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Aos 63, ele fez o Caminho de Santiago: 'Não há idade para peregrinar'

O argentino Sergio Ligero no começo de seu trajeto pelo Caminho de Santiago - Arquivo pessoal
O argentino Sergio Ligero no começo de seu trajeto pelo Caminho de Santiago Imagem: Arquivo pessoal

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

02/01/2023 04h00

Hoje com 63 anos de idade, o argentino Sergio Ligero (@sergio.ligero) já esteve em nada menos do que 83 países.

Nas últimas décadas, ele viajou pelos quatro cantos do globo, visitando nações de todos os perfis, da Eslováquia à Síria.

E em 2022, sexagenário e com muita estrada percorrida, resolveu fazer a pé uma das rotas de peregrinação mais famosas do mundo: o Caminho de Santiago.

"Em algumas fases da minha vida, parecia que eu estava em uma competição, querendo adicionar mais e mais países à minha lista", diz.

Mas, há alguns anos, comecei a querer vivenciar viagens mais lentas e profundas. Percebi que não estou em uma disputa e não tenho que correr.

Sergio percorreu o Caminho de Santiago durante 30 dias - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sergio percorreu o Caminho de Santiago durante 30 dias
Imagem: Arquivo pessoal

Sergio, então, decidiu encarar a longa caminhada do Caminho de Santiago.

Situado entre a França e a Espanha (e com ramificações em Portugal), o Caminho surgiu a partir da descoberta, no século 9, do túmulo que seria do apóstolo São Tiago, em uma localidade que se tornaria a cidade de Santiago de Compostela.

Após a descoberta, devotos de toda a Europa começaram a realizar longas viagens para chegar ao suposto corpo do homem que foi discípulo de Jesus Cristo.

Sergio conheceu lindos monumentos históricos ao longo do Caminho de Santiago - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sergio conheceu monumentos históricos ao longo do Caminho de Santiago
Imagem: Arquivo pessoal

E, ao longo dessas rotas de peregrinação, foram erguidos mosteiros, igrejas, castelos e até cidades inteiras.

A tradição de superar longas distâncias para chegar a Compostela se manteve até os dias de hoje (no local, inclusive, foi construída uma catedral para abrigar os supostos restos mortais de São Tiago — que virou o objetivo final da jornada pelo Caminho de Santiago).

E, mesmo com veículos motorizados disponíveis na atualidade, a maioria dos viajantes prefere cruzar o trajeto no mesmo estilo de épocas passadas: a pé.

Sergio escolheu percorrer a rota a partir de Roncesvalles, perto da fronteira da Espanha com a França. E, após dar início à sua marcha, caminhou por aproximadamente 790 quilômetros durante 30 dias para completar a peregrinação.

Sergio cruzou lindas paisagens no Caminho de Santiago - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sergio cruzou lindas paisagens no Caminho de Santiago
Imagem: Arquivo pessoal

Resolvi fazer essa viagem pela questão espiritual, mas também porque queria conhecer os monumentos históricos que existem ao longo do caminho.

E o argentino conta que, antes da viagem, já se sentia fisicamente preparado para o desafio.

"Vivo em La Plata e, na cidade, caminho muito. Faço entre 15 e 20 quilômetros diariamente", calcula ele.

Ao mesmo tempo, sabia que, no Caminho de Santiago, eu não teria que provar nada para ninguém. Eu iria realizar a viagem no meu ritmo.

Palacio Episcopal de Astorga, projetado por Antoni Gaudí - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Palacio Episcopal de Astorga, projetado por Antoni Gaudí
Imagem: Arquivo pessoal

Natureza, monumentos e albergues

Para encarar o Caminho de Santiago de maneira leve, Sergio carregou duas mochilas com o mínimo necessário de roupas e outros pertences de primeira necessidade.

Todos os dias, ele se levantava por volta das 6 da manhã, tomava um café reforçado e, então, empreendia uma caminhada de aproximadamente 6 horas de duração, passando pelos lindos bosques, paisagens rurais e montanhas que existem ao longo da rota.

Sergio recebe massagem de peregrino em albergue do Caminho de Santiago - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sergio recebe massagem de peregrino em albergue do Caminho de Santiago
Imagem: Arquivo pessoal

"A cada dia, eu caminhava até uma nova cidade ou vilarejo. Chegava a estes locais no começo da tarde e, então, procurava um albergue para me hospedar. Nesses centros urbanos que existem no trajeto, há diversos albergues que recebem os peregrinos. E alguns dos estabelecimentos nem cobram diárias. Vivem de doações dos hóspedes. E, após o check-in, eu aproveitava o resto da tarde para conhecer as cidades".

Nesses passeios, Sergio teve a chance de admirar monumentos extremamente importantes do Caminho de Santiago, como o Convento de San Marcos (em um local usado, em tempos remotos, como hospital para peregrinos), a Catedral de Santa María de Regla (com uma coleção de centenas de magníficos vitrais religiosos) e o Palácio Episcopal de Astorga, projetado por Antoni Gaudí.

Mesmo com paisagens incríveis por todos os lados, a viagem apresentou trechos bem cansativos.

O viajante argentino na frente de castelo no Caminho de Santiago - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O viajante argentino na frente de castelo no Caminho de Santiago
Imagem: Arquivo pessoal

"Logo no começo da viagem, caminhei por uma zona montanhosa e, em um dos dias, começou a chover muito. Fiquei todo molhado e cheio de barro nos calçados, o que deixou difícil a caminhada", lembra Sergio.

A chegada em León teve um contratempo comum aos viajantes do caminho: bolhas nos pés.

Precisei ficar um dia inteiro sem me movimentar muito para minimizar esse incômodo.

Quando se sentiu exausto, Sergio lidou com a fraqueza e o cansaço sempre lembrando que poderia fazer as coisas ao seu ritmo, sem pressa.

Sergio durante a viagem pelo Caminho de Santiago - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sergio durante a viagem pelo Caminho de Santiago
Imagem: Arquivo pessoal

Sempre me lembrava que estava ali para me divertir e curtir a viagem com calma, não para me flagelar e completar a rota com pressa. Se meu físico pedia, eu parava. E voltava a caminhar depois de estar descansado.

'Você nunca se sente solitário no Caminho de Santiago'

Os encontros humanos foram os momentos que mais marcaram Sergio durante a viagem.

"Viajei sozinho para a Espanha para fazer o Caminho de Santiago. Mas, na rota, você sempre cruza com outras pessoas. E existe uma comunhão bonita entre os peregrinos. Nos albergues, os viajantes compartilham sua comida, cozinham juntos e trocam experiências pessoais. E, na estrada, as pessoas se ajudam quando necessário. E é gente do mundo inteiro, alemães, italianos, coreanos, brasileiros. Você nunca se sente solitário no Caminho de Santiago".

Sergio compartilha jantar com peregrinos em albergue do Caminho de Santiago - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sergio compartilha jantar com peregrinos em albergue do Caminho de Santiago
Imagem: Arquivo pessoal

Sergio afirma, porém, que se viu completamente sozinho na rota em diversas ocasiões. E que estes instantes tinham muito valor.

"São momentos em que você se encontra com você mesmo", avalia ele.

"No dia a dia corrido de nossas vidas, não há tempo para frear um pouco e pensar em si mesmo. E, em muitas viagens, às vezes é impossível ter momentos de reflexão, pois a gente passa os dias com pressa para conhecer diferentes lugares. Mas o Caminho de Santiago nos dá paz e tempo para momentos de introspecção. Você vai andando e mastigando seus pensamentos, fazendo reflexões importantes sobre a vida ao longo da estrada".

O viajante argentino em trecho do Caminho de Santiago - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O viajante argentino em trecho do Caminho de Santiago
Imagem: Arquivo pessoal

A emoção na reta final

E o Caminho também proporciona emoções intensas.

Pouco antes de chegar a Santiago de Compostela, ao perceber que havia conseguido vencer centenas de quilômetros na base da caminhada (e que faltava pouco para atingir a grande meta da jornada), Sergio caiu em pranto.

"Fiquei muito emocionado quando me vi perto da cidade. Comecei a chorar de emoção", lembra ele.

Sergio na Catedral de Santiago de Compostela - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sergio na Catedral de Santiago de Compostela
Imagem: Arquivo pessoal

"E quando cheguei na frente da catedral chorei de novo, abraçando outros peregrinos que também tinham acabado de completar o trajeto. Foi algo incrível vivenciar isso. Principalmente porque estava compartilhando um mesmo sentimento com outras pessoas. O sentimento era de superação física e de realização espiritual".

O viajante argentino diz que "não há idade para fazer o Caminho".

"Tenho 63 anos e, no percurso, conheci gente com mais idade do que eu. É preciso estar bem fisicamente para fazer a viagem, mas não é algo impossível. O importante é cada um andar em seu próprio ritmo e saber que o Caminho de Santiago não é uma competição. Não há, inclusive, a obrigação de fazer todo o percurso. Você pode começar o caminho de onde quiser, de algum lugar mais perto de Santiago de Compostela. O importante é que a viagem traga para a pessoa um senso de realização".