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Churrasco de carne moída? Conheça o rojão, iguaria do interior paulista

Rojão do Balaio, de Ribeirão Grande - Reprodução
Rojão do Balaio, de Ribeirão Grande Imagem: Reprodução

Flavia G Pinho

Colaboração para Nossa

06/02/2023 04h00

Grelhar carne moída no espeto é uma prática relativamente conhecida no Brasil, especialmente nas cidades que receberam imigrantes de origem sírio-libanesa — é assim que se prepara a cafta, um dos pratos mais famosos dos restaurantes árabes.

Mas São Paulo também tem a própria receita, e ainda por cima feita na churrasqueira.

Trata-se do rojão, que nasceu na pequenina Ribeirão Grande, sudeste do estado, ganhou o interior paulista e já tem fãs até na capital.

Essa história começa no fim do século 19, quando o português Manoel Silvério Ferreira se instalou em Ribeirão Grande, na época um bairro de Capão Bonito, e ali constituiu família.

Nos dias de festa, especialmente as de São João, Santo Antônio e São Pedro, os homens se reuniam ao redor da fogueira para assar grandes espetos de carne suína moída e bem temperada.

Registro antigo do rojão do Balaio - Reprodução - Reprodução
Registro antigo do rojão do Balaio
Imagem: Reprodução
Produção do rojão do Balaio, de Ribeirão Grande - Reprodução - Reprodução
Produção do rojão do Balaio
Imagem: Reprodução

Moedor, ninguém tinha naquela época — carne e condimentos eram socados no pilão, até que virassem uma pasta homogênea que pudesse ser modelada ao redor dos espetos de madeira. Fios de taboa, bem amarradinhos ao redor da carne, impediam que ela desmontasse pela ação do calor. O formato, fino e comprido, lembrava os fogos de artifício, e o prato logo começou a ser apelidado de rojão.

O povo de Ribeirão Grande gostava tanto dos rojões que promoveu a receita a prato especial de Natal, de aniversário e qualquer outro festejo que merecesse cardápio especial. Mas o preparo continuou por muitos anos restrito aos moradores do lugar.

Rojão do Balaio, de Ribeirão Grande - Reprodução - Reprodução
Rojão do Balaio, de Ribeirão Grande
Imagem: Reprodução

Até que o bisneto do seu Manoel, Claudio Ferreira, um apaixonado pelas tradições gastronômicas caipiras, desconfiou que a receita do bisavô poderia fazer sucesso fora dali e começou a divulgá-la.

Herdeiro de um açougue, ele não perdia uma oportunidade: apresentava o rojão a jornalistas, montava barracas para servi-lo em feiras e festivais de outras cidades. A estratégia funcionou.

Tive uma grande sacada, modéstia à parte. O rojão virou comida famosa, nascida no coração de São Paulo", derrete-se Claudio, 65 anos, que acabou mudando a história da família.

O açougue dos Ferreira prosperou. Virou a Balaio Casa de Carnes (@balaiocasadecarnes), cuja fama ganhou a estrada e virou ponto de encontro de jipeiros, motociclistas e turistas — Claudio, que ganhou o apelido de Balaio, vende em torno de 2 mil rojões por semana.

Dá para levar congelado, para assar em casa, ou sentar para consumir ali mesmo, com arroz, feijão, torresmo frito e salada.

Sucesso na capital

A iguaria, que já foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial de Ribeirão Grande, aparece em vários festivais pelo interior paulista. Entrou para o cardápio do restaurante Don Patto, em São Roque (SP), onde ganhou sotaque português e vai à mesa com batatas coradas e brócolis puxado no azeite, e chegou à capital pelas mãos da chef Angelita Gonzaga, do Celeiro Arimbá.

Rojão do Celeiro Arimbá - Divulgação - Divulgação
Rojão do Celeiro Arimbá
Imagem: Divulgação

Angelita e Claudio se conheceram em uma das edições do evento Revelando São Paulo e o encontro deu match. "Como os paulistanos não conheciam a receita, resolvi colocar no menu. Recebo os insumos do Balaio e monto os espetos na minha cozinha", conta Angelita.

O serviço é um acontecimento — o rojão, no tamanho para duas pessoas, chega à mesa apoiado em uma pá de cavadeira, ferramenta comum na roça, própria para fazer covas na lavoura. "Foi o único utensílio que encontrei do tamanho do rojão", ela acha graça.

Há duas opções de acompanhamentos. O espeto sai em versão com mais sustança, com feijão tropeiro, arroz, vinagrete, banana da terra frita e molho de alho, ou só com salada de folhas, tomate, melão e laranja, para deixar a consciência bem leve. "Também sirvo aperitivo, para quem só quiser beliscar a carne", ela anuncia.

Rojão caseiro

Rojão do Celeiro Arimbá - Divulgação - Divulgação
Rojão do Celeiro Arimbá
Imagem: Divulgação

Claudio Balaio não faz segredo da receita, mas admite que esconde um segredinho. Como é usual nas cozinhas da roça, as quantidades não são lá muito precisas: vai botando cebola, alho, cheiro verde conforme o gosto.

Antigamente, ele conta, os rojões eram grandões, bem compridos, assados em longos espetos de madeira sobre fogueiras montadas no chão. Hoje, saem em versão encolhida, bem mais prática de reproduzir em qualquer churrasqueira. E também dá para fazer no forno — basta ter uma assadeira com grelha suspensa. "O truque é não deixar encostar no fundo", ele ensina.

Os espetos, que devem ser grossos, podem ser improvisados com cabos de vassoura — o eucalipto não interfere no sabor da carne — e os fios de taboa deram lugar ao barbante de algodão.

Segundo Angelita, o truque para deixar o rojão douradinho e bem assado por dentro é mudar a altura da grelha. "Começo a uns 65 cm da brasa, por 20 minutos. Depois desço para 40 cm, por 15 minutos, e finalizo bem perto da brasa, até dourar bem", revela.