Em Paris, rua sem saída mistura poeta maldito, duque assassino e Tom Cruise
Em Paris, mesmo uma rua quase sem graça (para os padrões parisienses) tem seu charme e é repleta de história.
É o caso da Rue de Nevers, uma viela super estreita cuja característica principal é essa mesma: ela é bem apertada, o suficiente para entalar um pequeno caminhão. É o que acontece, inclusive, em uma cena do filme "Missão Impossível — Efeito Fallout" (2018).
Localizada no bairro da Monnaie, no 6º arrondissement, a rua deve seu nome a Luís Gonzaga. Não o grande pernambucano, mas o duque de Nevers, que teve ali seu palacete, no século 16.
Católico radical, ele teve participação ativa nas perseguições aos protestantes franceses, os huguenotes, inclusive no Massacre da Noite de São Bartolomeu, a carnificina que começou na véspera do dia do santo e se estendeu por semanas, deixando quase 50 mil pessoas assassinadas.
O prédio ficava localizado ao lado de uma das quatro grandes torres que guardavam as muralhas da Paris medieval. Mas nada disso está de pé hoje.
A torre foi destruída já no século 17. O Hôtel de Nevers teve uma série de transformações até ser abandonado e demolido. Hoje, no lugar, fica a Casa da Moeda — é a instituição que, inclusive, batiza o bairro ("monnaie" é "moeda" em francês).
O trânsito também mudou um bocado. Se em 2018 Tom Cruise tentou cruzar a viela de caminhão (não daria de nenhum jeito, porque ela é sem saída, aliás), no século 13 ninguém passava ali.
A rua servia apenas para o escoamento de água e esgoto de um convento, explica o "Dictionnaire Administratif et Historique des Rues de Paris et des ses Monuments", publicado nos anos 1840.
Segundo o dicionário de ruas, no século 16 a rua ganhou duas portas, e por isso passou a ser chamada, antes de ganhar o nome atual, de rue des Deux-Portes
É em uma dessas entradas (a única aberta hoje) que fica o pedacinho mais charmoso da Nevers. O arco é todo decorado com um poema de Claude le Petit, poeta libertino que foi executado na fogueira em 1662, aos 23 anos, por causa do teor de sua obra.
"Paris Ridícula", além de satirizar a elite francesa, ousou falar da Virgem Maria e ainda tinha trechos escandalosos e obscenos. Segundo consta, policiais foram apartar uma briga em uma gráfica, perto da rua. Viram os poemas no prelo e imediatamente prenderam o autor. Outra versão, mais à altura da poesia, diz que o vento levou as páginas mais pesadas até os pés de um padre, que denunciou Claude.
Por sorte, alguns dos trabalhos do poeta sobreviveram, preservados em bibliotecas. Em 1910, a obra libertina de Claude le Petit foi publicada, e o grande público pôde conhecê-lo, 250 anos após sua morte.
Os versos escritos na rua são dedicados à razão primordial pela qual os turistas passariam por essa viela: a Pont-Neuf, que fica imediatamente em frente à entrada da rue de Nevers. Concluída em 1607, ela foi batizada de "Ponte Nova" para se diferenciar das antigas estruturas sobre o Sena. Pelas ironias da história, todas as outras pontes acabaram substituídas, mas a Pont-Neuf resistiu e manteve o nome, apesar de hoje ser a ponte mais velha de Paris.
Um dos versos diz:
Realmente, Pont-Neuf, é bom ver
Que você não ousa se mexer
Quando os estrangeiros lhe fazem festa.
Ela cruza a ponta oeste da Île de la Cité (do outro lado da Notre-Dame) e é uma das mais importantes e belas pontes de Paris. A Casa da Moeda, ali em frente, tem um museu que conta a história da cunhagem desde 300 a.C. Junto com o charme do vizinho Quartier Latin, dá para montar um roteirinho de respeito - a pé, é claro, para não correr o risco de ficar preso no trânsito, muito menos de entalar o carro.
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