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Paraíso abandonado: como bairro de luxo no Chipre virou uma cidade-fantasma

Em Varosha, você verá os prédios cercados de entulhos e com cordas que limitam os acessos por questões de segurança - palliki/Getty Images/iStockphoto
Em Varosha, você verá os prédios cercados de entulhos e com cordas que limitam os acessos por questões de segurança
Imagem: palliki/Getty Images/iStockphoto

Victor Caselli

Colaboração para Nossa, no Chipre

12/01/2023 04h00

Localizado no leste do mar Mediterrâneo, ao sul da Turquia e ao lado do Oriente Médio, o Chipre é uma pequena ilha que pertence à União Europeia. O país vive basicamente do turismo, já que conta com belas praias que atraem, principalmente, cidadãos de países como Rússia, Ucrânia e Polônia, que buscam escapar do frio durante todo o ano. Muitos destinos ficam lotados, exceto um.

As principais cidades são Nicosia, única capital ainda dividida do mundo; Larnaca, que possui o maior aeroporto do país; e Limassol, importante polo econômico. Entretanto, nem sempre foi assim.

A cidade litorânea de Famagusta, situada no leste da ilha, era um dos principais destinos do verão europeu nas décadas de 60 e 70. Famosos como Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor e Richard Burton costumavam frequentar as praias de areia branca e água cristalina do balneário, que era batizado como "a Riviera Francesa cipriota".

Prédios abandonados de Varosha: edifícios que abrigavam hotéis e resorts foram esvaziados - HomoCosmicos/Getty Images/iStockphoto - HomoCosmicos/Getty Images/iStockphoto
Prédios abandonados de Varosha: edifícios que abrigavam hotéis e resorts foram esvaziados
Imagem: HomoCosmicos/Getty Images/iStockphoto

A área mais importante de Famagusta, e também do Chipre naquele momento, era Varosha, um bairro com resorts à beira-mar, hotéis cinco estrelas e lojas de marcas estrangeiras.

Hoje, Famagusta não passa de uma cidade-fantasma. Prédios abandonados, casas decadentes, construções inacabadas, tudo parece um cenário de filme de guerra. Na verdade, não só parece, como de fato é. O glamour e a fama de Varosha acabaram em 1974, quando tropas do exército turco invadiram a parte norte do Chipre para defender os cipriotas-turcos após uma tentativa de golpe de estado que tentava anexar o país à Grécia.

O mar azul de Varosha e solitários banhistas - Savas Bozkaya/Getty Images/iStockphoto - Savas Bozkaya/Getty Images/iStockphoto
O mar azul de Varosha e solitários banhistas
Imagem: Savas Bozkaya/Getty Images/iStockphoto

Após o conflito, a ONU criou uma zona desmilitarizada chamada Linha Verde, que basicamente divide o Chipre no meio, inclusive a capital Nicosia.

Em 1983, foi declarada a independência da República Turca do Chipre do Norte, país que só é reconhecido pela Turquia. E é lá que fica Varosha — ou Maras, em turco.

Com a ocupação turca no Chipre, mais de cem mil cipriotas-gregos foram obrigados a deixar suas casas e migrar para outras cidades ou países, com a esperança de um dia voltar para Famagusta. Uma dessas vítimas foi a família de Eleni Ellinas, guia turística que hoje mora em Nicosia.

Edifício da Toyota abandonado em Varosha - Victor Caselli - Victor Caselli
Edifício da Toyota abandonado em Varosha
Imagem: Victor Caselli

Saída às pressas

Eleni relembra exatamente o que aconteceu na manhã de 14 de agosto de 1974:

Fomos acordados pelo barulho das sirenes. Eu pulei da cama e vi minha mãe correndo pelo apartamento tentando colocar tudo o que conseguia numa pequena mala.

Nascida em Londres, filha de pai cipriota e mãe polonesa, Eleni se mudou ainda criança para o país natal de seu pai. Ela tinha quatro anos de idade quando Famagusta foi invadida pelos turcos.

"Tivemos que deixar a cidade por segurança. Entramos no carro do nosso vizinho e comecei a ouvir bombas e aviões militares sobrevoando nossas cabeças", conta.

Eleni morava no edifício Serenissima, em frente à praia de Varosha.

Segundo ela, o prédio se encontra exatamente igual à quando o deixou, há mais de 40 anos: "Saímos com pressa, mas minha mãe ainda teve a calma de fechar as cortinas para o sol não entrar no apartamento, crente de que voltaríamos logo".

Varosha: a estrutura dos prédios permanece igual, embora o cenário seja desolador - Victor Caselli - Victor Caselli
Varosha: a estrutura dos prédios permanece igual, embora o cenário seja desolador
Imagem: Victor Caselli

Em 2021, Eleni pôde voltar com sua irmã e sua mãe a Varosha, e diz que o momento foi emocionante: "Vimos as janelas e as cortinas intocadas, exatamente como minha mãe tinha deixado.

Foi um dia pelo qual esperamos 47 anos, um ciclo doloroso que chegou ao fim", relembra a guia, que morava no primeiro andar com sua família.

Justamente ao lado do Serenissima, hoje há uma pequena infraestrutura para receber os turistas que visitam Varosha. Um quiosque à beira-mar com bancos, mesas e cadeiras para quem quer comer e beber ou simplesmente mergulhar nas límpidas e vazias águas daquela parte do Mediterrâneo.

Era justamente nessa orla que Eleni costumava brincar durante sua infância.

Foi ali onde aprendi a andar de bicicleta, nadar nas águas quentes e jogar na praia. A vida não podia ser melhor.

Embora os prédios estejam abandonados, faixa de areia tem estrutura para os visitantes de Varosha - Lemanieh/Getty Images - Lemanieh/Getty Images
Embora os prédios estejam abandonados, faixa de areia tem estrutura para os visitantes de Varosha
Imagem: Lemanieh/Getty Images

A entrada em Varosha é gratuita para quem quiser conhecer o local caminhando. Se preferir percorrer o lugar em uma bicicleta, o aluguel custa 30 liras turcas por um período de duas horas.

No complexo podem ser vistos todos tipos de estabelecimentos de uma cidade: hotéis, farmácias, casas, prédios, lojas. Entretanto, todos vazios, o que resta são somente escombros e lembranças do que um dia já foi a principal cidade do Chipre.

Fachada de comércio de Varosha: destruição e esquecimento - Victor Caselli - Victor Caselli
Fachada de comércio de Varosha: destruição e esquecimento
Imagem: Victor Caselli
Rastro de abandono de Varosha segue da orla até a parte interna do bairro - Victor Caselli - Victor Caselli
Rastro de abandono de Varosha segue da orla até a parte interna do bairro
Imagem: Victor Caselli

Não há moradores, apenas visitantes que foram permitidos a entrar em Varosha em 2020. Os edifícios possuem bloqueios com cordas e cartazes que informam o risco de desabamento. Apesar de a entrada não ser expressamente proibida, o aviso sobre os perigos é claro.

Os hotéis abandonados em Varosha, no Chipre - trabantos/Getty Images/iStockphoto - trabantos/Getty Images/iStockphoto
Os hotéis abandonados em Varosha, no Chipre
Imagem: trabantos/Getty Images/iStockphoto

Vale lembrar que não se pode entrar de carro no complexo, que contém cercas por todos os lados, além de vigilância de militares turcos e de agentes de segurança da ONU. Inclusive é proibido tirar fotos em certos locais, ultrapassar algumas barreiras e andar em determinadas ruas.

Eleni sabe que Varosha e Famagusta dificilmente voltarão a viver os tempos áureos de meio século atrás, mas ainda espera que um dia cipriotas-gregos e cipriotas-turcos possam viver unidos como um só Chipre.