Topo

Azeites nacionais de grife vivem boom; por que eles são tão bons - e caros?

Azeite extravirgem com assinatura nacional vive grande momento, mas como ter um em sua mesa? - Getty Images
Azeite extravirgem com assinatura nacional vive grande momento, mas como ter um em sua mesa?
Imagem: Getty Images

Flávia G Pinho

Colaboração para Nossa

06/03/2023 04h00

O Brasil entrou tardiamente na produção de azeites — foi em 29 de fevereiro de 2008, há exatos 15 anos, que o país extraiu os primeiros 40 litros de óleo de oliva, ainda em caráter experimental, nas instalações da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Deu tão certo que a experiência desencadeou um verdadeiro boom país afora.

Uma década e meia depois, o Brasil já tem quase 150 marcas de azeites extravirgem de alta qualidade, muitas premiadas internacionalmente. O número de produtores que plantam é infinitamente maior — segundo Moacir Batista do Nascimento Filho, presidente da Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira (Assoolive), são mais de 150 só na região Sudeste.

Trata-se de um universo novo a explorar, mesmo para quem ama azeites há muito tempo e está acostumado a degustar boas marcas importadas. Entenda por quê.

Quanto mais fresco, melhor

Se existe uma palavra capaz de classificar essa geração de azeites nacionais, essa palavra é frescor. Os produtores brasileiros colhem as azeitonas bem verdinhas, antes que escureçam e fiquem maduras, e correm para espremê-las o mais rápido possível, no mesmo dia, evitando assim que oxidem.

Variedades de azeites no livro "Azeite-se" - Angelo Dal Bo - Angelo Dal Bo
Variedades de azeites no livro "Azeite-se"
Imagem: Angelo Dal Bo

O resultado desse cuidado são azeites com aromas em sua plenitude, que parecem fazer cócegas no nariz e explodir na boca.

A rapidez com que chegam à nossa mesa também faz diferença.

Azeites vão perdendo aromas com o passar do tempo e, por isso, devem ser consumidos bem jovens", ensina a sommelière Ana Beloto, autora do livro "Azeite-se - Histórias, curiosidades, receitas".

Enquanto as marcas importadas só costumam chegar ao Brasil na safra seguinte, as nacionais começam a ser vendidas poucos dias depois da colheita, que acontece entre fevereiro e março, dependendo da região.

Um país, vários terroirs

Oliveiras amam passar sede, o chamado estresse hídrico, e precisam alternar o calorão do sol com longas horas de frio intenso. Duas regiões brasileiras fornecem essas condições e concentram, atualmente, a produção nacional.

Segundo Sandro Marques, autor de "Extrafresco: O Guia de Azeites do Brasil" (Livrobits), das 148 marcas brasileiras, 69 estão no Rio Grande do Sul, onde ficam alguns dos maiores olivicultores em termos de volume — como as estâncias são grandes e quase planas, é possível usar maquinário para a colheita.

Colheita das azeitonas da Lagar H  - Carlos Ferrari - Carlos Ferrari
Colheita das azeitonas da Lagar H
Imagem: Carlos Ferrari

O contraponto é a Serra da Mantiqueira, tanto na porção mineira, com 60 produtores, quanto na paulista, com 12. Por ali, as propriedades são pequeninas e o terreno, bastante acidentado, o que impede a mecanização. As azeitonas são colhidas à mão, no máximo com ajuda de derriçadeiras, garfos mecânicos que sacodem os galhos mais altos e fazem os frutos caírem no chão.

Apesar da primazia dessas duas regiões, outras começam a despontar no mapa da olivicultura nacional. É o caso de outras regiões paulistas e mineiras, além de municípios do Espírito Santo, Santa Catarina e até da Bahia, que surpreendeu os especialistas — em 2021, ano de seu lançamento, o azeite Rio de Contas, produzido na Chapada Diamantina, faturou o prêmio Olio Nuovo Days, em Paris.

Questão de gosto

Colheita das azeitonas da Lagar H  - Carlos Ferrari - Carlos Ferrari
Colheita das azeitonas da Lagar H
Imagem: Carlos Ferrari

Assim como acontece no mundo dos vinhos, já é possível comprar azeites brasileiros monovarietais, ou seja, produzidos a partir de uma única variedade da azeitona — e cada uma tem um perfil sensorial próprio. Essa é uma novidade recente, que se tornou possível porque os nossos olivais já estão crescidinhos, produzindo mais, permitindo colher volumes maiores de cada variedade.

A escala começa com a azeitona Arbequina, a mais suave, passa pelos azeites de corpo médio, como os de Arbosana e Frantoio, e chega aos mais intensos, como os de azeitonas Koroneiki, Grappolo, Galega e Picual.

A intensidade, no caso, se traduz em amargor e picância — nada a ver, no entanto, com o picante da pimenta, mas com a sensação rascante que o azeite deixa na garganta.

Processo do azeite da Lagar H  - Carlos Ferrari - Carlos Ferrari
Processo do azeite da Lagar H
Imagem: Carlos Ferrari
Processo do azeite da Lagar H  - Carlos Ferrari - Carlos Ferrari
Colheita das azeitonas da Lagar H
Imagem: Carlos Ferrari

Quando um rótulo não indica a variedade da azeitona, é porque se trata de um blend, ou seja, uma receita que mistura vários tipos.

Nesse caso, é desejável que o consumidor seja informado sobre as variedades de azeitonas que entraram no blend ou, pelo menos, qual é o grau de intensidade do produto.

Azeite de butique

Azeite da Vertentes  - Julia Rodrigues - Julia Rodrigues
Azeite da Vertentes
Imagem: Julia Rodrigues

Não estranhe se você não encontrar marcas brasileiras nos supermercados. Salvo raras exceções, a olivicultura brasileira é formada por produtores pequenos, que não têm volume para estar nas gôndolas de grandes redes varejistas e usam outros canais para chegar ao consumidor, como e-commerce próprio, lojas online especializadas ou pequenos empórios.

Outra forma de provar os azeites é ir direto à fonte — algumas propriedades têm estruturas bem montadas para visitantes dispostos a conhecer os bastidores da produção.

Há desde olivicultores pequenos que recebem pessoalmente os turistas, caso da Rossini, até os maiores, como a fazenda produtora do azeite Sabiá, que dispõe de loja com cafeteria — ambos ficam em Santo Antônio do Pinhal (SP).

No município vizinho, São Bento do Sapucaí (SP), a Oliq tem até restaurante e põe seus azeites em quase todo o menu.

Um tiquinho mais longe, em São Sebastião da Grama (SP), a 250 quilômetros da capital, fica a Fazenda Irarema, que já virou complexo turístico, com loja, brunch, sorveteria, piquenique, passeio a cavalo e trilha — nos quatro dias do Carnaval 2023, a propriedade recebeu 1622 adultos, fora a criançada.

Também é possível se hospedar dentro de um olival. Em Catas Altas da Noruega (MG), a Fazenda Estância do Pinheiro, produtora do azeite Olivais Catas Altas da Noruega, oferece hospedagem, assim como a Davo, que também produz vinhos e fica localizada em Ribeirão Branco, no sul do estado de São Paulo.

O preço é o X da questão

Variedades de azeites no livro "Azeite-se" - Angelo Dal Bo - Angelo Dal Bo
Variedades de azeites no livro "Azeite-se"
Imagem: Angelo Dal Bo

Nos supermercados de São Paulo, é possível comprar azeites europeus de marcas comerciais bastante conhecidas por cerca de R$ 28 a garrafa de meio litro. Quando se trata de azeite nacional, as cifras são bem mais altas — a partir de R$ 70.

Duas questões empurram os preços para cima: produtores pequenos têm pouca escala e, além disso, adotam um alto padrão de qualidade.

Nós usamos de 10 a 11 quilos de azeitonas para fazer 1 litro de azeite, enquanto as grandes marcas fazem a mesma quantidade de azeite com 4 ou 5 quilos de frutos", compara Moacir Carvalho Dias, produtor do Irarema.

Como comprar e armazenar

A pureza do azeite extravirgem no livro "Azeite-se" - Angelo Dal Bo - Angelo Dal Bo
A pureza do azeite extravirgem no livro "Azeite-se"
Imagem: Angelo Dal Bo

O grau de acidez do azeite extravirgem deve ser de, no máximo, 0,8% — mas é bom saber que essa característica se refere apenas à análise química do produto, sendo imperceptível ao paladar. Mais importante, na hora da compra, é verificar a data de validade: azeites extraídos no mesmo ano estarão bem mais jovens, com aromas potentes.

Embalagens escuras, que protegem da luz e da oxidação, são uma garantia extra de que o produto está sendo bem conservado. Em casa, o vidro ou lata deve ser mantido em local fresco, seco e escurinho, longe de fontes de calor.

Antes da compra, vale a pena conferir o histórico da marca — elas costumam propagandear com alarde os prêmios internacionais, o que não deixa de ser uma chancela importante.

Azeite da Vertentes  - Julia Rodrigues - Julia Rodrigues
Azeite da Vertentes
Imagem: Julia Rodrigues

Os 33 associados da Assoolive também já podem pleitear o Selo de Origem Certificada — na safra 2022, sete deles se certificaram. O adesivo, colado à embalagem, garante que a produção do azeite foi monitorada dos pomares ao engarrafamento.

Um fio que faz a diferença

Em função da escala reduzida, os estoques costumam durar pouco — as garrafas começam a chegar ao mercado em março e geralmente se esgotam entre setembro e outubro.

No início da safra, os produtores permitem até que o consumidor faça reservas antecipadas. Por serem tão caros e especiais, tais azeites merecem ser tratados como iguaria — na finalização de pratos, por exemplo, sejam frios ou quentes, doces ou salgados.

A receita a seguir faz parte do livro da sommelière Ana Beloto:

Onde encontrar

Batalha - loja.azeitebatalha.com.br
Borriello - azeiteborriello.com.br
Catas Altas da Noruega - @olivaiscatasaltasdanoruega
Davo - hotelevinicoladavo.com.br
Irarema - fazendairarema.com.br
Lagar H - lagarh.com
Olibi - olibi.com.br
Oliq - oliq.com.br
Orfeu - loja.cafeorfeu.com.br
Ouro de Santana - loja.ourodesantana.com.br
Prosperato - emporio.prosperato.com.br
Rossini - @azeiterossini
Sabiá - azeitesabia.com.br
Vertentes - azeitevertentes.com.br