Carnaval isento: bonecos de Olinda excluem Lula e Bolsonaro da festa
Com até quatro metros de altura, os bonecos gigantes chamam atenção quando ganham as ruas, se tornando o grande símbolo do Carnaval pernambucano.
Todos os anos, as ladeiras de Olinda e as ruas estreitas de Recife recebem alegorias que festejam a folia de momo.
Nas semanas que antecedem os dias de Carnaval, a correria nos ateliês é para terminar os novos bonecos que serão o sucesso do ano.
A tradição já existia em países europeus desde a idade média. Em Pernambuco, ao contrário do que se imagina, não foi em Olinda a sua primeira aparição. Na cidade de Belém do São Francisco, no Sertão do estado, a 481 km da capital, o boneco de Zé Pereira ganhou as ruas em 1919.
A criação de um padre belga ganhou um par dez anos depois, a Vitalina, em 1920. Até hoje eles fazem uma encenação chegando de barco pelo Rio São Francisco, abrindo a festa de momo do pequeno município.
Em Olinda, a calunga Homem da Meia-Noite, de 1932, foi o primeiro boneco gigante a descer as ladeiras durante a folia. A tradição ganhou força e foi se adaptando com o passar do tempo, chegando aos grandes blocos e às réplicas de famosos e personalidades conhecidas mundialmente.
Na rua eleita pelo povo como a mais charmosa de Recife, a do Bom Jesus no bairro Recife Antigo, um casarão antigo guarda os gigantes do Carnaval pernambucano.
O museu da Embaixada Pernambucana dos Bonecos Gigantes exibe 70 peças desde 2019, apenas parte dos mais de 500 que compõem o acervo do grupo, que faz dois grandes desfiles por ano, no Sábado de Zé Pereira e na Segunda de Carnaval.
Os bonecos da Embaixada são conhecidos como a nova geração dos bonecos gigantes. A gente juntou figuras que são Ídolos para o pessoal e colocou para dançar no Carnaval. Leandro Castro, produtor cultural
Grandes atrações, sem presidentes
Na volta do Carnaval, pela primeira vez, há 16 anos, não vai ter boneco gigante do presidente na avenida. As figuras do Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro ficarão guardadas no galpão, e serão substituídas pela Rainha Elizabeth II.
Eu acho que o país vive um momento muito polarizado no lado político e isso acaba indo para um dia a dia com conflitos. Carnaval é um bom momento para o brasileiro se unir mais e se divertir.
A cada Carnaval, são lançados entre 15 a 20 bonecos novos.
As apostas para conquistar o público em 2023, além da rainha, estão no jogador Richarlison, que foi criado em tempo recorde de três dias durante o seu estopim de sucesso na Copa do Mundo de 2022 e teve duas versões para chegar em um bom resultado, e no saudoso Pelé, que o boneco feito há 12 anos renova as atenções com a despedida do Rei do Futebol.
A mais improvável está no Homem-Aranha, que todo ano ganha pelas crianças.
O sucesso dos bonecos ultrapassa o Carnaval. Eles são atrações nos intervalos dos jogos da Copa do Mundo narrados pelo Galvão Bueno há mais de quatro edições do mundial e animam todo tipo de festa, de aniversários a sepultamentos ou eventos religiosos, sendo esses os únicos que a igreja permite a saída do boneco do Papa Francisco.
Muitos também já estiveram lado a lado de seus homenageados, como o do personagem Quico do seriado Chaves, que pousou com o ator mexicano Carlos Villagrán, e o do Chef de cozinha Érick Jacquin, que chegou a participar de um episódio do programa Master Chef.
A caracterização dos gigantes fica por conta da estilista Sineide Castro, 53, que diz que cada um chega a usar 10 metros de tecido em uma roupa básica.
"Além daqui do museu, onde as pessoas saem agradecendo e elogiando na rua durante o Carnaval, as pessoas ficam fascinadas. Tanto que na saída de Olinda vai muita criança e é uma coisa que atrai a qualquer faixa etária. Quando tá na rua, a luta que a gente teve de trabalhar de domingo a domingo, vira uma sensação muito boa", afirma, posando para uma foto ao lado do que aponta como o mais trabalhoso do acervo, Luiz Gonzaga, por conta dos detalhes em couro.
Pai dos bonecos gigantes
Nos fundos de uma casa de fachada vermelha na Rua do Amparo, que fica em uma ladeira no coração de Olinda, o artesão Silvio Botelho, 55, trabalha sem parar nas semanas que antecedem o Carnaval.
Há meses ele não aceita mais encomendas. Autodidata, Silvio criava máscaras e recebeu a encomenda do primeiro boneco em 1974, aos 16 anos. No ano seguinte, descia as ladeiras o Menino da Tarde, terceiro da cidade. Até hoje, já produziu mais de 1.300 bonecos e, por isso, é chamado de pai dos bonecos gigantes.
Sobre a modelagem, ele explica que, quando surgiram, os bonecos eram "esculpidos em argila, depois foi para o papel e para o isopor. Em seguida, foram feitos em madeira e agora na fibra de vidro". Todo o processo de produção dura em média 30 dias, desde a base até sair com roupas e pintado.
Quando a reportagem do Nossa chegou ao ateliê, o artista finalizava uma boneca que sairá pela primeira vez no Carnaval.
O número de bonecos gigantes cresce a cada ano assustadoramente. Por isso, Olinda é a pátria dos bonecos gigantes.
Nos corredores da sua casa, fica encoberta a calunga do Homem da Meia-Noite, que tem aspecto religioso e foi o primeiro que o artista viu nas ruas quando ainda era criança. Hoje, ele é o restaurador oficial desse, que é o mais tradicional da cidade.
Boneco gigante é coisa série em Olinda. Por causa de um mal-entendido, após juntar um boneco em um grupo "menos significativo", Silvio chegou a ser alvo de um tiro, que acabou atingindo um vizinho. "Tem pessoas que se apaixonam pelo boneco, botam na cama e dormem no chão. Outros botam perfume e desodorante", conta aos risos.
Até 40 quilos na cabeça
Centenas de manipuladores sobem e descem as ladeiras pernambucanas levando os bonecos que fazem a alegria dos foliões. Cada desfile pode durar até quatro horas, que são revezadas entre um e outro brincante. O peso médio é de 20 quilos, mas chegou a 40 quilos com o incrível Hulk, o mais pesado já confeccionado.
A estrutura fica apoiada na cabeça do bonequeiro. Questionado se os bonecos são muito pesados, Rogério Barbosa da Silva, 46, que sai como bonequeiro há mais de 15 anos, conta que "é mais uma questão de equilíbrio do que de força" na hora de sustentar a atração no meio da muvuca.
Gero, como é conhecido, é olindense e via os bonecos desde criança, mas nunca imaginou que um dia seria ele o responsável por levantar os gigantes e chegaria a conhecer famosos homenageados no circuito.
A sensação é de muita animação, o pessoal gosta demais. Uns foliões às vezes se exaltam, puxam a mão do boneco, passam a mão na bunda.
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