Em motinho de 125 cilindradas, ela cruzou os Andes e rodou 60 mil km
Tem gente que adia os sonhos de uma road trip por falta de grana, de tempo ou mesmo por achar que não tem o veículo adequado.
Essa última questão, definitivamente, nunca foi problema para a empresária Rebeca Bonel, que já encarou algumas dezenas de milhares de quilômetros em cima de uma de Honda Biz 125 cc, ou melhor, da "Bizoca".
Nascida na paulista Sorocaba e atualmente vivendo em Urubici, em Santa Catarina, a dona do perfil @bizoviajante conta que o gosto por motos surgiu cedo, quando ainda não tinha idade suficiente para tirar habilitação.
Sua primeira moto — uma Yamaha NEO 115 cc automática - chegou aos 17 anos e era usada para o deslocamento até o trabalho.
Por estar infringindo leis de trânsito, logo o veículo foi apreendido em uma blitz. Tempos depois, com a carteira de motorista oficialmente em mãos, veio a nova moto, uma Honda NX200.
À época ainda residindo no interior de São Paulo, Rebeca circulava apenas pela região, o que foi suficiente para conquistá-la.
Percebi que andar de moto me proporcionava liberdade com um custo muito baixo e que eu poderia ir mais longe.
Para ela, viajar em cima de duas rodas é uma "oportunidade de fazer parte do cenário". "Gosto de apreciar as paisagens, ter ampla visão, sentir os cheiros, a temperatura. A moto me proporciona esse misto de experiências e acho o máximo ver o quanto consigo me desconectar quando estou na estrada", compartilha.
Bizoca, a motoneta
A parceira de viagens entrou na vida de Rebeca há cerca de sete anos, depois de viver uma década com outra dona. O modelo Biz foi escolhido depois de um acidente com a NX200.
Fiquei com muitas dores no quadril e na perna direita. Tinha dificuldades para descer e subir em motos maiores.
Devido ao modelo com pilotagem "sentada", a motoneta acabou surgindo no radar. Apesar da versão de 100 cilindradas ser mais prática e econômica, Rebeca escolheu a de 125 cc, justamente porque queria pegar a estrada sempre que pudesse.
A primeira aventura com a Bizoca foi dirigir de Sorocaba até Poços de Caldas, em Minas Gerais. Mas foi a viagem à Florianópolis, capital catarinense, que confirmou que a moto era meio confiável para grandes distâncias. Dali para novos roteiros, foi questão de tempo.
A grande viagem
Uma das maiores façanhas da empresária foi rodar 8 mil quilômetros numa única viagem, visitando Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai, saindo de Sorocaba.
Fui a Curitiba, no Paraná; segui para Florianópolis, em Santa Catarina; e depois Porto Alegre e Jaguarão, no Rio Grande do Sul. Entrei no Uruguai e fui a Montevidéu, Punta Del Este e Colonia del Sacramento. Cruzei para Argentina por Gualeguaychu, visitei Rosário, Buenos Aires, La Plata, Vicuña Mackenna e segui para Mendoza. E cruzei as Cordilheiras dos Andes até Santiago, já no Chile.
Para retornar, Rebeca voltou pelo mesmo Paso Libertadores, entre terras chilenas e argentinas, seguiu até San Francisco, depois Corrientes, e entrou no Paraguai por Assunção. De lá, foi à Ciudad del Este e entrou no Brasil via Foz do Iguaçu, no Paraná, de onde seguiu para casa.
"Foram 25 dias de viagem e, por incrível que pareça, não peguei chuva fora do Brasil em nenhum dia. Só fui tomar chuva já no último dia de viagem, em Guarapuava", conta.
Do motor quebrado à Cordilheira dos Andes
Embora não seja prática comum, a viajante conta que sua maior distância percorrida em um só dia ultrapassou os 800 quilômetros, de Urubici a Sorocaba, por motivo que considera plausível: ter mais horas para ficar com a família. Em média, ela costuma rodar 450 quilômetros/dia durante as viagens.
Chuvas moderadas e escuridão não costumam ser problemas para Rebeca, que redobra os cuidados em tais ocasiões. A verdade é que ela até prefere pilotar à noite. "Sei que isso divide opiniões, mas o fluxo é menor e eu posso andar em velocidade mais baixa, mais tranquila, sem atrapalhar ninguém", argumenta.
A temperatura menor é outro ponto que influencia. "Gosto de pegar a estrada bem cedinho, ainda de madrugada, e rodar até umas 11 horas. É bem melhor do que na parte da tarde, por causa do calor", opina.
Dentre os momentos difíceis vividos com a Bizoca, Rebeca lembra quando o motor quebrou na estrada, a 400 quilômetros de casa, numa manhã de domingo. "Quando consegui localizar um guincho, o cunhado da pessoa era mecânico, mas estava em um churrasco da família. Eles chegaram trazendo pedaços de carne. No fim, foi uma situação engraçada", relata.
Já sobre as lembranças que ficam gravadas no coração, a empresária destaca a emoção que sentiu quando viu a Cordilheira dos Andes pela primeira vez. "Foi minha maior alegria. Não acreditava que estava naquele lugar", compartilha.
Viagens com cronograma aberto
A aventura pela América do Sul foi planejada, mas Rebeca não é detalhista. É que ela prefere viajar sem roteiro e cronograma fixos. "Primeiramente, defino o ponto de chegada e, só depois, analiso os locais que posso visitar no percurso até chegar onde quero", explica.
Assim, ela muda a rota sempre que se interessa por alguma cidade pelo caminho, principalmente por não saber quando terá oportunidade de aproveitar aquele local novamente. Nas suas andanças sozinha, tenta sempre conversar com moradores, conhecer locais que frequentam e experimentar comidas típicas dos lugares por onde passa.
"Sempre que viajo, gosto de encontrar as redes de apoio ao motociclista. Faço parte de alguns grupos e, quando posso, visito as sedes de motoclubes e até pernoito na casa das famílias. Troco histórias sobre viagens, bato papo e me informo sobre novos destinos. Essa troca incrível significa muito para mim", afirma.
Numa dessas ocasiões, ela diz que "quase virou atração turística". "Estava em Vicuña Mackenna, uma pequena cidade na Argentina. Quem me recebeu avisou os vizinhos, que chamaram amigos. Fomos comer uma pizza no centro da cidade. Eram umas trinta pessoas juntas comigo, todas curiosas com a minha aventura. Me senti segura e muito amada", relata.
Perrengues sobre duas rodas
Nem tudo são flores, é claro, e alguns perrengues surgem no caminho vez ou outra. Na sua grande aventura pela ponta sul das Américas, Rebeca foi confundida como integrante de um grupo de motoqueiros que tentou cortar a espera na aduana chilena, o que gerou tumulto.
"Estava aguardando minha vez e o oficial me mandou para o fim da fila. Questionei o motivo e ele só disse que era isso ou eu não entraria no país. Foram os motoristas dos carros ao lado que me ajudaram a convencê-lo que eu não estava com os outros motociclistas. Demorou uma hora e meia para concluir os trâmites e ainda fizeram me desfazer de combustível reserva e frutas", conta.
Em outra situação, uma pessoa que havia prometido hospedagem avisou quase à meia-noite que não teria condições de recebê-la. Restou a Rebeca subir na moto e procurar outro lugar para dormir -- acabou optando por um posto de gasolina, onde armou a barraca e descansou.
Rebeca, que tem a cênica Serra do Corvo Branco como quintal de casa, em Urubici, e já percorreu algumas das estradas mais lindas do Sul (Serra do Rio do Rastro e Serra do Faxinal) e do Sudeste (Rota Rastro da Serpente e Serra da Macaca), sonha percorrer a Rodovia Interoceânica, também conhecida como Estrada do Pacífico, que liga o estado do Acre ao litoral sul do Peru.
Nas rotas futuras está a Argentina, ainda sem data definida, para concretizar outro desejo: conhecer Ushuaia. "Já tenho rascunhos para a viagem. Quero também ir ao Deserto do Atacama. São dois locais que mexem com meu coração viajante e tenho roteiro traçado. Só me faltam tempo e um pouco mais de dinheiro", brinca.
Nada parece impedir as futuras viagens de Rebeca com Bizoca — nem mesmo o que lhe dizem sobre as aventuras. "Há quem me ache legal e corajosa por viajar de Biz, sem me preocupar. Já outros me dizem que atrapalho e coloco a vida das outras pessoas em perigo. São muitas opiniões, mas fico sempre com as boas, pois sigo as regras de trânsito e estou apenas buscando meus sonhos da forma que posso e incentivando outras pessoas a fazerem o mesmo".
Para sempre, Bizoca
A fim de atender as demandas da pousada que possuem em Urubici, Rebeca e o marido Weber Antonio adquiriam um Voyage 1987, carinhosamente apelidado de Azeitona graças à cor verde-musgo. Com ele, o casal já rodou 12 mil quilômetros em apenas um ano. Mas a dona da Bizona nem pensa em substituir duas por quatro rodas em tempo integral.
A motociclista até quer atualizar sua Biz para um modelo mais novo, avaliando especialmente o na manutenção. Mas Bizoca, hoje somando 100 mil quilômetros rodados, não vai perder seu posto. Quando a nova moto chegar, ela vai ganhar um lugarzinho especial na garagem de Rebeca, sempre disponível para reviver algumas experiências.
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