios de Felicitas Iulia Olisipo vieram à tona quando, após o grande terremoto de 1755, a cidade de Lisboa começou a ser reconstruída.

É quando ressurgem construções como o teatro romano, onde a população da cidade se reuniria para ver comédias e tragédias; as galerias romanas, uma estrutura subterrânea que "segura" e nivela a região da Baixa, e que serviria também como um porto; além de termas e tanques para salga de peixes para fazer o garum.

remodelacao-do-teatro-romano_resizeW670 - Reprodução - Reprodução
Modelo mostra como seria o Teatro Romano em Lisboa
Imagem: Reprodução

Essas descobertas foram ignoradas por algum tempo, apesar de alguns professores terem feito registros da existência dessas ruínas na época da reconstrução de Lisboa.

Apenas na década de 1960 que o governo decide desapropriar prédios da área onde sabia-se que estava o teatro romano e as escavações começaram a ser feitas. Nos anos 1980, a Casa Dos Bichos, uma residência do século 16, também ganhou um sítio arqueológico.

E as descobertas não terminam por aí: nos anos 1990, os pesquisadores encontraram uma rua romana, que teria tabernas onde os povos se abasteciam para ir ao teatro romano. Há muitos vestígios espalhados por Lisboa, mas nem todos estão abertos para a visitação — pelo menos não o ano todo.

Como visitar

Uma das ruínas romanas mais importantes de Lisboa é o Teatro Romano, que fica muito próximo do Castelo de São Jorge (que não existia em Felicitas Iulia Olisipo). Por estar no alto de uma colina, acredita-se que a vista do edifício era bastante impactante para quem chegava à região.

Após 40 anos de pesquisas, o local se tornou, em 2001, parte da estrutura do Museu de Lisboa. A atração fica aberta de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. Não se paga nada para visitar o sítio arqueológico, onde as pessoas podem ver as estruturas onde aconteciam espetáculos. A entrada para a exposição do museu, no entanto, custa 3 euros.

Outra atração marcante da Lisboa romana é mais restrita. As galerias romanas ficam embaixo das ruas da região da Baixa pombalina e também foram descobertas durante a reconstrução pós-terremoto. Como elas estavam bem conservadas, foram reaproveitadas como alicerces dos prédios.

Museu de Lisboa Teatro Romano2 ©Paulo Alexandrino_MuseudeLisboa.jpg - Paulo Alexandrino/Museu de Lisboa - Paulo Alexandrino/Museu de Lisboa
Lisboa ainda reserva diversas influências do período do domínio romano em seu subsolo
Imagem: Paulo Alexandrino/Museu de Lisboa

Em 1996, a própria Lídia Fernandes, acompanhada por Manuela Leitão, fez uma sondagem arqueológica que chegou à conclusão de que a estrutura é completamente romana.

Desde os anos 1980, é possível visitar as galerias romanas. No entanto, ela é aberta apenas alguns dias por ano, normalmente em maio e no último fim de semana de setembro. Isto porque elas costumam ficar submersas por 1.20m de água.

A entrada é um "bueiro" no meio de uma via pública, assim é necessário que o trânsito seja remanejado. Apenas grupos de 25 pessoas são liberados para entrar no local, sempre acompanhados por técnicos. Tudo isso para preservar o local, que pode ter danos estruturais caso receba muitos visitantes ou fique muito tempo sem água.

Além destes dois locais, há também, aberto para visitação, a Casa dos Bicos, o Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, e uma domus e parte da muralha que circundava Felicitas Iulia Olisipo no Aurea Museum Hotel. O site Lisboa Romana reúne os locais onde é possível ver vestígios da Lisboa romana. O projeto Percorrer Lisboa, do Museu de Lisboa, também tem percursos que percorrem as ruínas.