Pirâmide do Louvre: as teorias da conspiração que envolvem ícone de Paris
Felipe van Deursen
Colaboração para Nossa
22/03/2023 04h00
Em 1605, atendendo a uma demanda dos jesuítas, indignados com uma inscrição em uma placa, considerada por eles ofensiva, o rei Henrique IV autorizou a demolição da pirâmide que havia em frente ao Palácio do Louvre.
Foi um favor "apreciado e suficientemente demonstrado", escreveu em suas memórias o Duque de Sully, espécie de primeiro-ministro do país à época.
Naqueles tempos, o Louvre já era um reconhecido repositório de arte.
Desde o reinado de Francisco I (1515-1547), a antiga fortaleza medieval se transformou num palácio renascentista repleto de obras de gênios italianos (inclusive a mais famosa delas, a "Mona Lisa", de Leonardo da Vinci).
O sucessor de Francisco, Henrique II, ao lado da esposa, Catarina de Médici, ampliou a vocação para a arte do palácio. Catarina, quando ficou viúva, transferiu a residência real para lá.
Quarenta anos mais tarde, Henrique IV comandava a construção de uma grande galeria às margens do Sena, conectando o Louvre ao antigo Palácio das Tulherias.
Nessa época, o palácio teve sua primeira pirâmide.
Uma nova Paris
Séculos depois, em 1839, Paris era uma outra cidade.
Nas décadas anteriores, a Revolução Francesa colocou o país de cabeça para baixo, Napoleão virou cônsul, imperador, quase conquistou a Europa, mas acabou preso e trancafiado.
A dinastia Bourbon, a mesma de Henrique IV e dos famosos Luíses XIV e XVI, voltou ao trono, mas uma nova revolta, em 1830, derrubou o último Bourbon, Carlos X, e instaurou Luís Felipe I.
O Louvre, por sua vez, já era um museu desde 1793.
Em julho de 1839, a cidade comemorava os nove anos daquele evento, também chamado de Revolução de Julho. Tudo era feito de maneira bem-humorada, segundo o escritor britânico M.A. Titmarsh (pseudônimo de William Makepeace Thackeray), que estava em Paris durante as festas, no livro "The Paris Sketchbook".
"Salvas de tiros, procissões de estudantes, escaladas em postes para ganhar colheres de prata, relógios de ouro ou pernas de carneiro", escreveu. "Tudo sancionado pela Câmara dos Deputados."
Além de subir em pau-de-sebo para comer uma paleta, as pessoas viam uma cidade enfeitada.
O Louvre, ornamentado com várias bandeiras tricolores, ganhou, na frente do palácio, uma pirâmide negra para expiar os pecados do país. Mas era temporária e, dias depois, ela foi desmontada.
A pirâmide famosa
Uns 150 anos mais tarde, o Louvre ganhou sua pirâmide definitiva, que nada tem a ver com as anteriores.
O projeto foi concebido dentro de um grande plano de reestruturação do museu, lançado pelo presidente François Mitterrand em 1981. Dois anos mais tarde, o arquiteto I.M. Pei, nascido na China e com nacionalidade americana, foi anunciado como autor da obra.
I.M. Pei concebeu uma pirâmide inteiramente de vidro e metal para servir de entrada principal do Louvre.
Com 34 metros de base e 21 metros de altura, instalada no meio do pátio principal de um palácio de 600 anos (sem contar sua vida passada como fortaleza), a pirâmide criaria um contraste que poucos estavam convencidos de que daria certo.
O arquiteto queria que, apesar do tamanho da estrutura, a pirâmide não atrapalhasse a vista do turista para o palácio.
Para tanto, o vidro usado teria que ser o mais transparente possível, sem aquela tonalidade esverdeada ou azulada comum.
Coube à multinacional francesa Saint-Gobain desenvolver, ao longo de dois anos de pesquisa, um vidro laminado de pouco mais de 2 centímetros de espessura, com características ópticas que permitissem uma transparência satisfatória.
Em 1989, com 1.800 metros quadrados de vidro, 6 mil barras de metal e 20 toneladas, a obra foi inaugurada.
As críticas vieram de todo lado. O estilo da pirâmide não tinha nada a ver com a arquitetura renascentista clássica francesa do palácio. Uma pirâmide é um símbolo inequívoco de morte no Antigo Egito. É uma megalomania tresloucada de Mitterrand.
O projeto é de um arquiteto sino-americano com pouco contato com a cultura francesa. Por aí foi.
Cem anos antes, a Torre Eiffel também desagradou a um bocado de gente, e por pouco ela não foi desmontada em 1909. Só não foi porque se mostrou indispensável para as telecomunicações (e não para o turismo, como viria a ser).
Os milhões de turistas que vão ao Louvre todos os anos (7,8 milhões em 2022, número significativamente menor do que antes da pandemia) se acostumaram com a pirâmide. Com mais de 30 anos, ela já é parte indissociável do museu para uma geração de franceses.
As teorias de conspiração
Além do mais, a pirâmide é uma deliciosa fonte de teorias de conspiração. A mais famosa delas ganhou vigor com o sucesso, nas livrarias e nas telonas, "O Código da Vinci".
O livro de Dan Brown acabou inspirando roteiros próprios pelas ruas de Paris com os lugares citados na obra, todos cheios de supostas mensagens subliminares e segredos cabeludíssimos.
Na história, Leonardo da Vinci seria um membro de uma seita secreta que preservava os segredos acerca dos descendentes de Jesus, que se casou com Maria Madalena e teve filhos. O gênio renascentista deixou pistas em seus trabalhos, como na "Mona Lisa".
Além disso, a pirâmide do Louvre, de acordo com a teoria descrita no romance, tem 666 placas de vidro. O próprio Mitterrand — o primeiro presidente de esquerda da chamada Quinta República Francesa e aquele que ocupou o cargo por mais tempo — teria exigido que a pirâmide tivesse essa referência ao "número do diabo".
Pei chegou a se manifestar a respeito na época do sucesso do livro, limitando-se a falar que a pirâmide tem menos de 700 placas. Para ser exato, são 673: 171 de cada lado e 160 na entrada, que tem menos por causa da abertura. Pode não ser o "número da besta", mas bate na trave.