Paraíso abandonado: como bairro de luxo no Chipre virou uma cidade-fantasma
Localizado no leste do mar Mediterrâneo, ao sul da Turquia e ao lado do Oriente Médio, o Chipre é uma pequena ilha que pertence à União Europeia. O país vive basicamente do turismo, já que conta com belas praias que atraem, principalmente, cidadãos de países como Rússia, Ucrânia e Polônia, que buscam escapar do frio durante todo o ano. Muitos destinos ficam lotados, exceto um.
As principais cidades são Nicosia, única capital ainda dividida do mundo; Larnaca, que possui o maior aeroporto do país; e Limassol, importante polo econômico. Entretanto, nem sempre foi assim.
A cidade litorânea de Famagusta, situada no leste da ilha, era um dos principais destinos do verão europeu nas décadas de 60 e 70. Famosos como Brigitte Bardot, Elizabeth Taylor e Richard Burton costumavam frequentar as praias de areia branca e água cristalina do balneário, que era batizado como "a Riviera Francesa cipriota".
A área mais importante de Famagusta, e também do Chipre naquele momento, era Varosha, um bairro com resorts à beira-mar, hotéis cinco estrelas e lojas de marcas estrangeiras.
Hoje, Famagusta não passa de uma cidade-fantasma. Prédios abandonados, casas decadentes, construções inacabadas, tudo parece um cenário de filme de guerra. Na verdade, não só parece, como de fato é. O glamour e a fama de Varosha acabaram em 1974, quando tropas do exército turco invadiram a parte norte do Chipre para defender os cipriotas-turcos após uma tentativa de golpe de estado que tentava anexar o país à Grécia.
Após o conflito, a ONU criou uma zona desmilitarizada chamada Linha Verde, que basicamente divide o Chipre no meio, inclusive a capital Nicosia.
Em 1983, foi declarada a independência da República Turca do Chipre do Norte, país que só é reconhecido pela Turquia. E é lá que fica Varosha — ou Maras, em turco.
Com a ocupação turca no Chipre, mais de cem mil cipriotas-gregos foram obrigados a deixar suas casas e migrar para outras cidades ou países, com a esperança de um dia voltar para Famagusta. Uma dessas vítimas foi a família de Eleni Ellinas, guia turística que hoje mora em Nicosia.
Saída às pressas
Eleni relembra exatamente o que aconteceu na manhã de 14 de agosto de 1974:
Fomos acordados pelo barulho das sirenes. Eu pulei da cama e vi minha mãe correndo pelo apartamento tentando colocar tudo o que conseguia numa pequena mala.
Nascida em Londres, filha de pai cipriota e mãe polonesa, Eleni se mudou ainda criança para o país natal de seu pai. Ela tinha quatro anos de idade quando Famagusta foi invadida pelos turcos.
"Tivemos que deixar a cidade por segurança. Entramos no carro do nosso vizinho e comecei a ouvir bombas e aviões militares sobrevoando nossas cabeças", conta.
Eleni morava no edifício Serenissima, em frente à praia de Varosha.
Segundo ela, o prédio se encontra exatamente igual à quando o deixou, há mais de 40 anos: "Saímos com pressa, mas minha mãe ainda teve a calma de fechar as cortinas para o sol não entrar no apartamento, crente de que voltaríamos logo".
Em 2021, Eleni pôde voltar com sua irmã e sua mãe a Varosha, e diz que o momento foi emocionante: "Vimos as janelas e as cortinas intocadas, exatamente como minha mãe tinha deixado.
Foi um dia pelo qual esperamos 47 anos, um ciclo doloroso que chegou ao fim", relembra a guia, que morava no primeiro andar com sua família.
Justamente ao lado do Serenissima, hoje há uma pequena infraestrutura para receber os turistas que visitam Varosha. Um quiosque à beira-mar com bancos, mesas e cadeiras para quem quer comer e beber ou simplesmente mergulhar nas límpidas e vazias águas daquela parte do Mediterrâneo.
Era justamente nessa orla que Eleni costumava brincar durante sua infância.
Foi ali onde aprendi a andar de bicicleta, nadar nas águas quentes e jogar na praia. A vida não podia ser melhor.
A entrada em Varosha é gratuita para quem quiser conhecer o local caminhando. Se preferir percorrer o lugar em uma bicicleta, o aluguel custa 30 liras turcas por um período de duas horas.
No complexo podem ser vistos todos tipos de estabelecimentos de uma cidade: hotéis, farmácias, casas, prédios, lojas. Entretanto, todos vazios, o que resta são somente escombros e lembranças do que um dia já foi a principal cidade do Chipre.
Não há moradores, apenas visitantes que foram permitidos a entrar em Varosha em 2020. Os edifícios possuem bloqueios com cordas e cartazes que informam o risco de desabamento. Apesar de a entrada não ser expressamente proibida, o aviso sobre os perigos é claro.
Vale lembrar que não se pode entrar de carro no complexo, que contém cercas por todos os lados, além de vigilância de militares turcos e de agentes de segurança da ONU. Inclusive é proibido tirar fotos em certos locais, ultrapassar algumas barreiras e andar em determinadas ruas.
Eleni sabe que Varosha e Famagusta dificilmente voltarão a viver os tempos áureos de meio século atrás, mas ainda espera que um dia cipriotas-gregos e cipriotas-turcos possam viver unidos como um só Chipre.
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