Paixão nacional, picanha foi renegada e teria sido batizada por argentino
Uma das pedras fundamentais da gastronomia de São Paulo, o restaurante Dinho's — o Dinho's Place — perdeu em 2022 seu fundador, o restaurateur filho de libaneses Fuad Zegaib. Apelidado como Dinho, a princípio o nome pode não soar familiar, mas seu perene legado literalmente salta da grelha (ao ponto, ou bem ou mal passado): chama-se picanha. A carne-xodó do brasileiro.
"Meu pai foi o criador da picanha. Foi o primeiro a colocá-la dentro de uma churrascaria", frisa o chef restaurateur Paulo Zegaib, hoje o nome à frente dos negócios do tradicional restaurante, que em breve inaugura nova unidade na alameda Santos, bem próximo à avenida Paulista.
"Foi nos anos 1960. Na época, ele visitava muitos frigoríficos e verificou que havia muitas sobras de carne de algumas operações de exportação para Israel", relata Zegaib. "Essas sobras eram de cortes traseiros, que eram cortados de forma que só sobrava a alcatra e a picanha, que é parte dela".
A princípio, o que agradou a Seu Fuad foi o formato triangular do corte — provavelmente já pensando em sua adaptabilidade ao grill.
A seguir, ele começou a testar esse corte, e viu que ficava muito bom quando assado na grelha, até então a picanha não era feita assim. Nesse tempo, o que mais saia em termos de carne nos restaurantes e churrascarias eram o filé e a alcatra. A picanha surgiu como algo novo. Da necessidade nasceu a novidade".
"Pica la aña"
Apesar de ainda praticamente desconhecido, o nome, Zegaib explica, já existia. Reza a lenda que foi extraído de uma expressão latina para denominar o uso de um pontiagudo objeto, hoje banido, no qual o animal condutor dos antigos carros-de-boi era tocado com violência para apressar o trote.
O abjeto instrumento chama-se, diz-se, "aña". Ao que um historicamente impreciso assador de carnes argentino, quando certa vez perguntado por um brasileiro de que parte do boi era aquele corte, teria respondido: "dónde pica la aña", referiu-se, à maltratada anca bovina. "Picanha".
Mas a picanha ainda demoraria um tempo para "pegar no breu" e estabelecer-se como soberana dos churrascos, como aconteceu ao longo do tempo.
A aceitação foi gradual. Meu pai tinha que circular pelo salão, como aliás sempre fez, avalizando a picanha, explicando no tête-à-tête com os clientes".
Deu certo, até porque o corte surgia à mesa escoltado por guarnições-assinatura da casa, casos da farofa de ovos e da batata suflê.
Outra inovação que adicionou sabor à picanha, ajudando a perpetuar sua fama, foi o processo de maturação. "Era algo que o István Wessel (obs: especialista e um dos maiores conhecedores de carne do país) já fazia, aprendemos com ele e também introduzimos no Dinho's", conta Zegaib.
"Consiste em embalar a carne a vácuo e deixar maturando de 15 a 30 dias para que ela amoleça um pouco e perca fibras, ficando mais macia antes de ir para a grelha".
Picanha civilizada
Mas se a aceitação da picanha foi passo a passo, aproximadamente seis anos após sua "invenção", e ainda nos anos 1960, outro gol de placa, esse com indelével assinatura de Fuad Zegaib, foi parar na grelha e causou impacto instantâneo: o bife de tira.
Fato: a assadores mais desatentos, o volume da picanha assando por inteiro na grelha poderia representar problemas de ponto da carne (por exemplo, um lado estar melhor assado que outro), ainda que a essa altura ela já estivesse sendo servida fatiada.
Foi aí que Seu Fuad matou a charada, cortando-a na transversal, em tiras com cerca de dois dedos de espessura cada — prático e fácil de assar. Sucesso imediato. Para não poucos fãs, o bife de tira é a picanha em sua máxima expressão. Ou "marco civilizatório da picanha", como saudaram a novidade alguns críticos de gastronomia.
Autêntico corte de carne paulistano, ainda hoje a picanha, em diferentes expressões — o já citado bife de tira, fatiada, bombom de picanha, etc — responde por cerca de 50%, ou mais, dos pedidos de clientes no Dinho's. Faz sentido.
Favorita dos churrascos Brasil afora, é também apreciada, quando não imitada, no exterior, em divertidas "apropriações culturais" culinárias, caso também da caipirinha. Dobradinha brasileira que encanta os gringos.
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