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Da despedida de solteiro do rei a lar do 007: histórias do hotel Dorchester

Fachada do clássico Dorchester, no coração de Londres, hotel que foi totalmente renovado Imagem: Divulgação

De Nossa

01/02/2023 04h00

Após um ano de reformas e restaurações, o célebre hotel The Dorchester, na capital inglesa, abriu as portas este mês para os hóspedes conferirem seu novo andar térreo, onde se encontram boa parte das áreas comuns históricas.

Reimaginado por Pierre-Yves Rochon, que já conduziu obras nos famosos hotéis The Savoy, também em Londres, e no parisiense Four Seasons George V, o renovado The Dorchester agora tem um lobby imponente e novas acomodações luxuosas para seu tradicional espaço de restaurante The Promenade — que além de receber casas grifadas como a do chef Alain Ducasse ainda conta com o próprio serviço — e para o Vesper Bar, clássico inspirado em James Bond.

O andar traz ainda uma novidade: o estreante Artists' Bar. Esta fase da reabertura ainda traz um jardim no terraço com nova roupagem e escultura em bronze de Jill Berelowitz. A segunda etapa, com quartos e suítes reformulados, deverá receber o público apenas em março.

Nova fachada do The Dorchester, em Londres Imagem: Divulgação

Logo na entrada, é possível ver uma das grandes transformações do novo Dorchester: as paredes amareladas agora são off-white e receberam detalhes trabalhados em ouro. A estrutura em ferro Art Deco foi mantida, mas as amplas janelas do teto ao chão deixam a luz entrar.

O lobby Imagem: Divulgação

A consultoria de arte parisiense Visto trabalhou com artistas britânicos para criar um tema de natureza para a decoração do hotel, que agora tem detalhes inspirados por colmeias, borboletas e lagos, prestando uma homenagem à proximidade com o Hyde Park e o movimento paisagista inglês do século 18, conforme revelado pela revista Condé Nast Traveller.

The Promenade, o espaço de restaurantes Imagem: Divulgação

Azulejos de mármore combinam e contrastam com carpetes florais e lamparinas de cobre que levam até o Artists' Bar, no final da The Promenade, onde descansa uma impressionante coleção de obras de arte. Uma obra costurada à mão, em pérolas, por Ann Carrington homenageia a rainha Elizabeth 2ª — uma das mais célebres frequentadoras do Dorchester, sobre uma das mesas.

A homenagem à rainha Elizabeth 2ª, uma das frequentadoras mais famosas do hotel Imagem: Divulgação

Ao centro, um piano espelhado onde tocava o famoso antigo pianista residente, Liberace, foi restaurado e toma todos os holofotes mais uma vez. Já no Vesper Bar, o ar de taberna de luxo com bancos em tons de sálvia, bar em cobre, assentos e lamparinas estofados segue firme, e obras de Cecil Beaton podem ser vistas nos cantos, enquanto se saboreia um drinque.

O piano histórico e extravagante que era tocado por Liberace Imagem: Divulgação

De terras reais a projeto ambicioso em 800 anos

Mas não é apenas o presente do The Dorchester é glamouroso. Seu passado fez dele "o coração de Londres", como é conhecido. Inaugurado apenas em 1931, seu terreno histórico era parte da Mansão de Hyde no século 11, propriedade do rei William 1º. Ele deu a terra de presente a Geoffrey de Mandeville, patrulheiro da Torre de Londres, que a entregou para a Abadia de Westminster.

Dorchester House Imagem: Reprodução/The Dorchester Hotel

Séculos depois, em 1792, o conde de Dorchester, Joseph Damer, comprou a casa que foi construída no local e ela ficou conhecida como Dorchester House — um nome tão popular que acabou sendo mantido quando o hotel foi construído. Antes disso, no entanto, o local passou por mais algumas transformações, todas de enormes proporções.

O antigo Holford Room Imagem: Reprodução/The Dorchester Hotel

Em 1853, de acordo com a própria equipe do The Dorchester, Robert Holford construiu ali uma casa no estilo de 'palazzo italiano'. A Dorchester House não perdeu o nome de seu antecessor, mas este legado também foi preservado pelo hotel, que conta hoje com um espaço de eventos chamado Holford Room em sua homenagem.

A Embaixada dos EUA no Reino Unido, onde hoje funciona o The Dorchester Hotel Imagem: Reprodução/The Dorchester Hotel

Em 1910, a Dorchester House se tornou a Embaixada dos EUA no Reino Unido. Pouco depois, durante a 1ª Guerra, ela se tornaria um hospital. Em 1928, a BBC demonstrou interesse em comprá-la, mas, no ano seguinte, ela seria demolida para o projeto ambicioso do empreiteiro Sir Robert McAlpine que construiria o hotel — o primeiro em concreto reforçado no mundo.

Imã para intelectuais festeiros

Diante de halls e suítes luxuosas, não demorou para que The Dorchester se tornasse um imã para intelectuais, políticos e celebridades. Seus bailes, jantares e festas se tornaram famosos. O poeta Cecil Day-Lewis, o romancista Somerset Maugham e o pintor Sir Alfred Munnings eram hóspedes frequentes — alguns dos atraídos pelos clássicos (e oferecidos até hoje) "Foyles Literary Luncheons", uma espécie de sarau mais formal.

The Dorchester Hotel na época de sua inauguração Imagem: Reprodução/The Dorchester Hotel

Nos anos 30, o ator Danny Kaye fazia apresentações de cabaré no hotel, enquanto Alberta Hunter gravou "Miss Otis Regrets", de Cole Porter, no Dorchester. Seus bares e restaurantes também atraíam empresários, tanto que, em 1943, o Comitê de Petróleo Britânico foi fundado nas suas dependências.

Um polêmico bunker de luxo

Durante toda a Segunda Guerra, aliás, o público do Dorchester mudou. Com a reputação de ser um dos prédios mais seguros em Londres justamente pela fala de Sir Malcolm McAlpine na inauguração — que o declarou "à prova de bombas, terremotos e fogo" —, ele passou a receber militares e políticos que se abrigaram em seus banhos turcos convertidos em bunker.

Segundo o jornalista Matthew Sweet, autor de "The West End Front: The Wartime Secrets of London's Grand Hotels", o único dano que eventualmente a Força Aérea Alemã conseguiu causar no Dorchester foi a quebra de algumas janelas.

Ernest Hemingway em seu quarto no The Dorchester, em Londres, em 1944 Imagem: Domínio Público/U.S. National Archives and Records Administration

Assim, ele conquistou um importante "aliado": o general Dwight D. Eisenhower, futuro presidente dos EUA, que tornou o Dorchester sua base no Reino Unido — tanto que hoje o hotel batizou a suíte no primeiro andar com o seu nome.

Dos hóspedes desta época, o célebre fotógrafo Cecil Beaton teria dito que era um grupo de "estirpe mista" — "um prédio onde o respeitável e o dúbio se mesclavam aos milhares, bebendo coquetéis e se satisfazendo com conversas descuidadas". Em 1945, o escritor Ernest Hemingway teria marcado encontros com sua amante, a correspondente da Time Mary Welsh, no Dorchester.

Reduto da realeza e de espiões

Ainda segundo Sweet, o pós-guerra foi movimentado para o Dorchester, que passou a receber a nata hollywoodiana como Elizabeth Taylor, Barbra Streisand e Alfred Hitchcock. No entanto, outros hóspedes movimentavam mais a vida política do hotel.

Em 1947, a então princesa Elizabeth de York — futura rainha Elizabeth 2ª — passou sua última noite de "solteira" no Dorchester. No dia seguinte, 10 de julho, ela anunciaria seu noivado com o príncipe Philip. O local ainda se tornou afetivo para o casal, já que Philip, futuro duque de Edimburgo, ainda deu sua festa de despedida de solteiro no Dorchester em novembro.

A rainha Elizabeth 2ª e o príncipe Philip retornaram ao Dorchester em muitas ocasiões. Aqui, em um evento de caridade em seu salão de baile em 1948 Imagem: Reprodução/The Dorchester Hotel

Em 1949, a festa do 150º aniversário de nascimento do poeta russo Aleksandr Pushkin foi organizada pela Sociedade de Relações Culturais com o apoio da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e de ministros e embaixadores romenos e poloneses.

Espiões do MI5, o braço doméstico do Serviço Secreto britânico, estiveram no evento para investigar as possíveis ligações comunistas de Cecil Day-Lewis, convidado da festa e "dedo-duro" que levou a público a ação.

Bond, James Bond

The Dorchester se tornou uma casa informal do icônico agente 007 ao longo dos anos — e por isso ostenta um martíni tradicional em seu Vesper Bar. Isto porque o hotel tem diversas ligações com o personagem. Nos anos 40, seu criador, Ian Fleming, era assíduo frequentador. Na época trabalhando para a Inteligência da Marinha Britânica, ele jogava bridge com os amigos no local.

O novo Vesper Bar do The Dorchester, em Londres, segue repleto de referências a Bond Imagem: Divulgação

Uma das ruas de sua vizinhança, a Bond Street, teria inspirado o batismo de seu personagem mais famoso anos mais tarde. Quando o primeiro filme estava em produção, em 1961, o roteirista Terence Young e sua assistente Johanna Harwood terminaram o script de "Dr. No" por lá.

Depois de anos interpretando o 007, foi durante uma estadia no Dorchester que Sean Connery topou um novo convite para voltar a viver o espião em "Os Diamantes São Eternos". Em 1967, uma versão de Casino Royale com Peter Sellers e David Niven foi feita e a trilha de Hal David e Burt Bacharach foi composta em um dos quartos.

Mais detalhes do Vesper Bar Imagem: Divulgação

Em 1968, o sucessor de Sean Connery, George Lazenby, foi anunciado em uma coletiva de imprensa no Dorchester, o que se repetiu em 1972 com Roger Moore e para os lançamentos de "Skyfall" e Quantum of Solace" com Daniel Craig. O chefe de Bond, "M", teria sido inspirado no chefe de Fleming na Inteligência — que ele observava em reuniões secretas no hotel.

O lançamento do livro de William Boyd sobre o agente James Bond, "Solo", no Dorchester em setembro de 2013 Imagem: AFP

Coincidentemente, a mais longeva intérprete de M, Judi Dench, recebeu um Bafta (o Oscar do cinema inglês) ali. Em 2013, por fim, um novo romance de James Bond foi lançado, assinado por William Boyd. No primeiro capítulo, o espião acorda no hotel que acompanhou sua trajetória por décadas.

Polêmicas

Apesar de ter ostentado ao longo de décadas uma reputação estrelada, o Dorchester teve outros momentos nem tão reluzentes em sua trajetória. Hospedagens históricas como a da lua de mel de Elizabeth Taylor e Richard Burton em 1964 na suíte Oliver Messel — uma das mais prestigiosas da casa, batizada em homenagem ao designer que reformulou o hotel nos anos 50 — tiveram que dividir holofotes com perrengues ilustres, como uma famosa ressaca de John Lennon.

No mesmo ano, 1964, ele havia sido convidado para um dos Foyle Literary Luncheons após o sucesso de crítica do seu livro "His Own Write". O cantor não tinha ideia do prestígio e do glamour que envolvia o evento, e apareceu logo após uma comemoração para lá de etílica. O resultado? Total decepção para os presentes, que esperavam por um discurso de Lennon, e ouviram apenas "muito obrigado, foi um prazer".

Os anos seguintes ainda tiveram novos escândalos. Em 2008, o ator Christian Bale agrediu a própria mãe no Dorchester pouco antes da première de "Batman: O Cavaleiro das Trevas" e saiu preso de lá. Já a partir de 2014, diversas celebridades como Elton John e George Clooney declararam seu boicote ao hotel — que em 1985 foi comprado pelo Sultão de Brunei — devido à política do país de pena de morte por apedrejamento como punição por relações homossexuais.

Desde então, o Deutsche Bank, o jornal Financial Times, a TV Choice e a The Police Federation of England and Wales se juntaram ao boicote cancelando eventos agendados na casa, enquanto o The English National Ballet, a Make-A-Wish Foundation e a Tempus Magazine prometeram rever suas associações ao hotel.

Um universo de luxo

Além de comodidades como spa, já um clássico de outros hotéis de luxo, o The Dorchester oferece alguns mimos mais exclusivos — e tipicamente britânicos. Entre eles estão cama para seu pet e ajustes de última hora em nível de Alta-Costura para suas peças feitas pelos alfaiates da casa.

Mais detalhes da entrada do Dorchester Imagem: Divulgação

Como mencionado anteriormente, o hotel ainda não divulgou o resultado da reforma em seus quartos e suítes, mas os preços e reservas continuam abertas ao público. Para o mês de fevereiro, os preços podem variar de 855 libras a R$ 10,7 mil libras (ou R$ 66,9 mil) por noite na cobertura Harlequin, a mais espaçosa e luxuosa acomodação de todo o hotel com 165 m².

A luxuosa suíte Oliver Messel, onde ficou Elizabeth Taylor e Richard Burton, antes da reforma Imagem: Reprodução/The Dorchester Hotel

Interessados nas histórias do Dorchester também podem embarcar em um passeio guiado de 60 minutos com Christopher Astbury, gerente dos arquivos da casa, que revela segredos e mostra fotografias da história do hotel pelo caminho. Atualmente, cinco roteiros temáticos são oferecidos: Anos 30, Segunda Guerra, Anos 70 e o Trabalho de Oliver Messel. Reservas podem ser realizadas através do site.

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