Ela virou nômade aos 50 anos: 'Agora o mundo é minha casa'
Após trabalhar mais de 20 anos como repórter e editora em redações, e ter publicado seis livros de sua autoria, a jornalista santista Viviane Pereira, 51, resolveu dar uma guinada total em sua vida.
Ela se desfez de suas coisas, deixou apenas poucas peças de roupas na casa da mãe e uma diminuta pilha de documentos na casa do filho, e se lançou sozinha pelo mundo com apenas uma mala.
Viviane deixou o Brasil em setembro de 2022, rumo a Portugal, sua primeira parada numa viagem que já dura quatro meses e em que teve a oportunidade de conhecer outros seis países: França, Espanha, Marrocos, Argentina, Uruguai e Paraguai, onde mora atualmente.
Detalhe: Viviane nunca havia saído do Brasil antes.
Eu sempre tive o desejo de conhecer outros países, mas não havia pensado na possibilidade de fazer isso trabalhando. A pandemia consolidou o trabalho remoto e eu pensava que, se eu podia trabalhar da sala de casa, poderia fazer o mesmo em qualquer lugar do mundo.
Num primeiro momento, a jornalista pensou que poderia viver e trabalhar em Portugal. Mas pesquisando na internet sobre o assunto, descobriu que poderia ir além, através do nomadismo digital. Uma forma de viver baseada no uso da tecnologia para trabalhar remotamente.
Meu coração disparou. Era o tipo de vida que eu imaginava para mim. Sair pelo mundo conhecendo locais, monumentos, pessoas, ter contato com a cultura e ainda poder fazer tudo isso trabalhando online? O que poderia ser melhor? Meu filho já havia saído de casa para fazer faculdade em outra cidade e não havia nada que me prendesse. Daí comecei a me desfazer de tudo. Móveis, eletrodomésticos, papelada, livros, objetos.
Tudo em uma mala só
Os bens materiais de Viviane hoje cabem em uma mala. Algumas roupas, calçados e duas nécessaires com itens que ela aprendeu serem indispensáveis: uma cafeteira francesa pequena, descascador de frutas e legumes, tesoura, fita adesiva, saquinhos herméticos para guardar comida, um secador de cabelos, cremes para o rosto e o corpo, maquiagem, depilador e um copo shake (coqueteleira).
Como ferramentas de trabalho, ela utiliza apenas um notebook e um celular. Instrumentos necessários para que ela pesquise, escreva, organize e acesse arquivos e documentos mantidos na nuvem.
"Apesar de ter conhecido tantos países em tão pouco tempo, minha rotina pessoal não mudou tanto assim. Continuo cozinhando minha própria comida, cuidando da pele e treinando em academia. O plano fiz no Brasil, antes de viajar, em uma rede que está presente em toda a América Latina. O tempo em que morei na Argentina e agora, no Paraguai, pude continuar fazendo meus exercícios", revela.
A saudade dos pais, Viviane consegue acalmar fazendo chamadas de vídeo. Já o filho, que morava com ela e hoje é independente e tem seu próprio apartamento, chegou a passar alguns dias com ela em Buenos Aires, na Argentina.
10 dicas de Viviane para quem quer se iniciar no nomadismo digital:
- Desfaça-se de tudo que não puder carregar numa mala.
- Carregue consigo apenas objetos e utensílios que são imprescindíveis.
- Abra uma conta em um banco digital multimoeda.
- Providencie um cartão de crédito internacional.
- Certifique-se das coberturas do seguro-saúde para viagens internacionais.
- Pesquise sempre sobre o país (moeda, língua, cultura, política, locais de hospedagem) antes de marcar viagem.
- Confira se os locais onde irá morar, mesmo que provisoriamente, tenham tudo o que você precisa para viver e trabalhar. Água, luz, internet, gás, além de eletrodomésticos indispensáveis, como geladeira e fogão.
- Participe das comunidades de nômades digitais nas redes sociais para conversar, obter dicas e até mesmo encontrar alguém para dividir o aluguel.
- Aproveite locais com wi-fi gratuito para trabalhar, como praças, bares e cafés.
- Economize com alimentação fazendo compras em supermercados e feiras e cozinhando a própria comida.
Trabalho é brasileiro, mas gasto é no exterior
Desde 2016, Viviane já trabalhava no Brasil como freelancer, produzindo conteúdo para empresas, agências e também redigindo roteiros institucionais e atuando em projetos literários. O trabalho, ela diz, continua o mesmo. A maioria de seus clientes está sediada no Brasil. A diferença maior é que, hoje, as reuniões são feitas à distância.
Por ganhar em reais, Viviane passou a ser cuidadosa na escolha dos países que visita. Na Europa, ela diz, é tudo muito caro. Suas passagens pela Espanha e França foram menos demoradas, mas isso não a impediu de comemorar seu aniversário em Paris, tendo a torre Eiffel como cenário.
Foi incrível, Paris é uma cidade linda. Curioso que minha passagem lá foi mais a passeio mesmo, mas acabei descobrindo que isso é uma bobagem. Quando eu vi, já estava trabalhando nos cafés, nas praças e até dentro do metrô. Esse é um dos encantos do nomadismo. Você viaja, passeia e continua trabalhando para bancar tudo isso. Dá tempo para tudo.
Junto e misturado
A jornalista diz que um dos segredos para uma boa experiência como nômade é misturar-se às comunidades locais e "desencanar" do desejo de conhecer pontos turísticos famosos. Andando pelas ruas, Viviane descobriu e participou de uma festa de Halloween em uma praia do Algarve, em Portugal, e de uma apresentação musical em homenagem a San Blas, padroeiro do Paraguai, na cidade de Encarnación.
Em suas passagens pelos países, Viviane coleciona histórias de outras mulheres que, como ela, optaram por viver viajando sozinhas, em busca de uma vida sempre em movimento. Delas ouviu experiências marcadas pelo temor com o futuro, preconceito mas, principalmente, pela superação. E aprendeu ser possível desmistificar a falsa ideia de que uma mulher, sozinha, não reuniria as condições básicas para sair viajando, de país em país, em busca de oportunidades e vivências.
Conheci mulheres incríveis, batalhadoras. O nomadismo atrai muitas críticas. Muitas pessoas nos veem como pessoas que estão fugindo de algo. Mas é exatamente o oposto. É encontrar-se. Como nômade, o mundo é minha casa. E assim vou conhecendo lugares, pessoas incríveis e também mulheres que, como eu, tiveram o desejo de reduzir a bagagem e sair por aí carregando lembranças ao invés de coisas.
Como gosta de se comunicar e fazer novas amizades, as línguas são uma barreira que Viviane vem aprendendo a superar. Apesar de se comunicar bem em inglês e espanhol, na França ela precisou misturar idiomas para se expressar. Mas foi no Marrocos que a dificuldade em compreender e ser compreendida a fez apelar até para a mímica.
"Eu estava num restaurante de comida marroquina. Sou vegetariana, e muitos pratos da culinária local levam carne. O garçom falava um pouco de francês, mas não entendia o inglês nem espanhol. Tive que fazer mímica, gesticular, desenhar, misturar palavras em outras línguas até que ele enfim entendesse e me trouxesse um ensopado de legumes. É interessante como a gente aprende a encontrar soluções para os perrengues na hora em que acontecem".
Câmbio favorável também muda os planos
Ao deixar o Marrocos, Viviane passou 15 dias no Uruguai e depois seguiu para a Argentina, onde ficou por quase dois meses. Lá percebeu que, no momento econômico atual, seria mais vantajoso viajar pela América Latina, por conta dos valores das moedas.
Além de um cartão de crédito internacional, ela possui uma conta em um banco multimoeda, que possibilita a conversão imediata dos reais que ganha com seu trabalho na moeda do país em que está morando no momento.
"Vale muito a pena passar um tempo trabalhando e conhecendo os países da América Latina. Eu pagava em São Paulo pelo aluguel de uma quitinete R$ 2,5 mil. Na Argentina, paguei esse mesmo valor por um apartamento locado via Airbnb, já com gás, eletricidade, internet, ar condicionado, tudo incluído", explica a jornalista.
Já aqui no Paraguai, onde estou hoje, quando convertemos reais em guaranis, é tudo muito barato, principalmente os alimentos. Uma empanada sai por R$ 3. Um prato bem pesado num restaurante por quilo, R$ 12. Assim dá para ir guardando um dinheiro para fazer novas viagens, o que no Brasil seria impossível.
Viviane costuma morar em pequenos imóveis e quartos alugados via Airbnb. Após vivenciar algumas experiências ruins, ela hoje faz um checklist das coisas que realmente são imprescindíveis antes de contratar a locação. Mesmo que seja para uma estadia breve.
"Já fui parar num apartamento que não tinha forno, num que o chuveiro não funcionava direito e agora estou num flat em Encarnación, no Paraguai, em que o quarto onde moro tem uma janela minúscula. Aprendi a lição".
Após passar 15 dias no Paraguai, Viviane está de viagem marcada para o Chile para encontrar Steve, o namorado norte-americano, que conheceu em um aplicativo de relacionamentos voltado exclusivamente para os nômades digitais. Ele aderiu ao estilo de vida há cinco anos e, ao seu lado, Viviane espera aprender lições valorosas sobre como viver viajando.
"Nos conhecemos em Portugal, passamos juntos os dois meses em que estive na Europa, depois ele me visitou na Argentina e agora vamos nos encontrar no Chile. Vamos passar dez dias lá e depois embarcamos para a Costa Rica", afirma a jornalista, que ainda não sabe para qual país viajará na sequência.
"Tenho desejo de ir para a Índia. Outro local em que pretendo morar por um tempo é a Indonésia, onde o real vale mais em relação à moeda local".
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