Aos 63, ele fez o Caminho de Santiago: 'Não há idade para peregrinar'
Hoje com 63 anos de idade, o argentino Sergio Ligero (@sergio.ligero) já esteve em nada menos do que 83 países.
Nas últimas décadas, ele viajou pelos quatro cantos do globo, visitando nações de todos os perfis, da Eslováquia à Síria.
E em 2022, sexagenário e com muita estrada percorrida, resolveu fazer a pé uma das rotas de peregrinação mais famosas do mundo: o Caminho de Santiago.
"Em algumas fases da minha vida, parecia que eu estava em uma competição, querendo adicionar mais e mais países à minha lista", diz.
Mas, há alguns anos, comecei a querer vivenciar viagens mais lentas e profundas. Percebi que não estou em uma disputa e não tenho que correr.
Sergio, então, decidiu encarar a longa caminhada do Caminho de Santiago.
Situado entre a França e a Espanha (e com ramificações em Portugal), o Caminho surgiu a partir da descoberta, no século 9, do túmulo que seria do apóstolo São Tiago, em uma localidade que se tornaria a cidade de Santiago de Compostela.
Após a descoberta, devotos de toda a Europa começaram a realizar longas viagens para chegar ao suposto corpo do homem que foi discípulo de Jesus Cristo.
E, ao longo dessas rotas de peregrinação, foram erguidos mosteiros, igrejas, castelos e até cidades inteiras.
A tradição de superar longas distâncias para chegar a Compostela se manteve até os dias de hoje (no local, inclusive, foi construída uma catedral para abrigar os supostos restos mortais de São Tiago — que virou o objetivo final da jornada pelo Caminho de Santiago).
E, mesmo com veículos motorizados disponíveis na atualidade, a maioria dos viajantes prefere cruzar o trajeto no mesmo estilo de épocas passadas: a pé.
Sergio escolheu percorrer a rota a partir de Roncesvalles, perto da fronteira da Espanha com a França. E, após dar início à sua marcha, caminhou por aproximadamente 790 quilômetros durante 30 dias para completar a peregrinação.
Resolvi fazer essa viagem pela questão espiritual, mas também porque queria conhecer os monumentos históricos que existem ao longo do caminho.
E o argentino conta que, antes da viagem, já se sentia fisicamente preparado para o desafio.
"Vivo em La Plata e, na cidade, caminho muito. Faço entre 15 e 20 quilômetros diariamente", calcula ele.
Ao mesmo tempo, sabia que, no Caminho de Santiago, eu não teria que provar nada para ninguém. Eu iria realizar a viagem no meu ritmo.
Natureza, monumentos e albergues
Para encarar o Caminho de Santiago de maneira leve, Sergio carregou duas mochilas com o mínimo necessário de roupas e outros pertences de primeira necessidade.
Todos os dias, ele se levantava por volta das 6 da manhã, tomava um café reforçado e, então, empreendia uma caminhada de aproximadamente 6 horas de duração, passando pelos lindos bosques, paisagens rurais e montanhas que existem ao longo da rota.
"A cada dia, eu caminhava até uma nova cidade ou vilarejo. Chegava a estes locais no começo da tarde e, então, procurava um albergue para me hospedar. Nesses centros urbanos que existem no trajeto, há diversos albergues que recebem os peregrinos. E alguns dos estabelecimentos nem cobram diárias. Vivem de doações dos hóspedes. E, após o check-in, eu aproveitava o resto da tarde para conhecer as cidades".
Nesses passeios, Sergio teve a chance de admirar monumentos extremamente importantes do Caminho de Santiago, como o Convento de San Marcos (em um local usado, em tempos remotos, como hospital para peregrinos), a Catedral de Santa María de Regla (com uma coleção de centenas de magníficos vitrais religiosos) e o Palácio Episcopal de Astorga, projetado por Antoni Gaudí.
Mesmo com paisagens incríveis por todos os lados, a viagem apresentou trechos bem cansativos.
"Logo no começo da viagem, caminhei por uma zona montanhosa e, em um dos dias, começou a chover muito. Fiquei todo molhado e cheio de barro nos calçados, o que deixou difícil a caminhada", lembra Sergio.
A chegada em León teve um contratempo comum aos viajantes do caminho: bolhas nos pés.
Precisei ficar um dia inteiro sem me movimentar muito para minimizar esse incômodo.
Quando se sentiu exausto, Sergio lidou com a fraqueza e o cansaço sempre lembrando que poderia fazer as coisas ao seu ritmo, sem pressa.
Sempre me lembrava que estava ali para me divertir e curtir a viagem com calma, não para me flagelar e completar a rota com pressa. Se meu físico pedia, eu parava. E voltava a caminhar depois de estar descansado.
'Você nunca se sente solitário no Caminho de Santiago'
Os encontros humanos foram os momentos que mais marcaram Sergio durante a viagem.
"Viajei sozinho para a Espanha para fazer o Caminho de Santiago. Mas, na rota, você sempre cruza com outras pessoas. E existe uma comunhão bonita entre os peregrinos. Nos albergues, os viajantes compartilham sua comida, cozinham juntos e trocam experiências pessoais. E, na estrada, as pessoas se ajudam quando necessário. E é gente do mundo inteiro, alemães, italianos, coreanos, brasileiros. Você nunca se sente solitário no Caminho de Santiago".
Sergio afirma, porém, que se viu completamente sozinho na rota em diversas ocasiões. E que estes instantes tinham muito valor.
"São momentos em que você se encontra com você mesmo", avalia ele.
"No dia a dia corrido de nossas vidas, não há tempo para frear um pouco e pensar em si mesmo. E, em muitas viagens, às vezes é impossível ter momentos de reflexão, pois a gente passa os dias com pressa para conhecer diferentes lugares. Mas o Caminho de Santiago nos dá paz e tempo para momentos de introspecção. Você vai andando e mastigando seus pensamentos, fazendo reflexões importantes sobre a vida ao longo da estrada".
A emoção na reta final
E o Caminho também proporciona emoções intensas.
Pouco antes de chegar a Santiago de Compostela, ao perceber que havia conseguido vencer centenas de quilômetros na base da caminhada (e que faltava pouco para atingir a grande meta da jornada), Sergio caiu em pranto.
"Fiquei muito emocionado quando me vi perto da cidade. Comecei a chorar de emoção", lembra ele.
"E quando cheguei na frente da catedral chorei de novo, abraçando outros peregrinos que também tinham acabado de completar o trajeto. Foi algo incrível vivenciar isso. Principalmente porque estava compartilhando um mesmo sentimento com outras pessoas. O sentimento era de superação física e de realização espiritual".
O viajante argentino diz que "não há idade para fazer o Caminho".
"Tenho 63 anos e, no percurso, conheci gente com mais idade do que eu. É preciso estar bem fisicamente para fazer a viagem, mas não é algo impossível. O importante é cada um andar em seu próprio ritmo e saber que o Caminho de Santiago não é uma competição. Não há, inclusive, a obrigação de fazer todo o percurso. Você pode começar o caminho de onde quiser, de algum lugar mais perto de Santiago de Compostela. O importante é que a viagem traga para a pessoa um senso de realização".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.