Por que praia italiana separa homens e mulheres com muro?
Em Trieste, no nordeste da Itália, uma praia curiosa resiste ao avanço dos tempos: La Lanterna ou, como é mais conhecida, 'Pedocìn', separa homens e mulheres nas areias (e até na água) por um muro.
A região começou a ser frequentada por banhistas ainda na primeira metade do século 19, ainda sob o domínio austríaco, quando o Imperador Francisco 1º passou a estimular a construção de estruturas de suporte aos balneários.
Sua abertura oficial é datada em 1890 pelo turismo da Itália, embora haja quem considere a inauguração das casas de banho ao seu redor em 1903, com chuveiros para os turistas, como o nascimento da histórica praia.
Seu nome, no entanto, tem uma inspiração mais antiga: a tal "lanterna", um farol hoje extinto na sua costa, foi erguida em 1832.
O apelido "Pedocìn" chegou anos depois e teria diversas interpretações: em uma gíria local, ele significaria "pequenos mexilhões" — já que a espécie era cultivada ali — ou "piolhinhos", em uma possível referência às areias estreitas e lotadas, ou à prática dos soldados de Francisco 1º de fecharem a praia das 14h às 16h para se lavarem.
Há ainda quem acredite, segundo o jornal italiano Il Post, que o termo é uma corruptela de "ciodin", como se chamam os pequenos ganchos para pendurar roupas em sua entrada.
Por trás do muro
Nem sempre o muro esteve em Pedocìn, mas a praia era dividida desde a inauguração de suas casas de banho em 1903 por uma cerca, ainda de acordo com o Il Post. A ideia era estabelecer ambientes familiares e evitar grandes deslocamentos para conhecer a costa — o que rapidamente a tornou popular.
Nos anos 30, a cerca deu lugar ao muro de alvenaria. Já no fim da década, em 1938, a praia começou a cobrar um bilhete de entrada, para que fosse possível arcar com os custos de manutenção de chuveiros, banheiros e limpeza.
Pedocìn ao longo do século 20
O preço é tradicionalmente baixo. Ainda durante a Segunda Guerra, de acordo com Sindicato Balneário da Itália, o jornal Il Piccolo di Trieste iniciou uma espécie de batalha pública para que os custos da ida à praia não pesassem no bolso das famílias mais pobres, sugerindo para isso até sua reunificação. Até hoje, a entrada permanece simbólica, para não espantar os turistas.
Já em 1959, o muro foi demolido, mas brevemente apenas por uma questão de logística: antes Pedocìn era dividida igualitariamente, mas a área feminina sempre foi mais lotada que a masculina por poder receber também crianças de até 12 anos junto com as mães.
Assim, ele foi reconstruído alguns metros depois para permitir mais conforto para os frequentadores na areia e segue firme e forte com mais de 3 metros de altura em 2023. Segundo a Secretaria de Turismo de Trieste, diversas autoridades sugeriram derrubar o muro de vez ao longo dos anos, sem sucesso.
Enquanto construções semelhantes foram extintas no restante da Europa, a divisão de Pedocìn sempre foi apoiada pela população, que impediu a mudança. Em 2009, uma reforma restaurou suas casas de banho no estilo do início do século que tornou a praia tão atraente.
Segundo o Il Post, o motivo pelo qual os moradores de Triestes são tão apegados ao seu muro não tem a ver com discriminação ou puritanismo: o "acessório" é visto como um instrumento de liberdade, que permite que banhistas fiquem confortáveis para fazer topless na areia ou se divertir com amigos sem se preocupar com a observação do sexo oposto.
Esta mentalidade única é motivo de interesse de quem vêm de fora. Tanto que, em 2016, a praia de La Lanterna se tornou tema de um documentário grego exibido no Festival de Cinema de Cannes chamado "L'Ultima Spiaggia" que retrata as relações e comportamentos dos frequentadores desta que é, como o nome do filme sugere, "a última praia" dividida do continente.
Por isso, "pular a cerca" em Trieste só é permitido em casos excepcionais, quando enfermeiras precisam acompanhar pacientes idosos, por exemplo, ou quando médicos invadem a área do outro sexo para tratar um paciente. Para manter a regra em funcionamento, homens e mulheres desfrutam até de entradas separadas e só se encontram para bater papo sobre as boias na água.
Atualmente, sua estrutura conta com outros confortos: além dos tradicionais chuveiros e vestiários, há uma área para "refrescos" na porção feminina durante a alta temporada. Também há barreiras flutuantes, para a segurança dos banhistas, e painéis antipoluição que garantem que a água da praia esteja sempre limpa.
A praia foi reaberta antecipadamente em 2023 — ela fecha em alguns dias para as estações frias do ano e em outros tem entrada gratuita — e já voltou a receber visitantes todos os dias da semana sempre das 9h às 17h. O custo da entrada é de 1 euro ou R$ 5,70.
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