Café canéfora supera preconceito e conquista fãs com mais amargor e cafeína
Faz tempo que a espécie arábica virou sinônimo de café de alta qualidade. De fato, foi a partir dela que os produtores brasileiros inauguraram uma nova era na cafeicultura nacional. Mas quem é louco por café já deve ter notado que outra espécie anda frequentando as prateleiras dos cafés especiais — a canéfora.
Historicamente associadas a produtos de baixa qualidade, as variedades robusta e conilon, ambas da espécie canéfora, eram destinadas somente à grande indústria, principalmente de solúveis. Hoje, porém, já é possível encontrar cafés canéfora de alta pontuação, certificados pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA).
O primeiro produtor a conquistar o selo, em 2021, foi a Fazenda Venturim, do Espírito Santo.
Tudo começou em 2007, quando Lucas e Isaac Venturim assumiram a propriedade da família, em São Gabriel da Palha (ES). Depois de visitar produtores de arábica e anotar tudo o que eles faziam de diferente, a dupla arriscou e se deu bem — em 2018, os irmãos colheram um lote que conquistou 90 pontos pelo método de avaliação da Specialty Coffee Association (SC).
Hoje, 60% das 5 mil sacas anuais são destinados à exportação. "O mercado externo está mais aberto ao canéfora especial", avalia Lucas Venturim. A parcela que permanece no Brasil chega ao consumidor com a marca própria ou de terceiros — vem de lá, por exemplo, o microlote 0% Arábica à venda na rede Santo Grão.
Em 2022, outra marca foi certificada pela BSCA: o café robusta Giori, de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Assim como os Venturim, os Giori já tinham tradição na cultura cafeeira quando decidiram, em 2013, aprimorar a os métodos de produção, do plantio ao beneficiamento — e foram além, adotando o manejo 100% orgânico com base nos preceitos da biodinâmica.
Na propriedade de 70 hectares, com 26 hectares de lavoura de café, 500 ovelhas mantêm o solo adubado e livre de ervas daninhas, dispensando o uso de fertilizantes ou herbicidas.
"A busca por qualidade para o café dignifica nossa ancestralidade. Sem saber, nossos antepassados já seguiam a biodinâmica", afirma Conceição Giori, quarta geração da família de cafeicultores.
Rumo ao Norte
O Espírito Santo não é a única região brasileira a se destacar na produção de canéforas de alta qualidade. Os cafeicultores de Rondônia, que já conquistaram o registro de Denominação de Origem Matas de Rondônia — Robustas Amazônicos, vêm acumulando prêmios e não têm tido dificuldade para encontrar mercado dentro e fora do país.
Entre os clientes internos está a marca Remmo, lançada em 2021, que vende os grãos premiados em latas decoradas. A Cooperativa dos Agricultores Familiares da Amazônia (Lacoop), que agrupa 25 produtores, também acaba de despachar dois contêineres para a Espanha.
Segundo Leandro Dias Martins, produtor e um dos diretores da cooperativa, o selo aumenta a visibilidade do robusta amazônico no terreno internacional. "Apostamos que 2023 será um ano decisivo, com o retorno das feiras que foram interrompidas na pandemia."
Forte e mais amargo
Um dos principais desafios para os cafés canéfora é o preconceito. Na cafeteria Catarina Coffee and Love (@catarina.coffeeandlove), em São Paulo, Henrique Ortiz costuma apresentar microlotes especiais todo fim de semana, mas sabe que parte do público vai torcer o nariz.
Clientes novos no universo do café, que não tiveram tempo de absorver o preconceito, provam e adoram. A maior dificuldade é com os baristas e as pessoas que já consomem cafés especiais há mais tempo. Alguns se recusam até a provar."
Segundo Ortiz, eles não sabem o que estão perdendo. Com perfil de sabor bem diferente, o canéfora apresenta notas que nenhum arábica tem e proporciona uma experiência nova na xícara. Entrega, por exemplo, mais amargor, o que o brasileiro se habituou a chamar de "café forte".
Outra característica do canéfora é a concentração de cafeína, que pode ser até quatro vezes maior do que a do café arábica.
De acordo com Lucas Venturim, consumidores que precisam de energia e foco, como atletas de alto desempenho, estudantes e profissionais de criação ou tecnologia são um público em potencial. De olho neles, sua empresa adquiriu a marca GetUp Coffee — vendidos online, os pacotes recheados de café da Venturim prometem 220% a mais de cafeína. "Já estamos exportando para o Chile", ele comemora.
Tem sal no café
Os coffee geeks, como são chamados os aficionados por café, também podem se divertir com canéforas diferentões — produtores e torrefadores andam fazendo experimentos interessantes com esses grãos.
O Kit Conilab da Venturim traz o mesmo microlote de Conilon Diamante em três diferentes tratamentos pós-colheita: cereja descascado, honey fermentado e maceração semicarbônica.
Um quarto produto, ainda mais intrigante, complementa um kit exclusivo do Catarina Coffee and Love: o Conilon Diamante fermentado em salmoura molhada por 11 dias. Isso mesmo, o café ficou de molho em solução salina.
"O sal seleciona microrganismos e impede a formação de várias leveduras. Já tinha feito a experiência com arábica e, ano passado, propus ao Lucas Venturim o teste com o conilon", conta Henrique, que arrematou todo o lote de 40 quilos. "Ficou com uma textura densa, muito encorpada, e notas de caramelo salgado, tipo toffee. Virou meu xodó."
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