Histórico arranha-céu 'achatado' de Nova York irá à leilão após 121 anos
O Flatiron Building, marco arquitetônico do horizonte nova-iorquino graças ao seu formato triangular ou "achatado", será leiloado no fim de março após 121 anos de história.
Atualmente vazio, o edifício está no centro de uma disputa judicial entre seus muitos proprietários, que têm direito não só a partes do valor do imóvel, mas também a poder de veto em todas as decisões tomadas em relação a ele, segundo o jornal The New York Post.
Como o grupo GFP Real Estate, Newmark, Sorgente Croup e ABS Real Estate Partners — que detém 75% do prédio e representa diversos acionistas imobiliários — e Nathan Silverstein, detentor dos outros 25%, não concordam em aspecto algum, um juiz do estado de Nova York deu a ordem em janeiro para que a venda siga adiante e se resolva o impasse de vez.
O leilão está marcado para 22 de março e será conduzido por Matthew Mannion da empresa Mannion Auctions. Ao The Real Deal, publicação americana especializada no mercado imobiliário, o grupo de acionistas majoritários adiantou que irá oferecer lances — em um esforço de ganhar o controle total do prédio icônico.
O "xis" da disputa
A briga já se arrasta há anos. Segundo uma declaração juramentada do grupo GFP-Newmark-Sorgente-ABS obtida pelo Post, as discordâncias começaram em 2017, quando o selo editorial MacMillan Publishers anunciou que se mudaria do prédio — que ocupava inteiramente — em dois anos.
Desde então, Silverstein teria sugerido que não se fizessem mais melhorias ao edifício enquanto não houvesse um novo inquilino, embora atualizações de segurança (especialmente anti-incêndio) fossem exigidas por lei. Além disso, era sua intenção que as partes dividissem o prédio para negociá-lo, o que é impossível diante de seu status histórico.
Já Silverstein alega que o Sorgente Group tentou alugar o espaço por um preço muito abaixo da média por metro quadrado, e que seu contrato de aluguel sugerido era longo, o que impediria o prédio de ser lucrativo por bastante tempo.
Por que o Flatiron é tão cobiçado e importante?
Construído no número 175 da Quinta Avenida, uma esquina pontiaguda como a sua estrutura, o arranha-céu de 22 andares e 86,9 metros de altura originalmente se chamava Fuller Building, mas o apelido "flatiron" ("ferro de passar", em tradução livre) pegou graças ao seu formato único — que batizou o bairro inteiro eventualmente, o Flatiron District.
No entanto, o apelido e a história do prédio começam muito antes de sua construção em 1901. Em 1855, foi erguido na porção sul do seu terreno um hotel, o St. Germain. Dois anos depois, Amos Eno, um famoso investidor imobiliário, comprou todo o terreno e construiu na diagonal do antigo hotel um novo, o Fifth Avenue.
Em 1880, Eno derrubou o St. Germain e construiu um prédio residencial de sete andares ali, o Cumberland. Toda a esquina "esquisitona" de Manhattan pertencia a ele e na fachada de seus edifícios ele passou a instalar os primeiros grandes outdoors luminosos da cidade, uma prévia do que seria a Times Square décadas depois. Assim, a população deu um apelido à região: Eno's Flatiron (o ferro do Eno).
Em 1899, Eno morreu, mas o apelido já havia se solidificado. Os terrenos passaram de mãos algumas vezes até que, em 1901, a empreiteira Fuller Company resolveu erguer ali um imenso (para a época) arranha-céu como sede de seus negócios.
Quando a construção do ambicioso projeto em pedra calcária e terracotta assinado por Daniel Burnham começou a tomar forma, os jornais publicaram fotos já sob a alcunha: Flatiron Building.
De acordo com o repórter Christopher Gray, do The New York Times, todo o aço envolvido na carcaça da estrutura teve de ser meticulosamente cortado de antemão para se encaixar perfeitamente no terreno desafiador. Apesar de a Fuller Company ter divulgado a mudança de nome, até os desenhos de Burnham o assinavam como Flatiron, de tão inegável que era sua arquitetura.
Apesar de elementos renascentistas, a inspiração do arquiteto de Chicago foi mesmo a École de Beaux-Arts de Paris, movimento entre 1830 e o final do século 19 que tem como um de seus maiores símbolos o Palais Garnier, entre outros prédios com fachadas ricas em ornamentos e esculturas de referências ecléticas como o rococó e o barroco.
Por isso, telhados planos, painéis em baixo relevo e estatuária rebuscada foram incorporadas ao endereço nova-iorquino. Contudo, nenhum deles mais do que a profunda simetria: uma das características fundamentais do estilo francês que se tornou também sinônimo do Flatiron.
Além da Fuller, putros vizinhos também dividiam espaço no prédio no início do século 20, entre eles o Consulado Imperial da Rússia. Aos poucos, ele se tornou uma espécie de símbolo do espírito nova-iorquino: seu restaurante recebia até altas horas os frequentadores de espetáculos da Broadway e os ônibus cheios de turistas traziam visitantes ao seu deque de observação no 21º andar.
Conforme o bairro foi perdendo seu status de elite e se tornando mais boêmio nas décadas seguintes, o Flatiron mudou: o restaurante deu lugar ao Taverne Louis, um badalado bistrô frequentado por músicos de jazz, pela comunidade gay e inovadores culturais que só fechou as portas com a Lei Seca nos anos 30. Já nos anos 40, nova vizinhança: a Marinha dos EUA estabeleceu no seu "cowcatcher" — a extensão do seu térreo — um centro de recrutamento.
Em 1959, se mudou para o Flatiron a St. Martin's Press, uma pequena editora que pertencia ao grupo Macmillan — os mesmos que se mudaram em 2020 e causaram toda a disputa judicial que levou ao leilão. A essa altura, o Flatiron já gozava de um prestígio entre os intelectuais da cidade — e especialmente os autores da companhia. Mas não era só pelo seu passado ilustre.
O interior do Flatiron é conhecido por ter escritórios de formatos estranhos com paredes que formam um ângulo no caminho para a 'ponta' famosa do arranha-céu. Estes escritórios pontudos são os mais cobiçados e têm vistas nortenhas maravilhosas que olham diretamente para outro marco famoso de Manhattan: o Empire State Building".
Descrevia a Macmillan em seu portfolio nos anos 2000.
Quando o Empire State Building encontrou o caminho do Flatiron, ainda nos anos 30, ele "roubou" a majestade do edifício nos recordes, com seus mais de 440 metros de altura que fizeram dele o maior arranha-céu do mundo durante cerca de 40 anos. No entanto, o Flatiron já havia escrito seu nome na história da cidade e continuava a ser único, inimitável, em seu estilo.
Não à toa, em 1966, ele foi declarado Marco Histórico de Nova York e, em 1989, de todos os Estados Unidos. Um dia apenas coadjuvante literário na obra futurista de H.G. Wells, "The Future in America: A Search After Realities", nos anos seguintes ele fez, ironicamente, "pontas" em séries como "Friends" e filmes como a primeira trilogia do Homem-Aranha.
Seu hiato nas atividades culturais e na vida da cidade coincidiu — de forma estranhamente sincronizada — com a pandemia de covid-19 que silenciou a sempre vibrante Nova York. Por isso, mais do que seu leilão, seu retorno é muito aguardado pelos moradores e turistas ansiosos por uma selfie diante da construção que se tornou um símbolo da maior metrópole americana.
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