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Fácil de beber, vermute nasceu na Grécia Antiga e hoje tem público fiel

Vermute não é um desconhecido no Brasil, mas vive momento de ascensão  - Getty Images/iStockphoto
Vermute não é um desconhecido no Brasil, mas vive momento de ascensão
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Sergio Crusco

Colaboração para Nossa

20/01/2023 04h00

Nos tempos ociosos e ansiosos da pandemia, muita gente resolveu desenvolver algum talento manual, para não pirar no lockdown. Pães de fermentação natural, crochê, dotes culinários, origami, macramê — tudo valeu para enfrentar a clausura.

Com Tabata Magarão e Alexandre Bussab, que produziam eventos no Rio de Janeiro, a coisa parece ter sido mais divertida: viram-se trancados com um belo estoque de bebidas.

Os destilados foram aos poucos se transformando em coquetéis. E cadê vermute para tanta mistura? Ervas, cascas, flores, sementes, chás e outros ingredientes cheirosos foram macerados nos vinhos e, quase sem querer, eles começavam a criar uma linha própria e original de vermutes.

Vermutes do Trinca - Leo Martins - Leo Martins
Vermutes do Trinca
Imagem: Leo Martins
Alexandre Bussab e Tabata Magarão, do Trinca - Leo Martins - Leo Martins
Alexandre Bussab e Tabata Magarão, do Trinca
Imagem: Leo Martins

Foi a centelha para uma reviravolta na vida do casal, que mudou de cidade e abriu o Trinca Bar, em São Paulo, vermuteria e casa de coquetéis. O estabelecimento captou o espírito do tempo, uma vez que o vermute brasileiro já vem se desenvolvendo há algum tempo e está perto de deixar de ser um fenômeno tímido.

Na Europa e nos Estados Unidos, a onda de bartenders lançando suas próprias receitas e pequenas marcas já tem status de boom.

A Argentina, onde o vermú sempre foi paixão, vive um momento frenético, com bares especializados e vermuterias artesanais pipocando por Buenos Aires e outras cidades. Réplica do que já acontecia na Espanha, onde o vermute também virou mania. Talvez não tarde para vermos algo parecido acontecendo por aqui.

Brasil na taça

Coquetéis com vermutes da Di.Vino - Divulgação - Divulgação
Coquetéis com vermutes da Di.Vino
Imagem: Divulgação

O trio de bartenders Bruno Caldeira, Gabriel Santana e Leonardo Massoni partiu para a aventura de lançar uma linha de vermutes por questão de sobrevivência: o preço dos rótulos importados estava pela hora da morte. Em busca de produtos mais baratos, porém mantendo a qualidade no alto, eles criaram a própria marca, Di.Vino.

Jocassia Coelho, em Belo Horizonte, faz vermute tinto com vinho Malbec com canela, pimenta rosa, pimenta-da-jamaica e outras especiarias. Usa o ingrediente nas receitas do Ofélia Bar, onde atua como head bartender e conta os segredos de suas poções nas aulas de mixologia que ministra, disseminando a cultura do vermute artesanal na região.

Bartenders e o público dos bares estão mais interessados em coquetéis com insumos artesanais, e o vermute entra totalmente nessa tendência", diz Jocassia, que ainda produz uma receita seca.

Parâmetro clássico

Vermute se renova, mas mantêm parâmetros - Unsplash - Unsplash
Vermute se renova, mas mantêm parâmetros
Imagem: Unsplash

O bartender Walter Garin, do Rio de Janeiro, também faz seus vermutes, um branco e outro tinto, e vê com entusiasmo o movimento do vermute nacional, tanto artesanal quanto industrial, porém, a criatividade deve ter seus limites.

"É preciso ter cuidado para não criar outro produto, não fugir dos parâmetros clássicos do que é um vermute", diz ele, que visitou fábricas em Turim antes de partir para a elaboração de seus próprios rótulos, com adição de losna, alecrim, raiz de angélica, camomila, manjericão, manjerona, orégano, erva-doce e outros botânicos.

O bartender carioca prevê um mercado aquecido para o vermute artesanal e espera firmar parceria com a indústria de bebidas para lançar comercialmente sua linha, batizada de Shake Speakeasy — o mesmo nome do bar secreto que abre cerca de uma vez por mês no Rio.

Algumas novas marcas comerciais estão bem estabelecidas, como Aureah, produzido pela Famiglia Griffo, e a linha de vermutes da marca de coquetéis engarrafados APTK. A San Basile Destilaria, que já abrasileirou receitas de licores, amaros, bitters e outros elementos mixológicos, prepara-se para entrar no nicho do vermute em 2023.

Não acredito que o boom do vermute no Brasil esteja começando agora. Ele vem de antes, com coquetéis como Negroni e Manhattan bombando nos bares. O Rabo de Galo nunca morreu, sempre levou vermute e está aí até hoje. O trabalho artesanal é que passa a ser mais valorizado e só amplia as possibilidades na coquetelaria", diz Tabata Magarão.

Um pouco de história

Se você não faz ideia da razão pela qual o vermute é tão importante para os bartenders, pense como consumidor. Coquetéis populares como Dry Martini, Negroni ou Manhattan — só para citar três famosões — seriam impossíveis sem a dose adequada do vinho fortificado temperado com ervas.

Sua história não é nova. Na Grécia Antiga, Hipócrates, pai da medicina no mundo ocidental, já fabricava e receitava a poção de vinho macerado com absinto e outras ervas. Na Idade Média, o elixir, também receitado medicinalmente, virou moda no Condado de Saboia, que compreendia parte do noroeste da Itália e do sul da França.

Cartaz de vermute - Unsplash - Unsplash
Imagem: Unsplash

Foi naquele pedaço que o vermute tomou as características que conhecemos hoje, tendo Turim, na Itália, como uma das capitais, onde foi lançada a primeira marca comercial, Carpano, no século 19. Embora não seja regra, o vermute italiano se caracteriza pela cor vermelha e pelo sabor adocicado. Os vermutes clássicos franceses, como o Noilly Prat, são brancos e secos.

A legislação europeia prevê que 75% da base do vermute deva conter vinho e que seja obrigatória a presença de alguma erva da família Artemisia, sendo a losna (Artemisia Absinthium) a mais empregada. O vinho é fortificado com álcool etílico, é permitida a adição de corantes, para intensificar a cor, e de açúcar, para equilibrar o amargor das ervas.

Como beber

Vermute com petiscos - Unsplash - Unsplash
Vermute com petiscos
Imagem: Unsplash

A aplicação dos vermutes na coquetelaria clássica e nas invenções modernas de bartenders pelo mundo daria outro artigo ou até um livro, tamanha é a elasticidade do ingrediente em todas as suas formas, cores e sabores. Mas é possível arriscar algumas receitas simples, próprias para quem não quer muita treta mixológica.

Não é preciso ser expert para aproveitar o que de melhor o vermute pode oferecer. Bebê-lo puro, gelado ou on the rocks, em pequenos copos, como aperitivo antes da refeição, é uma das maneiras mais tradicionais de serviço, finalizada com uma rodela ou casca de laranja.

Os vermutes tintos acompanham entradinhas, como azeitona, tapas espanholas, sardinhas à escabeche, croquetes, castanhas e outras gulodices salgadas. Os brancos e secos, que podem ser aromatizados com uma casquinha de limão, vão bem com ostras, sushi, frutos do mar, queijos brancos e cremosos.

Outra opção são, claro, os drinques. Veja receitas a seguir:

O que provar

Trinca

Vermutes do Trinca - Leo Martins - Leo Martins
Vermutes do Trinca
Imagem: Leo Martins

A linha de vermutes do Trinca Bar, em São Paulo, é composta por três receitas, todas com a regulamentar losna na fórmula. Rosé Oriental, à base de vinho Chardonnay da Serra Gaúcha, tem raiz de angélica, casca de laranja, chá verde, flor de sabugueiro, camomila e uma leve maceração de hibisco, que garante a cor rosada. É amargo, cítrico e floral.

Na fórmula do Italiano Branco, também com Chardonnay, Alexandre e Tabata inspiraram-se nos aromas mediterrâneos, adicioando pimentas preta e rosa, gengibre, folhas de oliveira e feno grego. É bem temperado e com marcado toque picante no paladar. O Sul-Americano, com base de Malbec argentino, tem cumaru, nibs de cacau, erva-mate, jurema preta. Mais encorpado, é indicado para drinques potentes.

Di.Vino

Vermutes da Di.Vino - Divulgação - Divulgação
Vermutes da Di.Vino
Imagem: Divulgação

A linha Di.Vino é indicada para quem quer provar vermutes abrasileirados e levar aromas e sabores tropicais à taça. A receita de Bruno Caldeira, à base de açaí, é a mais potente, porém sedosa, não traz à boca a sensação de adstringência do fruto amazônico. Tem canela, cardamomo, camomila, noz-moscada e limão siciliano entre os botânicos.

Com adição de caju, o bartender Gabriel Santana, do paulistano Santana Bar, criou um vermute muito delicado e cheio de aroma da fruta, com baixo amargor e próprio para coquetéis refrescantes. Leonardo Massoni bolou a receita do vermute de amora, para quem gosta de tragos decididamente frutados, com boa sensação de acidez.

Aureah

Vermute do Aureah - Divulgação  - Divulgação
Vermute do Aureah
Imagem: Divulgação

Aureah Vermute Rossa é bastante aromático e levemente adocicado, por causa do vinho de uvas Moscatel usado como base, com maceração de 20 botânicos. A escolha da Moscatel, uma das cepas mais bem adaptadas ao nosso terroir, faz dele um vermute de perfil bem brasileiro. Ainda há o Aureah Vermute Rose, com infusão de frutas vermelhas frescas.

APTK

Vermutes da APTK - Divulgação - Divulgação
Vermutes da APTK
Imagem: Divulgação

A marca de coquetéis engarrafados do bartender Alê D'Agostino tem uma linha de três vermutes batizada de Circollo. O Bianco equilibra amargor e dulçor, resultado do casamento do açúcar com a losna e a laraja amarga. Rosso tem o estilo tradicional dos vermutes tintos italianos, bom de corpo, doce-amargo e com toques apimentados. Circollo Dry, com losna e alecrim, replica estilo francês e é destinado aos fãs de coquetéis secos como o Dry Martini.

Clássicos

Se quer passear por marcas famosas e perceber o que é o vermute clássico do Condado de Saboia, pode começar pelos italianos tintos. Da família Carpano, em ordem de complexidade (e preço) há o Carpano Classico, o Punt e Mes e o Carpano Antica Formula. Rosso Antico é outro rótulo de respeito importado para o Brasil. Entre os brancos e secos franceses, vale provar Dolin e Noilly Prat, os melhores amigos do Dry.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do informado, o Condado de Saboia compreendia parte do noroeste e não do nordeste da Itália. A informação já foi corrigida.