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Como um docinho quase causou incidente diplomático entre turcos e gregos

Baclavas são alvo de disputa entre gregos e turcos - Getty Images
Baclavas são alvo de disputa entre gregos e turcos Imagem: Getty Images

Matheus Doliveira

Colaboração para Nossa, de Tirana (Albânia)

12/03/2023 04h00

Determinar a origem exata de uma comida não é uma tarefa fácil nem para os historiadores gastronômicos mais experientes. No caso da baclava, doce feito com massa folhada, mel e nozes, a ausência de dados precisos sobre a invenção da sobremesa é motivo de atrito entre gregos e turcos há séculos.

Tanto a Grécia quanto a Turquia ainda reivindicam para si a invenção da baclava, mais uma das disputas duradouras entre os países que possuem um vasto histórico desentendimentos geopolíticos.

Em 2006, o "conflito da Baclava" escalou a tal nível que foi parar na mesa da União Europeia. Naquele ano, os cipriotas gregos escolheram a baclava como a sobremesa oficial do Chipre em um concurso europeu, deixando os turcos furiosos. A Turquia, na época aspirante a membro da UE, levou a questão a Bruxelas. Em 2013, a UE concedeu um status de proteção à baclava turca, o que fez, obviamente, os gregos torcerem o nariz.

Para Mauro Brosso, historiador à frente do restaurante árabe Shuk, em São Paulo, a guerra da baclava não é um caso isolado, e tem muito mais a ver com política do que com gastronomia.

No livro gastronômico 'Jerusalém', os chefs Yotam Ottolenghi e Sami Tamimi explicam essa obsessão contemporânea pela propriedade intelectual de comidas, técnicas e ingredientes. No Oriente Médio, existe uma infinidade de exemplos: falafel e homus são os mais conhecidos", explica Brosso.

Baclava ao estilo turco - Getty Images - Getty Images
Baclava ao estilo turco
Imagem: Getty Images

"Essa briga da baclava me parece mais um episódio de um histórico de tretas pela nacionalização de tradições de tempos em que Grécia e Turquia estavam no mesmo território."

Parecida, mas diferente

Feita com massa folhada fininha recheada com nozes bem picadas (geralmente amêndoas ou pistaches) e xarope de açúcar ou mel, a baclava é conhecida por sua textura crocante na boca e pegajosa nos dedos. O sabor traz um doce marcante equilibrado por especiarias como canela e cardamomo.

É possível encontrar versões que levam ingredientes como noz, amêndoa, pistache, avelã, romã, tâmara, figo, ameixa, damasco, maçã, laranja, gergelim, abóbora, sementes de girassol, canela e cravo. A única coisa que não varia é a combinação da massa finíssima, nozes e xarope.

Baclava ao estilo grego - Getty Images - Getty Images
Baclava ao estilo grego
Imagem: Getty Images

Não há registros históricos precisos sobre a origem exata da baclava, mas sabe-se que a forma da sobremesa que conhecemos hoje foi popularizada no território otomano, que compreendia as atuais Grécia e Turquia.

A Grécia, que já leva o crédito por inventar a massa folhada, alega que a história da baclava remonta ao Império Bizantino, quando comerciantes popularizaram a iguaria. A sobremesa era tradicionalmente preparada em ocasiões especiais, como casamentos e festas religiosas, e era vista como um símbolo de riqueza e prestígio. A versão grega da baclava é geralmente feita com nozes, mel, canela e massa folhada.

Já a Turquia diz que a sobremesa nasceu na cidade de Gaziantep, onde a tradição de preparar e consumir baclava é passada de geração em geração há séculos. Segundo os turcos, a baclava foi inventada para o Ramadã (período sagrado no islamismo) na cozinha do Palácio de Topkapi, em Istambul. A versão turca da baclava é geralmente feita com pistaches, xarope de açúcar, massa folhada fina e muitas vezes é decorada com pistaches moídos em cima.

Baclava de pistache - Getty Images - Getty Images
Baclava de pistache
Imagem: Getty Images

Para ambos os lados, o conflito da baclava permanece em aberto, mas geopolítica gastronômica à parte, o fato é que o doce mantém o posto de sobremesa favorita em quase todos os países do antigo Império Otomano, incluindo Mediterrâneo, norte da África e países Bálcãs, no Leste Europeu.