Brasileiro pedalou mais de 3 mil km na Mongólia e foi acolhido por nômades
O brasileiro Guilherme Cavallari (@guilherme.cavallari) já rodou boa parte do mundo de bicicleta.
Com uma magrela, ele cruzou o Equador e do Peru, pedalou por 6.000 km em uma expedição de seis meses pela Patagônia, atravessou as Highlands da Escócia e viajou bastante pela Alemanha e Inglaterra, quando viveu nestes dois países.
E uma das viagens de bike mais marcantes para Guilherme foi realizada em um dos mais bonitos e desafiadores países do mundo: a Mongólia.
Nesta nação de elevadas altitudes, imensas regiões despovoadas e temperaturas que podem variar entre 40º C e -40º C, o brasileiro completou uma épica pedalada de mais de 3.600 km.
Saí do Brasil sem roteiro definido, porque não consegui informações detalhadas sobre rotas na Mongólia. Li dezenas de livros, inclusive vários relatos de viajantes escritos desde o século 13. Usei essas referências para traçar meu roteiro.
Guilherme relata que chegou ao país asiático de trem, vindo da China, em uma viagem entre Pequim e Ulan Bator, a capital da Mongólia.
De Ulan Bator, pegou um ônibus até Bayan-Ölgii, no extremo oeste do país. E, de lá, pedalou por 3.633 km até a cidade de Choibalsan, no extremo leste — e encarando constantemente paisagens totalmente selvagens.
Durante a maior parte do tempo, pedalei por estepes, em estradas de terra e picadas de cavalos e motocicletas pequenas, o transporte local.
"Nos meus percursos, eu estava quase o tempo todo sozinho. Mas grande parte da população da Mongólia é nômade ou seminômade. Eles vivem metade do ano se deslocando. Então, eu sempre via alguma tenda no horizonte".
O brasileiro explica que essas tendas nômades são chamadas de "ger" pelos nativos.
Eu usava essas tendas como pontos de informação, parava e perguntava se o caminho que eu seguia estava correto. Tudo por mímica, desenho na areia e poucas palavras na língua local.
"Para dormir, eu quase sempre acampava em áreas selvagens. Procurava uma fonte de água, como um rio ou um lago, montava a barraca e passava a noite. E acampei muitas vezes ao lado dessas tendas nômades".
Frio...e calor também!
Sobre sua bicicleta, Guilherme carregava roupas, equipamentos de camping, itens para cozinhar (como panela e fogareiro) e alimentos como macarrão e peixe enlatado.
O percurso, logicamente, apresentou vários desafios.
Pedalava das 8h às 16h, mais ou menos. No começo da viagem, em julho, peguei quase 40˚C no trajeto. E, em outubro, cheguei a pegar -15˚C.
E o frio fez o brasileiro sofrer.
"Em determinado ponto da travessia, em uma área emparedada por um muro de montanhas baixas e uma muralha muito maior de nuvens de chuva, fui agredido pelo vento siberiano. Já tinha lido a respeito e achava exagero, mas quando a frente fria da Sibéria chegou, achei que meus dedos dos pés e das mãos cairiam no chão".
O viajante diz que "nunca sentiu tanto frio na vida".
"Para piorar, começou a chuviscar", lembra ele. "A temperatura estava um pouco acima de zero, mas a sensação térmica era de, talvez, -10˚C. Nesse ambiente, pedalei por cerca de cinco quilômetros e, por sorte, encontrei uma tenda nômade. Parei para pedir ajuda, pois eu estava congelando. Os habitantes da tenda, um pai, mãe e um filho adolescente, me colocaram na frente de um fogão à lenha, fizeram chá, jogaram pesados cobertores de lã de carneiro nos meus ombros e esperaram eu recuperar as forças. Um procedimento padrão de quem está acostumado a situações muito piores".
Já ao atravessar um deserto que existe na Mongólia, a perspectiva de falta de água o obrigou a carregar 20 litros na bicicleta, durante longos quilômetros.
A viagem, entretanto, foi recheada de lindas paisagens e experiências positivas.
"A Mongólia é formada por morros altos e estepes, planícies a perder de vista, com um terreno ideal para a criação de animais como ovelhas, cabras, iaques, camelos e cavalos, que fornecem quase tudo o que é necessário para a vida dos nômades", explica Guilherme.
"E, sem dúvida, os momentos mais especiais para mim foram a convivência com os nômades. Eu parava em uma tenda para pedir informação e os habitantes me convidavam pra tomar chá preto com leite de iaque e sal. Eu tinha que descer da bike, sentar no chão da tenda, tomar chá e comer alguma coisa que eles ofereciam, em geral queijo, iogurte ou cubinhos de carne frita. Para eles, recusar comida ou bebida é uma ofensa".
Mais interações
O brasileiro acabou fazendo várias refeições com famílias nômades, porque, muitas vezes, chegou para pedir informações justo na hora da comida.
E houve outras interações culturais.
"Em uma das cidades que visitei, uma professora me deu de presente um lindo livro, em inglês, sobre a história da Mongólia. Devia pesar uns três quilos. Não pude recusar e carreguei esse livro na mochila, pedalando com ele por uns 1.500 quilômetros", conta.
"Também encontrei vários sítios arqueológicos no meio do caminho, no meio do nada. Eram túmulos de nobres mortos há mil anos. Sou louco por arqueologia. E esses momentos eram mágicos para mim".
Além disso, o brasileiro pedalou junto a verdadeiros cartões-postais, como o lindo lago Khövsgöl.
E, frequentemente, vivia novos encontros interessantes com os nativos.
Às vezes, as pessoas me viam acampado e queriam entrar na minha minúscula barraca. Elas estão acostumadas a entrar, sem bater, em qualquer tenda. Essa é a tradição. E faziam isso comigo.
A viagem de Guilherme pela Mongólia foi tão rica em histórias que rendeu um livro, chamado "Transmongólia: Gengis Khan na Garrafa de Vodca", disponível para venda neste link.
Guilherme explica a referência à vodca na obra: "na Mongólia, Gengis Khan é o pai da nação, o maior herói, indiscutível. Seus valores ainda são cultuados por lá, como a tradição nômade, a paixão pelas lutas. Mongóis se destacam em diversas lutas, do judô ao sumô, passando pelo boxe. E hoje a melhor vodca do país se chama Gengis Khan, sendo que Gengis censurava o consumo excessivo de álcool. Garrafas vazias estão por toda parte nas estepes, poluindo a terra da Mongólia. No nome do livro, fiz uma piada com a corrupção de valores".
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