Quem mexeu no meu bacon? Lei complica paixão, mas Nossa explica o que muda
No dicionário, ele é tão somente "toucinho defumado". Não melhora muito na Wikipédia: "alimento de origem animal, mais precisamente a gordura subcutânea do porco, usada em culinária." Tamanha frieza e objetividade passam longe das paixões que uma boa fatia de bacon é capaz de despertar.
Canecas juram que bacon é melhor do que muita gente. Já houve um aplicativo de encontros para amantes do bacon, o Sizzl. Nos Estados Unidos, onde há uma igreja dedicada ao tema, a United Church of Bacon, existe até o Bacon Day, criado em 2000 e prontamente copiado pelos brasileiros: comemora-se no primeiro sábado antes do Dia do Trabalho de lá, que por sua vez cai na primeira segunda-feira de setembro.
Os brasileiros que pertencem à seita foram sacudidos, no último dia 9 de fevereiro, pela notícia de que o país tem um novo regulamento técnico de identidade e qualidade do bacon.
O que se viu desde então foi muita informação desencontrada, alertas de que tem gente vendendo bacon fake e avisos alarmados de que as fatias que a gente ama nunca mais serão as mesmas. Puro fogo de palha. Nossa explica por quê, tintim por tintim.
O que é bacon?
Pegue uma barriga suína, esfregue nela temperos a gosto e, depois de curá-la por vários dias na refrigeração, defume o corte por algumas horas. Para os puristas, isso é bacon e ponto final. "Só a barriga tem o equilíbrio exato entre camadas de carne e de gordura", justifica Paulo Henrique Gennari, o Mandrake, professor de charcutaria e criador do grupo Mestres da Charcutaria Artesanal, com 23,1 mil membros no Facebook.
Até pouco tempo atrás, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) era mais flexível. Fabricantes que aplicassem os mesmos processos a outros cortes suínos, como pernil e lombo, também podiam vender o produto final como bacon. Essa foi a principal mudança imposta pelo novo regulamento.
A Portaria nº 748 da Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa não proíbe outros cortes, mas determina que a embalagem avise claramente quando se trata de bacon de lombo, de pernil ou de paleta.
Esses bacons alternativos estão há tempos nos mercados e vêm registrando aumento na demanda justamente porque a proporção de gordura é bem menor — no lugar das camadas alternadas da barriga, o que se vê geralmente é um pedaço sólido e mais alto de carne, envolto ou entremeado por listras fininhas de gordura.
Quem vendia bacon de pernil já avisava. Acho esse novo regulamento uma bobagem", alfineta Marcos Lee, sócio da loja de insumos para hambúrgueres The Burger Store, em São Paulo.
É o caso da Del Veneto, produção artesanal que fica em São José dos Campos (SP) — há dois tipos de bacon no portfólio, um feito com barriga e outro de pernil, ambos oriundos de porcos Duroc de criação própria. "As nossas embalagens sempre tiveram a identificação correta. Se a pessoa escolhe o bacon de pernil, é porque quer um produto mais magro", afirma a proprietária, Flávia Brunelli.
Dá para arriscar outros cortes ainda mais inventivos, mas esses raramente entram em linha e ficam restritos a eventos e campanhas sazonais. Em setembro de 2022, por exemplo, a The Burger Store comemorou o Mês do Bacon com a ação Bacons Malucos. Chefs convidados criaram produtos curados e defumados à base de costelinha suína, língua, costela bovina e wagyu.
Faz diferença na panela (ou na chapa)?
Sim — e como! No bacon frito ou chapeado, são as camadas brancas de gordura que garantem aquela textura crocante e ao mesmo tempo úmida que a gente respeita. A mesma lógica vale para o bacon picadinho usado nos refogados — tem que ter gordura para derreter.
Por essa razão, bacons de demais cortes são mais indicados para outros usos, não para fritar. Podem ser ótimos para temperar feijão e cozidos, fatiar fininho para colocar no sanduíche e até moer para fazer farofa. Só não fica crocante, não adianta insistir.
Quem inventou?
Segundo Maria Lucia Gomensoro, autora de "Pequeno Dicionário de Gastronomia" (Objetiva), o bekun (em francês) ou bakko (termo germânico) era o toucinho salgado e defumado, espécie de bisavô do bacon contemporâneo.
Na Europa da Idade Média, ela afirma, já era considerado um alimento de indulgência, ou seja, ia à mesa naqueles momentos em que o estômago precisa de um carinho. Os norte-americanos, que traçam mais de 8 quilos de bacon per capita por ano, sobretudo no café da manhã, só conheceram essa delícia no século 19.
Existe tempero padrão?
Vai do gosto do produtor e do bacon lover. Sócio da À Table Charcutaria, Bernardo Criscuolo aplica um pouco mais de açúcar às barrigas que cura e defuma porque adora o resultado adocicado. "Depois de frito, não fica doce, mas 'salgadoce'. Ajuda a dar mais cor e ainda deixa mais crocante", justifica.
Tem cada vez mais gente ousando nas receitas. Fundador da charcutaria artesanal Aqui em Casa, em Santa Bárbara do Oeste (SP), Lippy Falcão tem quatro produtos bem diferentes no catálogo. Enquanto seu bacon tradicional leva apenas sal e açúcar, o creole é temperado com açúcar mascavo, pimenta-caiena, pápricas doce e picante e vai para o defumador enrolado, sem o couro. Lippy também faz duas versões de bacons ardidos, um envolto em pimenta-do-reino e outro, em pimenta calabresa.
Quem se matricula no curso de charcutaria de Mandrake, ou adquire sua apostila, aprende a fazer diferente. Na fase da cura, ele massageia a barriga com sal, açúcar mascavo, noz-moscada, páprica doce (ou picante) e alho em pó. Já no defumador, a peça ganha tempero extra. "A cada meia hora, borrifo uma mistura de água, açúcar mascavo, suco de maçã e Jack Daniel's", entrega o segredo.
Segundo o químico Peterson Rebechi, professor da A Cava Charcutaria Escola e fundador do grupo Charcutaria Artesanal no Brasil, com 79,4 mil membros no Facebook, a forma de aplicar sal e temperos começa a diferenciar o bacon artesanal do industrializado.
No industrial, injeta-se a salmoura em vários pontos da carne. No processo artesanal, a salga é feita na parte externa do corte, respeitando-se um número maior de dias para que eles penetrem naturalmente na carne. O resultado é um bacon muito mais firme e menos salgado do que o industrializado."
Fumaça do bem
É a etapa da defumação que faz o bacon ser o que é — sem fumaça, você pode ter uma excelente barriga suína curada, mas não tem bacon. Reside aqui outra grande diferença entre produtos artesanais e industrializados em larga escala.
Há diversos modelos de defumador, dos mais rústicos, que funcionam em tambores metálicos adaptados, a caros equipamentos elétricos ou a gás que permitem controle preciso da temperatura. Em comum, todos usam lenha de verdade — galhos de árvores nobres (as frutíferas são as preferidas pelos charcuteiros, pelos aromas que imprimem à carne) vão queimando devagar, soltando um fumacê que entranha na peça. O processo é demorado, leva de 6 a 8 horas.
Tal método, argumenta Mandrake, seria inviável a indústrias de grande porte. "Já pensou? Seriam necessárias carretas e mais carretas só de madeira para queimar", ele diz. A solução, nesse caso, é a defumação artificial. Um produto chamado fumaça líquida, obtido a partir da condensação da fumaça natural, é injetado na carne, processo para o qual os charcuteiros artesanais torcem o nariz.
Os conservantes
Eis um dos assuntos mais controversos em se tratando de produtos à base de carne. Uma corrente de charcuteiros amadores esconjura o nitrito de sódio, também conhecido como sal de cura, apesar de ser obrigatório por lei, por considerá-lo incompatível com uma produção 100% artesanal.
Peterson Rebechi discorda e ensina o oposto a seus alunos. "Não há outra forma cientificamente comprovada de eliminar o risco de contaminação", adverte.
Veterinário de formação, Lippy Falcão também não abre mão de adicionar antioxidante ao bacon da Aqui em Casa.
Uso um pouquinho para o produto ter mais vida de prateleira sem alteração de cor. Sem isso, o bacon logo fica acinzentado, as pessoas não compram com medo de estar estragado."
Enquanto os produtores artesanais se limitam a esses dois conservantes, a indústria se vale de um rol bem mais longo de produtos permitidos por lei. Entre eles estão mono e dissacarídeos, categoria onde entram os açúcares, e sais hipossódicos, produtos com baixo teor de sódio que substituem o sal comum. Também entram na lista ingredientes que não frequentam cozinhas domésticas — é o caso da maltodextrina.
"É um tipo de carboidrato, obtido a partir do amido, que no bacon visa proporcionar melhor dispersão dos ingredientes da salmoura e melhorar textura, cor e sabor do produto final", explica a mestre em Tecnologia de Alimentos Lilian Victorino, professora do Instituto Mauá de Tecnologia.
Por fim, há uma extensa lista de aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia permitidos, que têm função de espessar, regular a acidez, retardar a oxidação, aromatizar, realçar cor e sabor. A lista de substâncias autorizadas para uso em produtos cárneos, elaborada pelo Ministério da Saúde, tem 25 páginas.
Como escolher
Não é possível identificar a qualidade do bacon só de olhar, mas há pistas que ajudam na hora da compra. Segundo Mandrake, quanto maior o prazo de validade, maior a concentração de sal de cura e outros conservantes. É o caso dos pedaços embalados a vácuo, expostos no supermercado sem refrigeração, geralmente no setor de pertences para feijoada.
Também vale ficar atento à cor, pois é o sal de cura que confere o tom mais rosado à carne. "Quanto mais cor-de-rosa, mais nitrito de sódio", ele diz.
A exceção é o bacon temperado com páprica, condimento que deixa a carne bem avermelhada. Na dúvida, consulte o rótulo ou converse com o fabricante.
Receita do bacon perfeito
Acostumado a treinar hamburgueiros profissionais e amadores, Marcos Lee tem na ponta da língua a técnica perfeita para deixar o bacon crocante na medida certa: forno a 150ºC por cerca de 15 minutos. "Os profissionais usam uma assadeira com grade, com uma coletora por baixo, para aproveitar a gordura que derrete. O tempo depende da espessura da fatia e do ponto que a pessoa mais gosta."
Micro-ondas também vale, mas o resultado é diferente — o processo elimina quase toda a umidade do bacon, deixando a fatia bem torradinha. "Meu sócio ama bacon desse jeito, mas eu acho que perde um pouco de sabor", Lee opina.
Se o utensílio à mão é chapa ou frigideira, a recomendação é usar fogo baixo, para o bacon não enrolar e perder a forma. Já a churrasqueira, diz o expert, é para quem entende do riscado.
Preparar bacon na brasa é uma das coisas mais chatas e difíceis. O bacon não pode ficar muito perto do calor alto e irregular, senão queima uma ponta e não cozinha a outra."
Onde comprar
À Table (@atablecharcutaria)
Bacon fatiado - R$ 27 (aprox. 200 g)
Aqui em Casa (@aqui_emcasa)
Bacon fatiado - R$ 35 (250 g)
DelVeneto (delveneto.com)
Bacon pedaço - R$ 14,90 (170 g)
Jais Handmade (jaishandmade.com)
Bacon em peça - R$ 39 (aprox. 250 g)
The Burger Store (theburgerstore.com.br)
Bacon fatiado Cacciatore - R$ 39,90 (200 g)
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